“Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden, para que o cultivasse e o guardasse” (Gn.2,15).
Queremos aqui, muito resumidamente, considerar a ampla e complexa questão ambiental para que tenhamos consciência sobre o impacto que o conjunto das ações humanas exercem sobre nosso planeta, sobre o clima e sobre as diversas formas de vida que existem na Terra. Diante do aumento dos fenômenos climáticos extremos nos perguntamos como o cristão interpreta essa situação e o que podemos fazer frente a essa desafiadora realidade que envolve a todos.
A questão do ambiente – Temos acompanhado os recordes sucessivos de temperatura, as alterações nos ciclos e na intensidade das chuvas e das secas, o derretimento progressivo do gelo nas calotas polares, entre outros fatos. Estas são realidades impossíveis de serem negadas; elas confirmam o consenso científico sobre as mudanças climáticas decorrentes de intervenções significativas que provocamos no ambiente. Consistentes evidências científicas indicam que as atividades humanas, principalmente a queima de combustíveis fósseis, têm causado o aquecimento da superfície terrestre e dos oceanos, resultando em impactos significativos no clima do planeta. De acordo com uma pesquisa da Cornell University que analisou estudos publicados entre 2012 e 2020, mais de 99% dos cientistas climáticos reconhecem que as mudanças no nosso clima são causadas pelo ser humano (cf. Portal G1, notícias, dez.2023). A questão ambiental é muito complexa pois envolve multíplices fatores, como: nossos hábitos de consumo; uso exagerado de descartáveis especialmente de plásticos; produção de lixo e sua destinação; preservação de florestas e adequado manejo de áreas destinadas a agricultura e pecuária; preservação de mananciais; processo de industrialização e emissão de gazes; saneamento básico; capacidade de produzir energia a partir de fontes limpas e renováveis; consciência pessoal e coletiva; legislação e fiscalização, etc. Do acerto e eficácia de atitudes e medidas referentes a essas realidades dependerá toda a vida no planeta, não só a vida humana. Em 1971 (observe o ano!), o Papa São Paulo VI fez um grave alerta sobre a questão ambiental: “Por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, o homem começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação … criando assim, para o dia de amanhã, um ambiente global, que poderá ser-lhe insuportável” (Octogesima Adveniens, n.21).
A consideração cristã – A Sagrada Escritura, apresenta o relato da criação não como um relato histórico, mas como uma reflexão que brota da fé, mostrando que Deus fez todas as coisas e viu que cada uma delas “era boa” (cf. Gn.1). A criação é obra de Deus e é apresentada como um jardim, ou seja, lugar harmonioso e agradável. No ápice da criação, Deus coloca o homem e a mulher, criados à imagem e semelhança de Deus, incumbidos de cuidar de toda criação (cf. Gn.1,26-30 e Gn.2,15). O pecado rompe essa relação de harmonia querida pelo Criador. Pelo pecado o ser humano se rebela contra Deus, querendo ser ele mesmo o senhor; passa a ver o semelhante como adversário e a explorar despoticamente a natureza da qual deveria cuidar. Quando existe o domínio do pecado há exploração, ganância, destruição, etc. Em mensagem dirigida à Conferência do Clima, o Papa Francisco afirmou: “A ambição de produzir e possuir transformou-se em obsessão e ganância, sem limites, fazendo do ambiente objeto de uma exploração desenfreada. O clima enlouquecido emite um alerta para acabarmos com o delírio de onipotência.” (Mensagem do Papa Francisco, COP 28, em Dubai, dez. 2023). O mistério pascal de Jesus, sua morte e ressurreição, inaugura um mundo novo e restabelece a ordem e a harmonia que o pecado havia rompido. “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!” (2 Cor.5,17). Na encíclica Evangelium Vitae (de 1995), São João Paulo II escreve: “o domínio conferido ao ser humano pelo Criador não é um poder absoluto, nem se pode falar de liberdade para ‘usar e abusar’, ou de dispor das coisas como melhor lhe agrade. A limitação imposta pelo mesmo Criador, desde o princípio, e expressa simbolicamente com a proibição de ‘comer do fruto da árvore’ (cf. Gn.2,16-17), mostra com suficiente clareza que, nas relações com a natureza visível, nós estamos submetidos a leis, não só biológicas, mas também morais, que não podem impunemente ser transgredidas” (E.V. 42). Assim, o ser humano deve ser aquele que cuida e não o que agride ou destrói a criação.
Consciência e novas atitudes – As mudanças necessárias para termos um ambiente equilibrado e preservado passam necessariamente por uma nova mentalidade e novas práticas mais sustentáveis. Isso não é fácil, pois implica formação de consciência, novas convicções e novas posturas, mas não existe outro caminho para preservar e manter a vida no planeta. Essas mudanças devem envolver cientistas, legisladores, governantes, economistas, ambientalistas, produtores, consumidores, educadores, formadores de consciência, etc. É mais fácil e mais barato preservar que recuperar. É necessário consciência e novo estilo de vida. Pensar globalmente e agir localmente! Ninguém pode abdicar de fazer sua parte.
Dom Wilson Angotti
Bispo Diocesano de Taubaté