Por: Padre Jaime Lemes, msj – Jornal O Lábaro
Era por volta de dez horas da manhã quando resolvi ligar para o seu celular, com certo receio de não ser atendido, pois a identificação do meu celular apareceria no dele como desconhecido. Atendeu-me prontamente com aquela voz inconfundível, desejando-me bom dia e curioso para saber de quem era a voz que falava do outro lado. Identifiquei-me e falei do motivo de minha ligação, ao que ele manifestou toda a boa vontade em colaborar. Assim é José Fernandes de Oliveira ou, como é mais conhecido, Padre Zezinho, simples, acessível e espontâneo. Mineiro da cidade de Machado, sacerdote da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, dedicou a maior parte de sua vida à evangelização através da música. Neste ano, ele celebra 50 anos nesse ministério, com o qual transmitiu a fé e inspirou muitas gerações.
O LÁBARO – Quem é o Pe. Zezinho?
Pe. Zezinho – É um cidadão chamado José Fernandes que veio de um família de Minas, que cresceu em Taubaté e foi formado na catequese pelos Padres Dehonianos. Minha história se passa em torno de uma família que migrou para um lugar mais difícil… Depois a vida melhorou. Isso me ajudou a compreender também o meu país. Fui formado na escola do sofrimento. E isso foi bom para mim.
O LÁBARO – Como surgiu a vocação ao sacerdócio?
Pe. Zezinho – Eu era um menino que frequentava a paróquia e, como coroinha, ajudava em duas missas por dia. Evidentemente isso me preparou, junto com minha mãe que vinha sempre orar comigo, a ter gosto pelas coisas do altar e da Igreja. Com o tempo entendi que eu podia viver isso, porque eu admirava os seminaristas que se formavam aqui e os padres que cuidavam dos pobres, entre os quais, a minha própria família. De vez em quando o Pe. Theodoro vinha com alguma ajuda, porque meu pai não podia ajudar em tudo. Isso também me deu uma noção muito clara de que padre é para ajudar os outros.
O LÁBARO – E a música, como entrou na sua vida?
Pe. Zezinho – Eu sempre tive facilidade com a música. Até porque o bairro onde eu vivia era muito frequentado por mineiros. Então havia sempre a viola e as histórias de família. Depois eu fui para Santa Catarina, onde também as famílias italianas e alemãs gostavam muito de cantar. Mais tarde, quando fui estudar nos Estados Unidos, tive contato com outras culturas: grega, espanhola, italiana. Eles também cantavam. Isso me deu gosto pela música. Lá nos Estados Unidos também conheci os blues, e isto me fez interessar por essa música. Mais tarde, na Itália, também pude ver outras culturas, e isso quase que entrou no meu sangue. Então, quando comecei a compor, eu tinha uma visão bastante aberta da música do mundo. Foi mais fácil para mim criar melodias que pudessem servir ao mundo inteiro. E foi esse o caminho que segui.
O LÁBARO – Neste ano o senhor está comemorando 50 anos de evangelização através da música. Que significado isso tem para o senhor?
Pe. Zezinho – Bom… em primeiro lugar, catequese significa repercutir. Eu fui formado para repercutir a catequese da igreja, falando e cantando. Quem não tem dom para cantar, tem o dom para falar. Eu tive o dom de cantar, de falar e até de representar. Comecei a trabalhar formando jovens para a palavra, para a canção e para o teatro. Achei que essa era uma forma de incluir o jovem na Igreja. Por isso, a formação que eu recebi me ajudou depois a formar outros jovens que fossem capazes de criar formas de comunicação. Não só que repetissem, mas que criassem. Tudo isso vem do conceito de que catequese é repercutir: o que eu recebi, passo adiante. Eu tive a oportunidade de receber do mundo inteiro, agora é minha missão passar adiante. Então eu continuo vivendo de repercutir. Passo adiante o que recebi.
O LÁBARO – No perfil de sua página na Internet, diz que o senhor é sacerdote, professor, escritor, entre outras atividades que exerce, mas não é identificado como cantor. Foi um descuido ou uma opção?
