“Bom Prato”: uma ação que mata a fome e dá dignidade às pessoas

A Campanha da Fraternidade deste ano retoma o tema da fome, nos recordando, com a frase categórica de Jesus – “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), de que o compromisso de erradicar a fome é de todos e de cada um. Em Taubaté, o programa “Bom Prato” é um exemplo de que, com políticas públicas adequadas somadas à solidariedade, é possível reverter o problema da fome e dar dignidade aos mais pobres. Nesta entrevista, Pe. Marlon Múcio, fundador da Missão Sede Santos, fala sobre esse programa de segurança alimentar coordenado pela comunidade.

O LÁBARO: O que é o “Bom Prato” e como funciona?

Pe. Marlon: O programa “Bom Prato” é o maior programa de segurança alimentar do mundo. Hoje, existem 80 unidades no Estado de São Paulo. Três das unidades são geridas pela Missão Sede Santos. O restaurante de Taubaté já fez 16 anos; o de São José dos Campos, 4 anos; e o de Jacareí, 8 meses. O Governo do Estado, através da Secretaria de Desenvolvimento Social, faz um chamamento público, e aí as entidades entram concorrendo. Nós ganhamos nessas três cidades. Nós temos uma grande alegria: das 80 unidades, as três primeiras colocadas são as nossas, no quesito qualidade e excelência, no atendimento e no trabalho.

O LÁBARO: Como é a organização do programa, para que as pessoas sejam bem atendidas?

Pe. Marlon: Em cada uma das três unidades, nós temos uma média de 20 funcionários. São funcionários da Missão Sede Santos. Em cada unidade, também temos dois voluntários. Existe um padrão para que os restaurantes funcionem segundo o programa Bom Prato. Então, nós temos, dentro desse padrão, funcionários. Cada pessoa para um real pelo almoço ou pelo jantar, e 50 centavos pelo café da manhã. O Governo do Estado faz um subsídio de R$ 6,10 por cada refeição. Desde que começou o contrato, o preço é um real. Para muitas pessoas, é a única refeição do dia. E é assim: apareceu na fila, come. Mas o programa é especialmente voltado para moradores em condição de rua e desempregados.

O LÁBARO: Como o “Bom Prato” funcionou durante a pandemia?

Pe. Marlon: Na pandemia, como não podia ter refeição de contato, então nós servíamos o marmitex. Mas, agora, graças a Deus, já está normal. O restaurante de Taubaté e o de São José dos Campos funcional de segunda a sábado; o de Jacareí, de segunda a sexta-feira; Taubaté e São José, com café da manhã, almoço e jantar; Jacareí, com café da manhã e almoço. Nós conseguimos na época da pandemia mais ou menos 300 refeições em cada unidade. Graças a Deus, isso se manteve. Hoje, em Taubaté, são 400 cafés da manhã, 1.400 almoços e 300 jantares; em São José, são 300 cafés da manhã, 1.250 almoços e 300 jantares; em Jacareí, são 300 cafés da manhã, 1.250 almoços e 300 jantares. Cada prato tem seis ingredientes: arroz, feijão, salada, guarnição, prato principal e sobremesa. É uma coisa muito linda. A cara do prato é muito bonita, e o tempero também é muito gostoso.

O LÁBARO: Há uma preocupação importante que não é apenas a de oferecer a comida, mas acolher as pessoas com dignidade.

Pe. Marlon: Tem uma preocupação social, mas profundamente humana e humanitária. Por quê? A pessoa ganhar o prato é uma coisa, você permitir que ela compre com um real resgata a cidadania dela, a dignidade dela. Os pratos são preparados nutricionalmente balanceados. Então, para a Missão Sede Santos, isso é pura evangelização. Eu recordo do Evangelho da Multiplicação dos pães: todos comem. Em Taubaté e em Jacareí temos convênio com o Centro Popular das Pessoas em Situação de Rua. Elas levam um cartãozinho, e não precisam pagar, porque a Prefeitura paga.

O LÁBARO: Qual a importância dessa ação social, especialmente em Taubaté?

