Nas Casas e no Templo

Há algum tempo, por aplicativo de mensagens, recebi um “card” com uma piadinha em que o demônio dizia a Deus: Viu que com essa pandemia eu consegui fechar todas as igrejas? E Deus respondia: Sim, eu vi. E você, viu que eu abri uma igreja em cada casa?

Tal brincadeira decorre e remete à realidade que estamos vivendo neste período tão atípico em que nossas igrejas estão fechadas e os fiéis acompanham de casa as celebrações que são transmitidas via internet ou por outros meios. Essa situação dos cristãos que têm rezado e “celebrado” em suas casas nos faz recordar a origem do cristianismo. Somente a partir do quarto século, com o chamado edito de Milão, publicado pelo imperador Constantino, que os cristãos ganharam relativa liberdade e começaram a se reunir em templos, originalmente destinados aos cultos pagãos. Até esse período, os cristãos se reuniam nas casas e nesse ambiente e circunstância que foi gestada a força do cristianismo que enfrentou e transformou o Império romano, que dominava grande parte do mundo conhecido.

Atualmente, devido a escolhas pastorais, mas, sobretudo, por força das circunstâncias dadas pelo período da quarentena, é significativo o número de famílias cujos membros se reúnem para práticas religiosas. Juntos eles acompanham as transmissões das celebrações, colocam-se em oração, passam instruções aos filhos que não têm como participar da catequese paroquial, temporariamente suspensa, além de verem intensificada a convivência familiar. Tudo isso tem favorecido uma experiência de igreja doméstica. Oxalá, superada a pandemia e a quarentena, isso perdure e seja intensificado quer pela consciência e determinação das famílias cristãs como também pelo empenho pastoral de nossos ministros ordenados.

Essa experiência do encontro religioso da família pode ser muito promissora tornando mais intensa a vivência e a transmissão da fé, que devem ocorrer no seio da família cristã. Quantos de nós tivemos a vida cristã marcada ou até determinada pela oração da família que rezava o terço, que fazia peregrinações, novenas e que se preparava conjuntamente para o Natal ou a Páscoa. Quantos filhos recordam e seguem o exemplo de seus pais na oração, na leitura bíblica, na assídua participação eclesial. Conheci famílias cujos membros se levantavam, diariamente, mais cedo do que precisavam para que, juntos, pudessem rezar antes de sair para o trabalho e a escola. Lembro daquelas que, sobretudo aos domingos, rezavam as Laudes (o louvor da manhã do livro oficial de orações da Igreja, chamado Liturgia das Horas) e outras cujos membros se instruíam mutuamente com a leitura, a partilha e a oração da Palavra de Deus. O mesmo posso dizer de famílias, infelizmente essas em menor número, que transmitiam os ensinamentos da doutrina cristã pela leitura e explicação do Catecismo da Igreja Católica. Esses exemplos são concretos de famílias que conheci ao longo da vida e do ministério. Se os tempos de quarentena levaram a retomar ou intensificar práticas como essas, Deus queira que elas sejam de tal modo assimiladas no quotidiano da vida a fim de que continuem quando esse período passar. São práticas significativas e conquistas importantes que, certamente, moldarão o caráter cristão de novas gerações e estas poderão influenciar e transformar o império secular que se instalou em nossa sociedade hodierna.

Da mesma maneira como a família não vive circunscrita a si mesma, assim também a prática religiosa não se limita ao ambiente familiar, pois a família é parte de uma comunidade de fé mais ampla e, em cada âmbito, o familiar e o comunitário, temos práticas específicas e complementares. Na comunidade paroquial a instrução é enriquecida pelo caráter sistemático e integral dos ensinamentos cristãos comunicados, pedagogicamente, através dos anos de catequese. O aspecto familiar se amplia e se completa com a dimensão comunitária. Esta, por sua vez, prepara e expande os horizontes das pessoas para que cada cristão seja sal e luz em meio ao mundo, iluminando e dando novo sabor aos relacionamentos que estabelece e à profissão que exerce. Por fim, será na comunidade que serão celebrados os sacramentos; estes alimentam a fé e reforçam a comunhão com Deus e com os irmãos. Podemos, pois, concluir que, na família e na comunidade, o cristão é gestado. Para não comprometer tal formação não pode faltar nem o que é próprio do âmbito familiar nem o que é próprio do comunitário.

Dom Wilson Angotti

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