Pe. Zezinho – Opção. Não quero ser conhecido como cantor. Isso é secundário para mim. Eu quero ser conhecido como padre, evangelizador e catequista. Então a música é secundária. Ela é o chantili do bolo, mas o bolo continua gostoso mesmo sem chantili. Para mim, a música não pode nunca ser a primeira coisa. Não na vida de um padre.
O LÁBARO – O senhor tem em torno de 1.700 canções compostas, mais de 120 álbuns registrados, milhões de discos vendidos no mundo, mais de 80 livros, colaboração em vários jornais e revistas e diversos programas de rádio e TV. Já parou para se dar conta de tudo isso? Num olhar retrospectivo, qual é o sentimento que fica?
Pe. Zezinho – Eu já parei para pensar em tudo isso. Foi graça de Deus eu poder chegar a tanta gente. E também misericórdia de Deus por eu poder fazer tudo isso sem me preocupar demais com as consequências do que eu falava. Porém, eu nunca medi minha fama e também nunca pensei em números. Eu estava servindo a quem pedia. Mais tarde quando quiseram fazer um apanhado geral do que eu já fiz, eu disse: “Estou fora!”. Não vou fazer nenhuma avaliação do que eu já fiz e de quantas pessoas alcancei. Basta saber que consegui ajudar muita gente. Os números não são importantes para mim.
O LÁBARO – O senhor tem alguma canção preferida?
Pe. Zezinho – Não. Não tenho nenhuma. O povo gosta e eu canto. Eu sirvo ao povo. Gosto de muitas músicas, mas deixo o povo decidir o que ele quer cantar e repercutir. Eu entendo que estou servindo e se pedirem que eu cante alguma canção que eu nem goste, eu vou fazer. Porque o importante é o que o povo precisa e não o que eu quero passar. O microfone não é meu, é da Igreja. Estou a serviço da Igreja.
O LÁBARO – Durante muitos anos (30, para ser exato) o senhor se dedicou ao ensino de Prática e Crítica da Comunicação. O que mudou e como o senhor vê a comunicação da Igreja hoje?
Pe. Zezinho – O que eu ensinava naquele tempo eu ensino até hoje, porque eu aprendi isso também dos meus professores nos Estados Unidos e das minhas leituras. O comunicador não deve passar mensagens que sejam só dele, e o grande perigo nos dias de hoje é que o mensageiro está ficando maior do que a mensagem. Isso não é bom, nem para o evangelho nem para uma vida comunitária. Nós somos chamados a mostrar a grande mensagem, maior do que nós. Toda vez que alguém se torna famoso demais e encantado demais com as luzes do palco ou da televisão, ele corre o risco de ser maior do que a mensagem que ele passa. Isso é ruim para ele, para a comunidade e, sobretudo, para a Igreja. No mundo de hoje, valoriza-se demais a fama e pouca gente se lembra que ninguém chega lá se não foi ajudado, antes e depois. Nós somos consequência de toda uma comunidade. Então não podemos pairar por sobre uma comunidade. Ninguém deve procurar o primeiro lugar. Jesus ensinou isso. Então quando alguém gosta muito de ser número um é porque ele não entendeu Jesus Cristo.
O LÁBARO – Hoje, muitos padres, religiosos e leigos estão na mídia, cantando e pregando. Como o senhor, que foi precursor desse novo jeito de evangelizar, analisa esse fenômeno?
Pe. Zezinho – Acho que está ligado à formação moral e à psiquê de cada pessoa. Se eu aceito ser orientado, eu vou sempre servir, nunca vou querer estar acima dos outros, mas sou aquele que está no meio dos outros, entre os outros, para os outros. Tanto que nós rezamos na missa “por Cristo, com Cristo e em Cristo”. Então, pelo povo, com o povo e no meio do povo. Para que isso aconteça, eu tenho de ser bem formado. Um padre ou leigo bem formado é aquele que não se coloca acima da comunidade, ele sabe perder, ele sabe ser segundo e ele sabe que em algumas coisas ele é realmente limitado. Quando eu olho, hoje, outros comunicadores, eu louvo a Deus por aqueles que comunicam bem e com seriedade. Quando vejo outros comunicadores superficiais que brincam com a comunicação, eu me preocupo por eles, porque isso vai prejudicar a Igreja.
