Diácono Cipriano e o seu testemunho sobre a missão na Amazônia

Por Pe. Jaime Lemes, msj

Ordenado diácono, no dia 23 de agosto deste ano, Cipriano Alexandre de Oliveira, desde 2006, quando ingressou no Seminário da Diocese de Taubaté, trilha o itinerário para o sacerdócio. Durante o tempo de formação, por três vezes foi em missão para a Amazônia. Neste mês, dedicado às missões, ele partilha conosco um pouco de sua experiência missionária.

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Diácono Cipriano

O Lábaro: Como surgiu a sua vocação ao sacerdócio e como foi tomar a decisão de fazer esse caminho?
Diác. Cipriano: Sempre admirei a vida sacerdotal. Desde pequeno, quando participava das missas com minha família, ficava imaginando como seria a vida de um padre, o cuidado para com o povo. Na minha adolescência, pensei em procurar o seminário, mas, depois de muito pensar, cheguei à conclusão de que eu apenas admirava, que não tinha vocação para a vida sacerdotal. Comecei a trabalhar aos 15 anos num mercadinho perto de casa e praticamente deixei de lado essa possibilidade. Trabalhei até aos meus 21 anos, quando ingressei na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Nesse período, eu namorava, saía com os amigos, ou seja, vivia uma vida normal, assim como qualquer jovem de minha idade. Contudo, no ano de 2004, após terminar meu namoro, pensei na possibilidade de procurar novamente o seminário, ao menos para conhecer. Como a PM havia me transferido da cidade Santo Antônio do Pinhal para Campos do Jordão, procurei fazer uma orientação espiritual, com o então pároco da época, padre Valderi Tavares, da paróquia Santa Teresinha do Menino Jesus. Depois de muito conversar, ele me indicou a sua própria congregação (Joseleitos de Cristo) e a nossa diocese. No ano de 2005, comecei a frequentar os encontros no nosso seminário diocesano Santo Antônio. No meio desse mesmo ano, consciente de que gostaria de ingressar, pedi dispensa da PM, e no ano de 2006, iniciei o meu primeiro ano no Convívio propedêutico São José.

O Lábaro: Ainda como seminarista você teve a oportunidade de fazer algumas experiências missionárias na Amazônia. Isso já era um desejo seu ou foi por força de um convite ou um mandato?
Diác. Cipriano: Sempre tive um “espírito” aventureiro. Gosto de conhecer novas realidades, ainda mais quando essas são desafiadoras. Sempre ouvia falar em missões na Amazônia, dos depoimentos de padres e religiosos(as) nos jornais e revistas de missão. Certa vez, na Faculdade Dehoniana, o padre Alessandro, da diocese de Caraguatatuba, fez uma exposição no auditório sobre uma experiência que ele havia feito na Amazônia. Confesso que fiquei encantando com a realidade missionária. No ano de 2010, foi enviado para as casas de formação um DVD convidando os seminaristas para a missão. Após assisti-los, procurei o reitor e manifestei o desejo de fazer tal experiência. Imediatamente ele acatou o meu pedido e de mais dois colegas de turma. No final daquele ano partimos para a experiência de 40 dias na diocese de Santarém – Pará.

O Lábaro: Em que lugares especificamente você atuou e qual era o trabalho desenvolvido?
Diác. Cipriano: A primeira experiência foi na diocese de Santarém. Depois, mais duas experiências na arquidiocese de Porto Velho, em Rondônia. Na diocese de Santarém, a experiência missionária foi de 40 dias, dividida em duas etapas de 15 dias em cada área pastoral. Os demais dias eram para retiros e avaliação das atividades realizadas. O nosso trabalho consistia em visitação nas casas, celebrações, formações e, acima de tudo, em conviver com a realidade do povo da Amazônia. Saímos com eles para a caça, pesca e também nos trabalhos na lavoura. As comunidades em que ficamos durante os 40 dias eram locais remotos. Só para chegarmos lá, tínhamos que viajar de barco pelos rios Amazonas e Tapajós, cerca de 19 horas. Sendo assim, não tínhamos acesso à luz elétrica, água encanada e celular. Nossa vida era acompanhar o ritmo deles. Durante o dia visitávamos as casas e à noite fazíamos formações à luz de velas, lamparinas ou lâmpadas ligadas nos geradores de energia. Nos demais tempos livres, participávamos da rotina da comunidade.
Já na arquidiocese de Porto Velho, as duas experiências que participei foram de 30 dias cada, também composta por retiros e visitas às casas, bênçãos, formações, etc. Em Rondônia, diferente de Santarém, onde praticamente fazíamos tudo de barco, tínhamos a possibilidade de locomovermos de carro e moto. Mesmo sendo lugares distantes da capital, a grande maioria das comunidades já possuía luz elétrica e até mesmo comunicação via telefone celular. Devido à luz elétrica, todas as noites fazíamos celebrações e formações nas capelas e casas, e podíamos ficar informados do que estava acontecendo no mundo por meio dos noticiários.

