Dom Carmo João Rhoden, um ministério episcopal pleno de realizações

Um balanço dos 18 anos no governo episcopal da Diocese de Taubaté

Por Henrique Faria

Quando, em 1996, mais precisamente na tarde do dia 17 de agosto, o povo se acotovelava na quadra de esportes da Associação Clube Jovem para receber o novo bispo de Taubaté, a pergunta mais comum entre a mídia da cidade era: “progressista ou conservador?”; e entre o povo, “será que ele consegue substituir dom Antônio?”.

Passaram-se dezenove anos. O padre Carmo não havia sido indicado por dom Antônio para a sua sucessão. Eram bem outros dois e de um deles me arrisco a ventilar o nome porque já se foi para a eternidade tendo declinado da honraria: Padre Hugo Bertonazzi.

O povo estava ali, diante de um gaúcho alemão, meio matuto, meio nobre, dono de um humor monocórdio sem alterações na expressão do seu rosto, falando arrastado com ênfase nas últimas sílabas de uma frase que, às vezes se perdia em divagações, sempre na busca de uma linguagem que o aproximasse da média cultural daquela gente.

Poucos sabiam que estavam diante de um filósofo inquieto e teólogo acadêmico sem nuances de progressismo ou conservadorismo. Dono de uma cultura bíblica invejável – cita com naturalidade capítulos e versículos mesmo das menos conhecidas passagens – aquele novo bispo estava ali, diante de uma diocese tradicional e exigente, uma Igreja particular que, mesmo nas suas mais modestas expressões, prima pela ortodoxia e pela obediência às tradições e ensinamentos da Igreja de Roma.

O tempo foi mostrando que nenhuma das duas perguntas teria importância nos dezenove anos que ele administrou a diocese de Taubaté. Não foi nem progressista nem conservador e a preocupação do povo ao se perguntar se ele conseguiria substituir com a mesma dignidade e sabedoria seu antecessor foi aos poucos sendo respondida por uma amizade tão bonita entre ele e dom Antônio Afonso que, pareciam irmãos, desses que se dividem entre “mais velhos” e “mais novos”, já que vinte anos os separam na idade.

Quem conhece a “residência” de perto, onde os dois formavam sua pequena comunidade, sabe do carinho com que dom Carmo tratava seu antecessor e da discrição com que dom Antônio circulava por entre os meandros da nova administração diocesana, não se imiscuindo em questões pertinentes ao novo titular, funcionando apenas como um conselheiro e um “irmão mais velho” quando era procurado.

O avivamento pastoral e o protagonismo dos leigos

O episcopado de dom Carmo foi marcado por uma servil obediência às normas da Santa Sé e às orientações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Primou pela lealdade aos ensinamentos do Papa e, principalmente, no “varejo” como se poderia dizer, aos grandes documentos latino-americanos e da Igreja brasileira. Foi nesse tom que promoveu quase duas dezenas de assembleias diocesanas de evangelização, em planos bienais ou anuais que ditaram o ritmo da sua atuação pastoral.

Assim, nesse aspecto, a diocese de Taubaté, que vinha já de um sopro pastoral iniciado por dom Couto e revigorado por dom Antônio Affonso, teve seu grande momento de avivamento pastoral que a inseriu no mapa católico do Brasil como uma diocese-referência.

A reboque desse “boom” pastoral experimentado nos últimos vinte anos, deu-se o fenômeno caracteristicamente latino-americano, preconizado em vários documentos das últimas Conferências Episcopais da América Latina: o protagonismo dos leigos.

Dom Carmo conduziu essa questão com certa “intolerância”: é assim ou assim. O leigo é Igreja! A expressão “discípulos e missionários” cunhada pela Conferência de Aparecida veio arrematar nos seus últimos anos de episcopado a linha que pautou todo o seu ministério episcopal, desenvolvido em uma única diocese, a que o viu sagrar-se e retirar-se para um merecido descanso.

A par desse matiz mais “aggiornata”, considerando-se como progressiva a abertura para uma maior e mais efetiva participação do leigo na vida da Igreja, a Diocese de Taubaté experimentou também um reavivamento eucarístico, com o resgate e a sedimentação da devoção ao Santíssimo Sacramento, representada nas concorridas celebrações das quintas feiras, em todas as paróquias. Dom Carmo trabalhou como um moderador entre as correntes mais progressivas da diocese, representadas pelas diversas pastorais, especialmente as sociais, e as mais conservadoras, como a Renovação Carismática Católica (RCC) que recolocou a Diocese de Taubaté no seu lugar de “diocese eucarística” como sempre foi reconhecida.