O LÁBARO – Muitos dizem que a Igreja está vivendo uma nova primavera com o Papa Francisco. Como o senhor está vendo o pontificado dele e o que o senhor espera para o futuro da Igreja?
Pe. Zezinho – Que há uma boa noção de Igreja comunitária e de Igreja totalmente comprometida, é verdade. Mas isso já vem desde São João XXIII e, depois, também com João Paulo III. Porque eles sempre apontaram nessa direção. Bento XVI também deixou muito claro sobre a necessidade de a gente viver em função da Igreja do outro. A diferença é que o Papa Francisco tem uma maneira muito mais simples de se misturar com o povo, e isto encanta, porque além disso, ele mostra que quer ser pobre e quer ser uma pessoa total mente despojada. Por isso que ele adotou o nome de Francisco. Neste sentido, ele trouxe uma nova visão de Igreja que a gente chama de Primavera, porque tudo está brotando de novo em muitas comunidades. A grande pergunta é se queremos mudar com ele, porque uma coisa é o papa que mudou, outra, é o fiel que quer ou não quer mudar… e muitos padres não vão querer mudar e muitos vão. Eu vou começar a acreditar nas pessoas quando eu sentir que não estão mais em casas muito chiques, quando estiverem morando num quarto simples e quando escolherem um carro simples, como o papa fez. Aí sim, é uma primavera para toda a Igreja. O papa provoca, resta saber se a Igreja quer fazer isso. Falar bonito do papa é fácil, imitá-lo é que é difícil, como a Jesus.
O LÁBARO – Em setembro de 2012 o senhor sofreu um AVC. Como foi passar por essa experiência e o que mudou na sua vida depois disso?
Pe. Zezinho – Eu acho que estava preparado para isso. Tive um pai paralítico e uma mãe paralítica. Então eu sabia do sofrimento. Não pensei que pudesse acontecer comigo. Mas quando aconteceu, eu me lembrei do meu pai e da minha mãe e de muitas pessoas que eu acompanhei em hospitais, e jovens que eu acompanhei durante muito tempo. Aí eu disse a mim mesmo : “agora é a minha vez”. Como eu fui muito bem cuidado pelos médicos, pelas irmãs, pela minha congregação, pude recuperar muita coisa. Tive de deixar algumas atividades, mas fiquei mais focado em outras, onde eu pude servir melhor. Continuei escrevendo, compondo e criando. Só não posso mais viajar tanto como antigamente e também não posso subir num palco e dar um show, porque isso é tão cansativo que os médicos não me aconselham. O resto eu posso fazer. Se eu estava a 120 (km/h), agora estou a 80 (km) por hora. Mas continuo caminhando.
O LÁBARO – Depois dessa longa trajetória, ficou ainda alguma coisa para trás que gostaria de ter feito? Há projetos a serem realizados?
Pe. Zezinho – Eu sempre quis servir à Igreja, e onde eu pude servir fiquei feliz, onde eu não pude, tentei examinar o que aconteceu que eu não pude servir tão bem. Mas desde menino eu queria ser o que eu achava que Deus queria de mim, a Igreja queria de mim e a congregação queria de mim. Então eu estou feliz pelo bem que pude fazer. Vou continuar buscando o melhor para os outros. Isso para mim é mística. Eu gostaria de sempre ser uma pessoa sólida, com conteúdo sólido e sempre disposto a servir e a colocar em comum as riquezas que Deus me deu para ajudar o meu povo a pensar como Jesus pensou, a viver como Jesus viveu e a amar como Jesus amou. Este é o meu projeto de vida. E que Deus me ajude a consegui-lo.