Mãe Aparecida dos pobres, das romarias

Em 31 de maio de 1931, Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi proclamada Padroeira do Brasil. A minúscula imagem, encontrada por três pobres pescadores no rio Paraíba, em 1717, foi posta numa posição de destaque para o povo brasileiro.

A imagem encontrada no Paraíba media 36 centímetros de altura e pesava dois quilos e meio. Segundo peritos, ela teria sido esculpida no século XVII em barro paulista que, depois de cozido, torna-se cinza claro. Vestígios encontrados na imagem revelam que ela originalmente fora pintada de azul e vermelho, as cores oficiais de nossa Senhora da Conceição. Por causa dos longos anos que passou imersa no lodo do rio, e posteriormente ficou exposta ao lume e à fumaça dos candeeiros e velas, a imagem adquiriu a cor que hoje conserva: castanho brilhante.

Os três pescadores, protagonistas dessa história, representam o povo brasileiro sofrido do final do século XVII e início do século XVIII, em sua origem: humildes nativos, cujos poucos líderes começavam a se opor aos exploradores europeus. Empenhados por inteiro na árdua tarefa de sobrevivência, não conseguiram obter uma consciência nítida das profundas contradições em que foram lançados. O povo tinha somente a miséria, a fé em Cristo e em Nossa Senhora. Expressa também o domínio português e a pobreza da terra que lhe restou.

O surgimento de Nossa Senhora Aparecida representa um desabrochar desse povo. Eles começam a se manifestar como tais, justamente naquele tempo: em meio à miséria trazida pela crise que marcou o período intermediário entre o fim do chamado “ciclo do açúcar” e o estabelecimento da mineração como atividade principal da colônia. O surpreendente é o que a Senhora da Conceição Aparecida fez com os pobres, presença em suas vidas, consolo nas aflições e alimento de suas esperanças. Uma imagem esculpida em terras brasileiras e, encontrada no rio Paraíba, enegrecida pela fumaça que circulava nas casas dos pobres pescadores/agricultores, torna-se a protetora da cor do povo. Os pobres pescadores a recolheram em suas redes e ela renasceu dando mais esperança ao povo caboclo, ao povo negro e ao povo pobre da região.

A romaria católica estabelece uma distinção especial entre a morada do santo e os fiéis. É esta distinção que o romeiro dramatiza ao deixar seu lugar de trabalho e de lazer, o espaço de sua existência cotidiana, para dirigir-se ao lugar sagrado do santo, onde permanece por um tempo restrito, e volta à sua residência recompensado. As romarias começam, muitas vezes, com uma promessa. Para pagá-la, a pessoa passa a organizar uma ida anual a Aparecida com os vizinhos, fretando um ônibus. A devoção pode, portanto, iniciar com uma necessidade (desemprego, doença, etc.). Os romeiros trazem toda sorte de objetos e assuntos para serem abençoados aos pés de Nossa Senhora Aparecida, elevando assim relações profanas à condição de vínculo com o sagrado. A devoção popular a Nossa Senhora Aparecida é muito significativa. Como lembra-nos o Documento de Aparecida, “a devoção mariana, que contribuiu para nos tornar mais conscientes de nossa comum condição de filhos de Deus e de nossa comum dignidade perante seus olhos, não ob
stante as diferenças sociais, étnicas ou de qualquer outro tipo”. (n.37).

A devoção a Nossa Senhora Aparecida foi lentamente formando-se desde o encontro da imagem nas águas do rio Paraíba através das romarias, histórias que o povo conta, orações, terços, novenas, relatos de milagres, os ex-votos etc. Na imagem os devotos vão colocando o manto e a coroa, sinais visíveis de uma devoção popular que descobriu paulatinamente o sentido do amor à Maria. A Igreja foi redescobrindo a devoção popular a Nossa Senhora, apresentando o sentido teológico das práticas de devoção à Maria Santíssima.

A história de Nossa Senhora Aparecida é a imagem da história do povo humilde, continua até hoje, nas pequenas e grandes histórias deste povo. A devoção a Nossa Senhora Aparecida vêm permeada de milagres. Estes prodígios são associados a curas de doenças, a salvação em acidentes ou a libertação de escravos. O milagre é importante na devoção a Nossa Senhora, é o ponto de partida para uma devoção permanente à santa. Na sala dos milagres percebemos todas as manifestações de gratidão dos peregrinos e devotos.

A fé na Aparecida suscita a esperança, anima o peregrino a dar mais alguns passos. Ela é Mãe, a Senhora dos doentes, dos escravizados, dos acidentados, dos que passam fome. A devoção à Aparecida, em sua Imagem de cor morena, foi associada à libertação dos escravos e à raça negra. Aparecida é mulher inserida no mundo e, no entanto, sempre fugindo das armadilhas dos poderosos para sustentar a vida dos filhos necessitados. Ela prepara os homens para receber e viver o Evangelho de Jesus de Nazaré, “vida plena para todos” (Jo 10,10). Há muitas preces, homenagens, orações, poesias que expressam o sentimento e o significado da Mãe Aparecida para os brasileiros.

A Senhora Aparecida apareceu para prover o alimento; apareceu para suscitar a segurança nas mudanças históricas; apareceu para fortificar o clamor e as lutas dos escravos negros; apareceu para fazer renascer a esperança aos doentes, deficientes, desorientados, acidentados e, enfim, apareceu para recordar a meta de seu Filho Jesus de Nazaré e nossa: vida em abundância para todos.

Prof. José Pereira da Silva

FONTE: O Lábaro – Novembro/2014

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