O governo civil da diocese

A administração cível da Mitra Diocesana – figura jurídica que representa uma diocese na realidade civil – tem marcos importantes nesses dezenove anos. Cercado por uma equipe competente, um departamento jurídico atuante, de finanças correto e exigente, dom Carmo tem como um dos grandes méritos do seu governo a legalização e regularização dos imóveis pertencentes à Mitra, alguns em risco de vulnerabilidade possessória, conseguindo, a duras penas, através de inúmeras ações de usucapião, assegurar a propriedade de todos eles. Para se ter uma ideia, o Santuário de Santa Teresinha era um imóvel que, legalmente, não pertencia á Igreja, por insuficiência e irregularidades de documentação, e foi necessário muita “ginástica” do seu departamento jurídico para convencer o poder público – aí inclua-se o Judiciário – para configurar o domínio da Mitra sobre aquele templo.
Mas nem só de usucapiões transitou o governo de dom Carmo, no que toca à economia e finanças. A compra da rádio Cultura AM, do pensionato Santa Teresinha, que adaptou para a as modernas instalações da Cúria e da Mitra diocesanas ficaram marcadas, também, como duas das suas grandes realizações.

Tempos de grandes eventos e comunicação social

O episcopado de dom Carmo transcorreu sob o signo de dois grandes eventos: a passagem do milênio e o centenário de fundação da diocese, no ano de 2008. Outros grandes eventos, como a passagem das relíquias de Santa Teresinha – com quem a diocese tem grande afinidade, desde os tempos de dom Epaminondas, já que o nosso santuário a ela dedicado foi o primeiro a ser construído no mundo – vindas da França em um périplo pelo Brasil, o Congresso Eucarístico Diocesano, permearam os quase vinte anos do governo de dom Carmo com a pompa que exigiam e com uma maciça participação popular.

Nas comunicações sociais, além da compra e instalação de uma emissora católica de rádio, sua passagem pela Diocese de Taubaté destacou-se também pelo resgate do jornal O Lábaro, desativado por oito anos – entre 1988 e 1996 – , já quase entrando no seu 116º aniversário. Além disso, criou o site diocesano que mantém a atualidade das notícias diocesanas, das atividades pastorais e dos expedientes paroquiais.
Criou, em 1999, a Fundação Dom José Antônio do Couto, concessionária da Rádio Cultura e braço diocesano nas obras sociais e reinstalou o Museu de Arte Sacra, ao qual deu o nome de Dom Epaminondas, em novas e modernas instalações, em 2011.

Investimento em vocações, a sua maior realização

No entanto, dom Carmo deixa a administração diocesana consagrado pela sua maior realização: o fomento às vocações sacerdotais e, dentro da sua filosofia de valorização do leigo, a ordenação de 43 diáconos permanentes, colocando a Diocese de Taubaté entre as mais bem servidas nesse setor. Ordenou 47 padres e aumentou significativamente o clero diocesano, com o qual sempre manteve uma postura de pai, compreensivo, generoso, misericordioso, compassivo e até com alguns “defeitinhos” que os filhos costumam, às vezes injustamente, imputar aos pais.

Separou os seminaristas por idade e nível de escolaridade, criando o Convívio Propedêutico São José, em 2006, que inicia os jovens aspirantes ao sacerdócio; transferindo o curso de filosofia para a residência do Alto do Cristo, em 2012; e revitalizou a antiga casa do Menor, na Vila São José, para onde levou os estudantes de teologia, dando ao novo seminário o nome de Seminário Teológico Cura d’Ars, em 2001.
Criou 20 novas paróquias e, por ocasião do centenário da diocese, reconfigurou o Cabido Diocesano, conferindo títulos de cônegos e monsenhores, o que há muitos anos não acontecia.

O Êxodo de um Bispo Diocesano

Preparando-se para deixar o governo da Diocese de Taubaté, tornando-se um bispo emérito, Dom Carmo João Rhoden, scj, escreveu um pequeno livro contando um pouco de sua vida, de sua vocação e de seu ministério episcopal, vivido por 18 anos e pouco mais que 7 meses.

Publicado pela Editora Missão Sede Santos, “O Êxodo de um Bispo Diocesano” é um opúsculo. Nas palavras do próprio autor, não se trata de sua biografia, nem de um tratado temático. “É um conjunto de considerações teológico-pastorais, além de agradecimentos”, escreveu Dom Carmo, na contra-capa do livreto.

Nas páginas do opúsculo, Dom Carmo tece considerações sobre a diocese que dirigiu e o seu clero. Num capítulo, o sétimo, ele fala de seu lema episcopal, Sentire cum Christo et Ecclesia (Sentir com Cristo e a Igreja). Ele aborda ainda temas como a Mística Cristã e a Virgem Maria e dá pistas de sua visão de Igreja.

O subtítulo do livreto é bastante eloqüente, “considerações tológico-pastorais de um bispo emérito a seus ex-diocesanos”. Ele assinala tanto a intenção como o público alvo preferencial da pequena obra. Nele, antes de se tornara emérito, Dom Carmo expõe seu último pensamento e suas considerações finais para o rebanho que conduziu por quase dezenove anos.

Fonte: Jornal O Lábaro – edição setembro/2015

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