Doutor em Teologia Pastoral comenta resultado da Assembleia Diocesana

Padre José Adalberto Vanzella, 57 anos, tem 30 anos que exerce o ministério sacerdotal. Especializado em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é mestre em teologia pastoral pela Faculdade Assunção de São Paulo e doutor na mesma área pela PUC do Rio de Janeiro. Foi Secretário Executivo da Campanha da Fraternidade e Campanha da Evangelização da CNBB por dois períodos, de 2000 a 2003 e depois, mais uma vez, de 2007 a 2010. Na Diocese de Taubaté ele redige o material de reflexão para grupos de círculos bíblicos, Campanha da Fraternidade e Novena de Natal nas casas. Além disso, é professor universitário na Faculdade Dehoniana de Taubaté.
Ele aceitou falar a O Lábaro, como o entrevistado do mês, sobre os trabalhos da elaboração do Plano Diocesano de Pastoral e sobre suas impressões na execução do processo e sobre os próximos passos a serem seguidos agora.

O Lábaro: Qual é a novidade das DGAE 2015-2019 para o Plano Diocesano de Pastoral?
Pe. Vanzella: As novas Diretrizes se diferem muito pouco das anteriores, sendo que a principal diferença encontra-se no objetivo geral, que incorporou a bula MisericordiaeVultus do Papa Francisco. Nos demais elementos, as novas Diretrizes representaram uma continuidade da anterior. Isso garante que o nosso novo Plano Diocesano de Pastoral seja uma continuidade do anterior e, ao mesmo tempo, contemple o Ano Santo da Misericórdia.

O Lábaro:Que contribuição o Documento 100 da CNBB traz para um planejamento pastoral nas paróquias?
Pe. Vanzella: Em primeiro lugar, é importante afirmar que o Documento Nº 100 é fundamentado na eclesiologia de comunhão proposto pelo Concílio Vaticano II e isso significa que todo processo de pastoral deve ser participativo, na comunhão entre clero e laicato, na gratuidade e na alteridade. Também é importante a renovação das estruturas da paróquia para que possa responder com competência aos desafios do nosso tempo. Tudo isso exige uma conversão pastoral das nossas paróquias, passando de uma pastoral de manutenção para uma pastoral decididamente missionária, uma Igreja em saída nos dizeres do Papa Francisco. Essa conversão traz em si a exigência da setorização e descentralização da paróquia, para que ela seja uma comunidade de comunidades.

O Lábaro: Considerando as propostas do Documento 100 da CNBB, qual o maior desafio para que as paróquias da Diocese de Taubaté promovam uma renovação de sua ação evangelizadora e pastoral?
Pe. Vanzella:A Diocese de Taubaté ainda é muito dependente do modelo do catolicismo mineiro, o que faz com que a sua maior marca seja o devocional e o clericalismo. A única novidade que penetrou a Diocese foi a Renovação Carismática Católica. Ambos os modelos dificultam o diálogo entre a Igreja e a Sociedade e reduzem a fé ao ambiente eclesial, de modo que não evangelizam e não respondem aos desafios do nosso tempo. Porém devemos ter clareza de que construção e desconstrução de modelos exigem no mínimo décadas de mudanças. O maior desafio que podemos colocar é tornar realidade na nossa diocese o modelo de Igreja Comunhão apresentado pelo Concílio Vaticano II. Além disso, existe outro problema muito sério que agrava essa questão: o relacionamento do nosso povo com a Igreja não é de pertença, mas de clientela. O nosso provo procura a Igreja em busca de serviços religiosos e paga por isso, muitas vezes numa clara transferência de responsabilidades e numa visão mágica de religião. Um exemplo claro disso são as pessoas que passam nos escritórios das nossas paróquias e marcam intenções de missa, mas não participam da celebração eucarística, pagando para o padre rezar. Isso no mínimo é imoral. Para superar este problema, precisamos trabalhar, e muito, a iniciação cristã.