O Lábaro: Como é ser missionário na Amazônia e em que isso se difere dos trabalhos pastorais que você realizou antes?
Diác. Cipriano: Na Amazônia tudo é diferente. A começar pelo clima e alimentação. Leva um bom tempo para acostumarmos com a realidade local. Realizar um trabalho missionário naquelas terras exige de nós um esvaziamento total. Tudo é muito distante, a precariedade dos serviços básicos de saúde, de educação é gritante. O missionário que se dispõe a servir naquelas terras deve fazer um verdadeiro despojamento, abrindo mão do conforto, da vida cômoda. Deve ser, acima de tudo, um apaixonado pelo povo pobre e simples, pois esse o povo padece de muitas mazelas. Aqui no sudeste, temos facilidades de locomoção, de comunicação, e isso significa conforto. Para ser missionário na Amazônia é preciso se despojar de tudo isso e ir somente com o desejo de anunciar a Boa notícia, sem levar, cajado, duas túnicas… nada, assim como pediu Jesus. Mesmo porque lá se caminha muito e essas coisas atrapalham a viagem. Fazer missão por lá é, acima de tudo, evangelizar numa linguagem simples para um povo sedento da palavra do Senhor.

O Lábaro: Quais foram os maiores desafios que você enfrentou na missão?
Diác. Cipriano: Confesso que a alimentação e o medo das doenças foram meus maiores desafios. Alimentar de caças, principalmente de carnes de macaco, tartaruga, foram as piores situações que vivi. Tomar banho no Rio Amazonas, com aquelas águas barrentas, foi desafiador. Além do banho, também usávamos a mesma água do rio para o consumo. Visitar as dezenas de comunidades de barco, subindo e descendo aqueles igarapés, também foi um grande desafio. Outra realidade presente é a dengue e a malária. Como não existe vacina para essas duas doenças, o único jeito era nos proteger por meio de repelentes e orações.

O Lábaro: O que mais te encantou na Amazônia?
Diác. Cipriano: Duas coisas me encantaram: a simplicidade e a acolhida do povo e as belezas naturais. O rio Amazonas é lindo. Com as suas águas barrentas e extensões quilométricas. Tudo lá é bonito pela própria natureza.

O Lábaro: O que significou para você esse tempo de missão? O que mudou na sua vida e na sua perspectiva vocacional?
Diác. Cipriano: Aprendi que com pouco também se vive. Que a vida acontece nos lugares mais remotos que possamos imaginar. Aprendi que a nossa Igreja tem, em cada lugar, um rosto diferente. Aprendi que também devo buscar uma fé simples, pura. Eles nunca sentaram num banco acadêmico, mas conhecem Jesus por meio da simplicidade que se revela no cotidiano de suas vidas. A grande mudança que ainda trabalho em mim é perceber que as distâncias não são impedimentos para buscar o Senhor, e muito menos para anunciá-lo. Presenciei testemunhos de pessoas que percorriam longas distâncias de barco para participar da santa Missa apenas uma vez por ano, por ocasião da festa do seu padroeiro. Guardo na lembrança as palavras de uma senhora muito idosa, a dona Ana: “Meu filho, já estou velha, sei que não viverei muito tempo. Também sei que nunca mais verei você por aqui. Mesmo que volte, sinto que até lá eu já tenha morrido. Espero que seja um bom padre e se Deus assim permitir, um dia hei de encontrar com você de novo no céu!” Analfabeta, dona Ana nunca ouviu a palavra escatologia, mas me ensinou de modo simples a teologia da esperança.

O Lábaro: Quais as suas expectativas em relação ao ministério sacerdotal? Tem planos de voltar para a missão na Amazônia?
Diác. Cipriano: Pretendo ser ordenado presbítero em breve. Já manifestei ao nosso bispo a vontade de voltar nas missões como padre. Inclusive, o arcebispo de Porto Velho, dom Esmeraldo, fez esse convite há pouco tempo. Eles precisam e muito de padres para a região da Amazônia. Segundo pesquisas, quase metade do clero aqui do Brasil se concentra no sul e sudeste. Eis o grande desafio, não só para mim, mas para todos. A Amazônia nos convida a fazer uma experiência por aquelas terras.

O Lábaro: Neste mês missionário, que mensagem você deixa aos nossos leitores?
Diác. Cipriano: A dimensão missionária é para todos os batizados. Somos enviados a anunciar Jesus Cristo, mesmo não saindo de nossa própria realidade. Devemos anunciar e testemunhar a nossa fé no Cristo vivo e ressuscitado sempre, onde quer que estejamos. O papa Francisco tem insistido que todo o nosso trabalho pastoral deve ser pensando numa perspectiva missionária. Uma Igreja de saída, que vai até as periferias, geográficas e existenciais, para anunciar, com alegria, a verdade que liberta e salva.

FONTE: O Lábaro – outubro de 2014

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