Pe. Marlon: Eu vejo a importância desde o começo. Todo ano, a gente faz uma grande festa, no aniversário (do programa). Então, todo ano vem o prefeito, deputado, governador e também todo ano ia o Dom Carmo e o Dom Antônio almoçar lá. Eles cobravam: “está chegando o dia”. E a gente via a cidade melhorar. O patamar de vida das pessoas melhora. Elas se sentem acolhidas, amadas, promovidas, não apenas um assistencialismo, mas a promoção da pessoa. E também, o restaurante, nós damos cursos rápidos e fazemos encaminhamentos para os PATs (Posto de Atendimento ao Trabalhador) e também para casas de recuperação. Uma delas é nossa, que atende gratuitamente, em Caçapava. Então, a pessoa é pensada no todo. Nós vemos não apenas o estômago dela, mas a pessoa que tem fome, desde a acolhida, quando ela chega, procuramos fazer assim. Ora, quem sai ganhando? Sai ganhando a população , sai ganhando também a Diocese de Taubaté, porque nós estamos lá com a bênção da Diocese, em nome da Diocese, fazendo esse trabalho.

O LÁBARO: De que maneira o programa “Bom Prato” fortalece o carisma da Missão Sede Santos?

Pe. Marlon: O carisma da Missão Sede Santos é tornar Jesus mais conhecido, amado, seguido e adorado. Então, quando uma pessoa vem tomar a refeição, nós estamos fazendo isso, porque vemos Mt 25 naquela pessoa: “Eu estava com fome e me destes de comer”. O carisma é fortalecido, a nossa entidade social e também a comunidade ganham visibilidade, e isso abre muitas portas no coração das pessoas, junto às prefeituras e fortalece a ação evangelizadora da Diocese. Vêm pessoas de todos os credos, até de classes sociais, mas a Igreja é que está fazendo isso. Eu me lembro de Madre Teresa de Calcutá. Ela cuidava dos hindus, e dizia: “ele é meu irmão. Não importa que tenhamos religiões diferentes, eu faço isso por causa da minha religião”.

O LÁBARO: A realidade da fome, como mais uma vez insiste a Campanha da Fraternidade, abordando o tema neste ano, com o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16) é uma chaga não só no Brasil, mas no mundo. Como nós cristãos católicos devemos enfrentar essa realidade?

Eu penso o seguinte: a fome é uma chaga vergonhosíssima para a humanidade, mas cada pessoa pode fazer a sua parte. Mesmo as paróquias têm os grupos sociais, elas têm o domingo do quilo para arrecadar alimentos para as cestas básicas. Ora, alguém pode dizer: Isso é dever do Estado. Mas, cristãmente falando, isso é dever de todos nós, porque Jesus mandou dar de comer. O milagre da multiplicação passa pela partilha. As paróquias já fazem o trabalho de conhecer as famílias, ajudam com cestas básicas, procuram estar próximas, cadastram as famílias, veem a real necessidade. Esse é um trabalho simples, que toda paróquia pode fazer. Quase todas fazem isso, mesmo as mais pobrezinhas. As pessoas se ajudam. Agora, individualmente falando, cada pessoa também pode ter a consciência de partilhar. Eu penso que a partilha é o grande refrão da Campanha da Fraternidade de todos os anos. Saber partilhar! Quem partilhar está perto, conhece, se compadece, levanta a pessoa. A pandemia nos fez ficar mais egoístas; as pessoas se fecharam nos condomínios, nas ruas, nas suas casas. Mas a gente percebe, quando alguém toca a campainha, se ela precisa ou não. Também a gente conhece um pouquinho dos vizinhos, e a gente percebe se eles estão precisando de ajuda ou não. Então podemos ser mais sensíveis, cristãos… e partilhar. Esse trabalho das paróquias não é tapa buraco, não é um trabalhinho, é um trabalho sério e muito bonito, e faz a diferença. Não há ninguém que seja tão pobre que nada possa dar e nem tão rico que nada possa receber. Cada um pode dar o que pode dar, mas tem que dar. Isso nos salva e salva aquela vida. A salvação da alma passa pela promoção do corpo.

Por Pe. Jaime Lemes, msj

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