O Lábaro: Como as paróquias poderiam, efetivamente, realizar uma renovação a partir do Documento 100 da CNBB?
Pe. Vanzella: Dentro do nosso modelo atual, a mudança começa necessariamente pelo clero. Sem a conversão pastoral do clero no atual modelo de Igreja, não existe a possibilidade de uma renovação da paróquia. Somente quando o clero conhecer com profundidade o Concílio Vaticano II e assumir suas decisões é que a renovação será possível, pois os conceitos de Igreja, de missão e de participação na Igreja serão outros e não o atual. O centro da vida eclesial deixará de ser o presbítero para ser a Eucaristia. A participação na missão da Igreja deixará de ser consequência do Sacramento da Ordem para ser o Sacramento do Batismo. A paróquia deixará de ser meramente uma instituição administrativa para ser Eucarística e missionária.

O Lábaro: Já estamos há um ano num processo de elaboração desse novo Plano Diocesano de Pastoral. Na sua opinião, qual vai ser a maior dificuldade para a realização desse plano nas paróquias?
Pe. Vanzella: A maior dificuldade para a realização de um Plano de Evangelização e Pastoral é sempre a sua recepção. Inicialmente, é preciso que o Plano chegue até as bases e não fique retido na gaveta do escritório paroquial. Para isso, o primeiro passo deve ser a formação de todos sobre o Plano, para que todos conheçam suas fontes e seus critérios. O segundo passo é a transformação do Plano em Projetos pastorais que definam ações, objetivos, responsabilidades, destinatários, recursos e processo avaliativo. As principais dificuldades que encontramos para que o Plano seja recebido e transformado em projetos são o clericalismo, a falta de conhecimento sobre Planejamento Pastoral e o modelo de Igreja que foi exposto acima.

O Lábaro: Plano de pastoral e Ano da Misericórdia, não vai acontecer um choque de programação? Não será muita coisa para se assimilada pelos nossos agentes de pastoral?
Pe. Vanzella: Em primeiro lugar, como foi dito acima, o objetivo geral das Diretrizes Gerais incorporou o Ano da Misericórdia, de modo que ele já deve estar implícito no Plano de Evangelização e Pastoral da Diocese. Outra coisa que é importante dizer é que o choque de programação não é decorrente dos elementos da ação evangelizadora, mas da incapacidade de planejar. Quanto ao fato de haver muita coisa para ser assimilada pelos nossos agentes de pastoral decorre de outro problema que é o pequeno número de agentes de pastoral e, consequentemente, o excesso de funções e tarefas a eles atribuídos. Esse problema é consequência principalmente do relacionamento de clientela do nosso povo com a Igreja e da falta de senso de pertença eclesial decorrente da iniciação cristã.

O Lábaro: Nas assembleias comunitárias, depois nas paroquiais seguidas das dos decanatos houve unanimidade em apontar a drogadização e a violência como o maior problema social enfrentado pelas nossas comunidades. As sugestões apontadas conseguiram ajudar no enfrentamento desse problema? O que fazer?
Pe. Vanzella: Um Plano de Pastoral coloca critérios para um trabalho e suas propostas nunca esgotam os caminhos para a superação de problemas. Por isso que eu sempre digo que o Plano de Evangelização e Pastoral trazem o feijão com arroz, mas cada um escolhe a mistura que melhor lhe convém. Ao ser recebido na paróquia e nas pastorais e transformado em projetos, o Plano de Pastoral precisa ser recriado e encarnado na realidade para que possa enfrentar os problemas que devem ser superados, no caso a violência e o universo das drogas, caso contrário, teremos apenas ações formais que não incidem na realidade e são incapazes de transformá-la.

O Lábaro: Outra questão social e também eclesial que apareceu nessas assembléias é a família. O Plano Diocesano deveria contemplar mais a Pastoral Familiar e os movimentos que promovem os valores familiares?
Pe. Vanzella: A Pastoral Familiar deve sempre ser um elemento transversal de toda ação pastoral e evangelizadora. Isso exige que seja feito um trabalho de pastoral orgânica em relação à Pastoral Familiar, ou seja, cada pastoral, ao seu modo, sem deixar de lado seus objetivos específicos, devem participar da missão da Pastoral Familiar, mas eu vejo sérias dificuldades para que isso aconteça e que não podem ser superadas por um Plano de Evangelização e Pastoral. Em primeiro lugar, é preciso trabalhar o matrimônio como vocação e isso exige uma preparação remota, uma preparação próxima e uma preparação imediata para o matrimônio, e estas etapas de preparação não podem ser eventuais, como cursos, mas processuais, e a Igreja sequer considera esta questão. Em segundo lugar, a própria celebração do Matrimônio nada tem de significativamente sacramental, uma vez que foi totalmente deturpada por elementos sociais e interesses econômicos de empresas, com conivência da Igreja. Em terceiro lugar, os verdadeiros problemas da família não são sequer considerados, muito menos enfrentados, e grande parte das questões apresentadas pela Pastoral Familiar não são significativas para o mundo de hoje, que é ignorado, reduzindo a Pastoral Familiar ao ambiente eclesial.

