Mateus cita o nascimento de Jesus em Belém em apenas um par de linhas, diferentemente de Lucas, que, como se dizia, aponta a sua objetiva para a figura da mãe Maria, e conclui: “Tomou consigo a sua esposa e, sem que ele a conhecesse, ela deu à luz um filho, e ele chamou-o Jesus” (1, 24-25). É sabido que “conhecer” é uma maneira bíblica para indicar o ato sexual: sublinha-se assim a virgindade da mãe que tem como centro o fato de aquele filho nascer não da semente ou opção humana, mas é somente fruto da intervenção divina.
José aparece, portanto, apenas nos exórdios da vida de Jesus. Inícios, aliás, dramáticos, depressa envolvidos no sangue do massacre das crianças de Belém imposto por Herodes e com a experiência amarga de refugiado que Ele experimentará juntamente com sua família, que se tornou emigrante e clandestina no Egito, uma terra que no passado não foi benévola com os hebreus (Mt 2, 13-23).
O Evangelho de Mateus segue com uma série de quadros que tornam José, Maria e o seu Menino semelhantes a muitos migrantes que ainda hoje buscam um refúgio hospitaleiro, muitas vezes a eles negado.
O esquema narrativo adotado pelo evangelista para descrever as várias vicissitudes é o de introduzir sempre uma aparição angélica que assinala a presença de Deus sobre José e a sua família, acrescentando uma citação do Antigo Testamento, para assim mostrar como a vida de Jesus está inserida e torna-se a meta de plenitude de toda a história da salvação.
Uma posterior presença indireta de José é registrada por Lucas quando evoca o episódio surpreendente do afastamento do filho dos seus pais, durante uma peregrinação a Jerusalém, para permanecer entre os doutores da Lei no templo. Jesus tinha então 12 anos, isto é, tinha entrado na maioridade segundo a tradição judaica.
As palavras que Maria lhe dirige, também em nome do seu esposo, tem o tom de uma velada repreensão que desabrocha de ansiedade e afeto: “Filho, porque nos fizeste isto? O teu pai e eu, angustiados, procurávamos-te” (Lc 2, 48).
José, que nos Evangelhos nunca fala, desaparece repentinamente de cena, regressando com Maria e Jesus a Nazaré, a povoação da Galileia onde passará o resto da sua vida. Só uma vez voltará a estar na ribalta, indiretamente, mas de uma forma algo amarga.
Um dia, com efeito, os seus concidadãos nazarenos ironizam sobre a figura do filho – que se tinha tornado conhecido pelas suas palavras e pelos sinais que realizava – com esta desdenhosa definição: “Não é este o filho do marceneiro?” (Mt 13,55).
José teve, pelo contrário, um sucesso não marginal dos Evangelhos apócrifos, a tal ponto que até existe uma História de José, o marceneiro” (deveras fantasiosa), escrita em grego no Egito, durante os primeiros séculos, que chegou até nós apenas na versão árabe e copta, publicada em 1722 pelo sueco G. Wallin. De fato, este Evangelho popular não canônico coloca nos lábios de José agonizante (cena que entrou na história da arte) esta intensa invocação ao Filho que o assiste com a Mãe em lágrimas: “Ó Jesus nazareno, ó Jesus meu consolador, Jesus libertador da minha alma, Jesus meu protetor, Jesus nome suavíssimo na minha boca e naquela de toso aqueles que o amam!”.
Para delinear este retrato essencial do pai legal de Jesus, referimo-nos apenas aos Evangelhos canônicos. Todavia, idealmente poderíamos ter diante dos olhos a imagem do forte chefe de família José sobre a esposa Maria e sobre o pequeno Jesus em “Tondo doni” (154), de Michelangelo Buonarroti (1475-1564), na Galeria dos Ofícios, em Florença, pintura sobre tábua que representa de maneira não convencional a Sagrada família. A cena recompõe a serenidade dos dias passados em Nazaré logo após o regresso da escura provação do exílio egípcio (Mt 2,22-23), tornando aquela família um modelo de amor e de confiança.
Prof. Dr. José Pereira da Silva
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