Dom Othon Motta – Cem Anos!

É assim que julgo a passagem, pelo mundo, de Dom Othon Motta, com quem tive de cruzar caminhos nos serviços da Igreja de Campanha, em Minas Gerais, nos idos anos de 1977-1981.

Bendigo a Deus pelas reminiscências que vou exarar agora, por escrito, para que se perpetue na história a lembrança desse real servo de Deus que foi Dom Othon Motta, a quem sucedi, não sem hesitação prolongada, após a consulta que me foi dirigida pela Nunciatura Apostólica.

Lembro-me, fugazmente, ter conhecido Dom Othon num almoço, não sei bem se em Juiz de Fora, na residência episcopal. Eu, jovem Bispo de Lorena, e ele, parece-me que, então, era Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro. Prosa animada pelo espírito alegre de Dom Othon. Fiquei cativo de seu sorriso acolhedor, na refeição amiga que nos oferecia Dom Geraldo Maria Penido, Arcebispo já, se não me engano, da Arquidiocese de Juiz de Fora. Gostou de mim Dom Othon, como eu dele gostei. Acho que foi recíproca a simpatia.

Passados alguns anos, recebia a consulta da Nunciatura Apostólica para ser Coadjutor com direito à sucessão de Dom Othon Motta. Demorei a dar resposta. Dom Othon me telefonou para nos encontrarmos em Baependi, na residência das Irmãs Franciscanas. Ele estava ansioso para que eu aceitasse a indicação que fizera de meu nome para seu futuro sucessor.

Poucos meses antes me convidara para pregar o retiro ao clero da Campanha, o que fiz com sincero agrado. Agora, ele me dizia que seu clero me estimava, que seria recebido com simpatia para Coadjutor dele e futuro sucessor. Eu, com a carta consulta retida há quase um mês, pensava e hesitava. Foi sua insistência, sua simpatia e lealdade, que me fez dizer, enfim, o assentimento, já desfeitos todos os meus receios.

Dom Othon afigurou-se-me um conselheiro amigo e companheiro, a quem não soube negar a aceitação de seu insistente convite.

E, a 6 de janeiro de 1977, eu fazia minha entrada solene na Catedral da Campanha, e era empossado como Coadjutor com direito à sucessão de Dom Othon.

Senti que a terrível doença que o acometera – Parkson – fazia avanços em seu corpo que se empenhava por armar-lhe resistência. Em vão. Do corpo o mal passou-lhe à mente. Dia a dia o bom e querido amigo tornava-se mais combalido. Pobre Dom Othon! Como sentia os seus desfalecimentos. E nada poder fazer, a não ser demonstrar-lhe meu fraterno afeto.

Por último ele se fixava mais no Rio de Janeiro, na casa de sua irmã. Era forte, heróico, resignado no sofrimento, mas amava o episcopado de que fora investido por graça de Deus. Nunca aceitou renunciar. Conservou o título de Bispo da Campanha até o fim.

Um dia, recebi da Nunciatura a comunicação de que o Santo Padre me nomeara Bispo de Taubaté, Diocese então vaga pela renúncia de Dom José Antônio do Couto, e avisava-me o Sr. Núncio Apostólico que eu me desligava, assim, da administração da Campanha e devia Dom Othon assumir o governo da Diocese.

Ele se achava no Rio. Telefonei-lhe dizendo que a Diocese estava vaga, em virtude de minha transferência, e, conforme o aviso da Nunciatura, devia ser assumida por ele Dom Othon, de vez que ele era o Titular. Ele alegou não ter condições de saúde para reger sua diocese. Mas a explicação da Nunciatura foi que ele não renunciara; era o titular, portanto era o responsável, que devia assumir a sede então vaga. “Não tenho saúde para isso” – disse ele. E chorou, coitado! Mas era imperioso voltar a Campanha e assumir. Ele voltou, obediente, e assumiu.

Não pude seguir os trâmites quais foram, a partir de então. Um dia eu estava em Barbacena, e li num jornal: “Faleceu Dom Othon Motta, em Campanha. Seu enterro será hoje”. Nem se saísse na mesma hora, eu não chegaria a tempo. Limitei-me a dirigir um telegrama ao Mons. Lefort, Chanceler do Bispado, pedindo que apresentasse a todo o clero os meus sentimentos.

Dom Othon Motta deixou, tenho certeza, imensa saudade. O povo o terá chorado com o seu clero. E eu, parecia-me ouvir, por dias, o sino tangendo fúnebre.

Um homem, um Bispo, um Santo, não estava mais presente em Campanha.

Eu não quis ir lá por vários anos. Dom Othon Motta afigurava-se-me o ícone daquela Diocese, que ele amava e de lá não devia ser tirado nem pela morte.

Alguém já me perguntou se eu não gostei de Campanha, e, se por isso, pedi para ser removido de lá. Não. Não pedi para sair de lá. Nunca pediria.

Alguém, ou melhor, alguns (Deus já os julgou) não me aceitaram em Campanha. Eu os perdoei. Lá não era, com certeza, o chão para fixar minhas raízes. Deus sabia disso e removeu-me para Taubaté. Foi Dom Othon que me quis em Campanha. Só duas amizades tive nessa cidade: Dom Othon e o Mons. Lefort.

Sem profundos laços de amizade, muito fiquei devendo a dois padres, para os quais solicitei à Santa Sé o título de Monsenhor: Pe. Hugo e Pe. Joaquim Marciano.

Campanha, no entanto, não é um assombro para minhas lembranças. Muito aprendi, onde muito sofri.

Ao lembrar agora os Cem Anos desse grande Santo, que foi Dom Othon Motta, louvo a Deus por o ter conhecido, e bendigo as horas edificantes que passei a seu lado.

Um Santo não morre. No Céu, Dom Othon, que reza por sua saudosa Diocese, ora também por mim, que o sucedi, e ali estaria talvez até hoje, se aquele fosse o chão que acolhesse minhas raízes.

Como seria prazeroso para mim, se Dom Othon estivesse vivo, e eu, a seu lado, pudesse, na mesma Campanha da Princesa, cantar “Parabéns para você!” nestes Cem anos!

Dom Othon, receba, nos céus, a expressão sincera do meu afeto e da minha saudade!

Dom Antônio Affonso de Miranda, SDN – Bispo Emérito de Taubaté

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