O Lábaro: O que senhor tem a dizer sobre o método empregado nesse processo de elaboração do novo Plano Diocesano? E sobre a XVIII Assembleia de Pastoral?
Pe. Vanzella: Considerando a eclesiologia apresentada pelo Concílio Vaticano II, que o processo participativo procurou dar condições para que os batizados pudessem exercer sua missão evangelizadora e que foi criada uma metodologia fundamentada numa pedagogia que procurou não só promover a participação dos agentes, mas também a sua formação, o processo foi altamente positivo. Quanto ao dia da assembleia, recordemos que no projeto inicial haviam outros objetivos a serem atingidos e que foram desconsiderados ao reduzir a assembleia a um dia, o que para mim pessoalmente não foi só um erro, mas também um desrespeito muito grande em relação ao que foi decidido na assembleia do ano passado.

O Lábaro: A dinâmica empregada na Assembleia Diocesana foi boa? Como o senhor percebeu o desenvolvimento dela, como os temas foram propostos? O senhor acredita que os participantes dela, padres, diáconos e agentes leigos e leigas, realmente compreenderam o seu significado? Estão pronto para executar o Plano em suas paróquias?
Pe. Vanzella: A resposta a esta pergunta não pode estar desvinculada da anterior. Ao meu ver, objetivos não foram considerados e a consequência disso são lacunas que comprometem seriamente a compreensão da própria assembleia e diminuem as condições necessárias para o bom andamento dos trabalhos nos próximos anos.

O Lábaro: Pequenas comunidades é o caminho para uma conversão da paróquia, como aponta o Documento 100 da CNBB. Nossos agentes estão entendendo isso? Como tornar realidade essa proposta?
Pe. Vanzella: Voltamos à questão dos modelos eclesiais. Na verdade, nem boa parte do clero nem os agentes de pastoral têm acesso à eclesiologia norteadora das pequenas comunidades e suas relações com a Paróquia. Tornar realidade essa proposta significa trabalhar no sentido de assumir o Concílio Vaticano II.

O Lábaro: Começamos a elaborar o Plano Diocesano 2015 – 2019 sob o pastoreio de Dom Carmo João Rhoden. Estamos concluindo o processo com essa Assembleia Diocesana com a direção de um novo bispo diocesano, Dom Wilson. O que isso muda no processo, que influencias isso traz tanto para a elaboração como para a execução desse plano?
Pe. Vanzella: Trouxe consequências sim, como eu disse acima, o processo foi comprometido e teremos que assumir as consequências disso. A título de exemplo, o processo aprovado na Assembleia de 2014 dava às assembleias por Decanato a competência de elaborar o diagnóstico pastoral e propor o objetivo geral da ação pastoral da diocese. Numa reunião do Conselho Diocesano de Pastoral, Dom Wilson deixou claro que o objetivo da diocese deveria ser o mesmo da CNBB por uma questão de comunhão. Ao meu ver, esse fato fez com que as assembleias por Decanato perdessem o seu papel fundamental e que o objetivo geral ficasse reduzido a enunciado, sem possibilitar que, sem perder a comunhão com a CNBB, pudéssemos recriar de forma inculturada e pertinente, este objetivo na diocese. Além disso, a Assembleia de 2014 definiu que seriam eleitas e empossadas as novas coordenações de pastoral da Diocese, assim como o novo Conselho Diocesano de Pastoral, e que Planos fossem elaborados, e essas coisas não aconteceram.

O Lábaro: Quais deveriam ser as linhas mestras de ação do Plano Diocesano de Pastoral?
Pe. Vanzella: Plano de Pastoral não são receitas de bolo, com estruturas definidas. O que é importante é seguir os passos do Planejamento Participativo e que as linhas mestras sejam criadas a partir dele, considerando a realidade, a Palavra de Deus e o Magistério da Igreja, seja universal, continental ou nacional.

Fonte: O Lábaro – dezembro/2015

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