O Leigo é, por missão e condição, um cristão de fronteira

O Decreto sobre o Apostolado dos Leigos (Apostolicam Actuositatem), de 18/11/1965, veio dizer que, “para tornar mais intensa a atividade do povo de Deus, o Concílio deve voltar a sua atenção para os cristãos leigos, absolutamente necessários à ação da Igreja… O apostolado dos leigos é conseqüência da própria vocação cristã e, por isso, nunca poderá faltar à Igreja”(n.1). Numa Igreja, marcada durante séculos pelo clericalismo, estas palavras marcaram um rumo novo. Pela necessidade se chegou ao reconhecimento da dignidade.

O decreto é longo e integra aspectos muito importantes da vida e missão da Igreja. O Papa João Paulo II concretiza, em 1988, vários pontos do apostolado laical na Exortação Apostólica sobre os Fiéis Leigos onde, numa linguagem dinâmica, aponta caminhos e favorece vivências. Já à data do Concílio era claro que o mundo em mudança exigia outro modo de agir eclesial, e este não seria possível sem um laicato formado e organizado. São os leigos que mais sentem estas mudanças com as suas possibilidades e perturbações.

Os leigos são, por vocação, “cristãos no mundo”. Não é por favor ou por necessidade da hierarquia que aí exercem a sua missão. É um direito e um dever de quem, mesmo agindo em comunhão eclesial, não perde a autonomia própria da sua condição. O Concílio Vaticano II (1962-1965) recorda que a missão da Igreja de “dilatar o Reino de Cristo em toda a Terra, ser sinal da salvação para todos, ordenar o mundo e a sua ação à luz de Cristo e do seu Evangelho, são orientação para todas as atividades apostólicas”. E acrescenta que a mesma missão será realizada a partir do que a todos é comum como participantes do sacerdócio, profetismo e realeza de Cristo, com o tom bem vincado do que é próprio de cada vocação.

Vivendo no meio do mundo e das atividades profanas, é próprio do leigo contribuir para a evangelização e santificação de todos, animar e aperfeiçoar as realidades humanas, de acordo com o espírito evangélico, fazer da sua vida e da sua atividade um testemunho claro de Cristo e uma ocasião para a salvação dos homens. Para isto deve o leigo ser formado, respeitado e acolhido.

Toda esta atividade determina, também, uma espiritualidade própria que se traduz no olhar de quem vê o mundo e os outros com os olhos do Pai. Daí não poder o leigo dispensar a luz da Palavra, a vivência eucarística, a oração pessoal, o estudo da realidade humana e social, onde é chamado a agir e viver, no seguimento de Cristo, o espírito das bem-aventuranças. Casado, solteiro ou viúvo, e de acordo com a sua vida social e profissional, doente ou saudável, o leigo enriquece a sua espiritualidade diária no contexto em que se processa a sua vida. É da vivência da fé, esperança e caridade que sai a luz e a inspiração para realizar a sua missão de cristão no mundo, evangelizando , renovando pela força do Evangelho a vida temporal, dando como sinal distintivo do cristão, onde quer que se encontre, o mandamento do amor.

Tudo isto traduzido em obras que vão desde o esforço de reconciliação ao serviço da defesa dos direitos humanos e do exercício dos deveres próprios, ao empenhamento a favor dos mais pobres e mal-amados na sociedade, sempre em atitude gratuita, solidária e fraterna.

Os campos de ação apostólica do leigo estão ligados ao que é específico da sua vida: família e educação, meio social, trabalho, convivência e participação cívica. Deve ser realizado este serviço dedicado em comunhão com a hierarquia e em espírito de serviço fraterno. Agirá de maneira individual ou associada, consciente do valor do apostolado associado no mundo de hoje, resistindo à tentação de se refugiar em atividades internas da Igreja, mais a seu gosto.

Há que sentir, porém, o apelo que lhe vem da sociedade, mormente dos meios mais descristianizados ou onde o exercício da verdade e da justiça é menos cuidado ou mais esquecido. O leigo é, por missão e condição, um cristão de fronteira.

Certamente que o maior empenhamento da Igreja deve ir para a formação do laicato cristão, no sentido conciliar. Vê-se ainda a dificuldade sentida por muitos leigos de agirem no campo que lhes é próprio. Devido, por certo, ao domínio do poder clerical, que aprecia os que trabalham dentro da igreja e retira para aí, muitos dos mais preparados e necessários nas tarefas da sociedade. Por outro lado, vemos a tentação de fomentar nos leigos uma espiritualidade de raiz clerical , fazendo com que alguns, mais formados e informados, reajam, legitimamente, a uma tal orientação.

Depois do Concílio andou-se muito em relação aos leigos, mas há rotinas e nostalgias que dificultam, ainda, o crescimento e a maturidade do laicato cristão.

Prof. José Pereira da Silva

FONTE: O Lábaro – edição de fevereiro de 2015

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