A PESSOA HUMANA E SEUS DIREITOS

“Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou” (Gn.1,27).

A dignidade e o reconhecimento dos direitos humanos estão fundamentados na concepção que temos do ser humano. Inspirada pela Revelação de Deus, expressa na Sagrada Escritura, a Igreja vê no ser humano a imagem de Deus. O ser humano recebeu uma incomparável dignidade ao ser criado à imagem e semelhança de Deus. Homem e mulher Deus os criou. Portanto, ambos, em sua diversidade e complementaridade têm a mesma dignidade. Além disso, por sua encarnação, ao assumir a humanidade, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo ser humano. Assim sendo, somos convidados a reconhecer em toda e qualquer pessoa, próxima ou distante, conhecido ou desconhecido, e sobretudo no pobre e em quem sofre, um irmão “pelo qual Cristo morreu” (cf. Rm.14,15). Essa relação de todo ser humano com Deus pode vir esquecida ou intencionalmente negada, mas nunca eliminada.

O relato bíblico da criação apresenta o senhorio do ser humano sobre toda criação. Esse domínio do homem sobre as criaturas, simbolicamente, se expressa ao dar-lhes nome (cf. Gn.2,19-20). Tal domínio não é egoístico ou despótico, mas de quem é responsável em cuidar, de quem é guardião da criação, de tudo aquilo que “Deus viu que era bom” (Gn.1,10). O ser humano é guardião da criação como um todo e da vida do seu semelhante. “Ao homem pedirei conta da vida do irmão” (Gn.8,5). A harmonia da criação foi alterada pelo pecado. Pelo pecado o ser humano altera aquilo que, na ordem da criação, Deus considerou bom. O pecado é sempre pessoal, mas altera a relação da pessoa com Deus, consigo mesma, com o outro e com o mundo onde se situa. Na raiz dos problemas que afligem a convivência humana está o pecado de cada um de nós e suas consequências sociais, pois o pecado de cada um repercute sobre os outros. Para nós cristãos, a consciência da universalidade do pecado (cf. 1Jo.1,8) vem sempre unida à universalidade da salvação realizada por Cristo (cf. Rm.5,17) que tem como meta a plena e realizadora comunhão com Deus, na eternidade (ICor.2,9).

Numa sociedade justa, tudo deve ser orientado para o bem e a realização plena da pessoa, não só no aspecto terreno, mas também em sua dimensão transcendente. A pessoa não pode ser instrumentalizada em função de projetos econômicos, sociais e políticos mesmo em nome de um progresso da sociedade no presente ou no futuro. É necessário vigiar sempre para que nada prejudique a pessoa e para que seus direitos e sua liberdade sejam sempre respeitados. A liberdade é um atributo que o ser humano tem como imagem de Deus. Na possibilidade de agir de acordo com uma opção consciente e livre se manifesta sua dignidade. Ele pode escolher e conduzir seu destino: diante dele estão a vida e a morte, o bem e o mal, ele pode escolher o que preferir (cf. Eclo. 15,17). A liberdade humana é ampla, mas não é ilimitada. A Bíblia ilustra isso ao dizer que o ser humano pode comer de todas as árvores do jardim, menos da árvore do conhecimento do bem e do mal (cf. Gn.2,16-17). O homem é chamado a aceitar a lei moral que Deus lhe dá. Ele exercerá sua liberdade e será feliz dentro dessa aceitação, pois tudo o que Deus nos pede é para nossa felicidade e para nosso bem. Nossa consciência sempre nos indica essa lei natural, inspirando-nos o que devemos fazer e o que devemos evitar.

A igualdade entre as pessoas consiste no fato de que todas têm a mesma dignidade: “Deus não faz acepção de pessoas” (At. 10,34). Esse é o fundamento da igualdade e fraternidade entre os homens, independentemente da sua raça, nação, sexo, origem, cultura, classe, saúde ou deficiência. Os direitos humanos se fundamentam na dignidade do ser humano e em Deus seu criador. O magistério da Igreja reconheceu como de grande valor a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela ONU, em 1948. São João XIII disse que tais direitos são “universais, invioláveis e inalienáveis” (Pacem in Terris, n.144). São João Paulo II disse que essa declaração é “uma pedra miliária (um marco referencial) no caminho do progresso moral da humanidade” (Discurso na Onu, em outubro de 1979). Intimamente relacionado ao tema dos direitos humanos são os deveres humanos, pois no relacionamento humano, ao direito natural de uma pessoa corresponde o dever de reconhecimento e respeito por parte dos demais (cf. S. João XIII, Pacem in Terris, n.30). Na encíclica Centesimus Annus (n. 47), São João Paulo II sintetizou os ensinamentos sobre os direitos humanos de João XIII, do Concílio Vaticano II e de Paulo VI, com o seguinte texto: “O direito à vida, do qual é parte integrante o direito a crescer à sombra do coração da mãe depois de ser gerado; o direito a viver em uma família unida e num ambiente moral favorável ao desenvolvimento da própria personalidade; o direito a maturar sua inteligência e liberdade na procura e no conhecimento da verdade; o direito a participar no trabalho para valorizar os bens da terra e a obter dele o sustento próprio e  dos seus familiares; o direito a fundar livremente uma família e a acolher e educar os filhos, exercitando responsavelmente a sua sexualidade. Fonte e síntese destes direitos é, em certo sentido, a liberdade religiosa, entendida como direito a viver na verdade da própria fé e em conformidade com a dignidade transcendente da pessoa”. É importante frisar que a todo direito corresponde um dever; e que o direito dos povos são os direitos humanos ampliados ao coletivo.

Dom Wilson Angotti
Bispo Diocesano de Taubaté

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