Motivação – Há algum tempo, fazendo uma viagem, tive que esperar por mais de hora, uma conexão de ônibus em uma rodoviária. Aproveitei e fui até uma igreja próxima, para rezar um pouco. Antes de entrar na igreja, já ouvia uma gritaria, um palavrório de pessoas que rezavam todas ao mesmo tempo, e ninguém, certamente, podia entender nada do que falavam. Surpreendeu-me ver um grupo de apenas umas vinte pessoas reunidas “em oração”!!! Confesso meu espanto e estranhamento ao entrar nessa igreja; não parecia ser a mesma minha. O que leva as pessoas a “rezarem” assim? A maneira de Jesus rezar poderia ser reconhecida pelo modo dessas pessoas rezarem? Com quem teriam eles aprendido a rezar dessa maneira? Em que fonte foram beber? Não me cabe fazer uma análise psicológica desse tipo de comportamento; há profissionais que poderiam estudar esse fenômeno. Desejo apenas considerar a maneira como Jesus rezava e o que Ele ensinou à sua Igreja sobre a oração.
A oração de Jesus – Na edição anterior do Lábaro, publiquei um artigo intitulado “Oração de Cristo, oração do cristão”. Este texto que agora você lê está em continuidade com aquele, que o convido a ler. Meu objetivo era mostrar que a oração de Jesus é exemplo a ser seguido pelo discípulo. Portanto, o modo de Jesus rezar sinaliza e configura como deve ser a oração do cristão. Se nossa oração não segue o modelo de Jesus, nossa oração não é cristã. Os evangelhos nos mostram que Jesus rezava com frequência; ele se retirava para rezar em silêncio; também rezava na sinagoga e no templo em Jerusalém, meditava a Escritura. Jesus ensina a rezar no recolhimento; ensina a rezar sem multiplicar palavras; uma oração insistente e confiante pois o Pai celeste sabe o que precisamos antes mesmo que nós lhe peçamos; uma oração que nos leve a viver segundo a vontade de Deus e não para que Deus faça a nossa vontade. Coerentemente, ele nos ensinava uma oração semelhante à sua e não uma oração que lhe fosse estranha.
A Tradição orante da Igreja – São Cipriano (ano 200 a 258), contado entre os chamados “Santos Padres”, bispo e mártir do início do cristianismo, escreveu um belo tratado sobre a oração cristã. Desse tratado das fontes do cristianismo, destaco os trechos que seguem: “Haja ordem na palavra e na súplica dos que oram tranquilos e respeitosos. (…) Sejam agradáveis ao Senhor a posição do corpo e a moderação da voz. Porque sé é próprio do irreverente soltar a voz em altos brados, convém ao respeitoso orar com modéstia. (…) Não devemos espalhar a esmo nossas preces com palavras desordenadas, nem lançar a Deus com tumultuoso palavrório os pedidos que deveriam ser apresentados com submissão, porque Deus não escuta as palavras e sim o coração. (…) Ana, no Primeiro Livro dos Reis, como figura da Igreja, tem esta atitude, ela que suplicava a Deus não aos gritos, mas silenciosa e modesta, no mais secreto do coração. Falava por prece oculta e fé manifesta, falava não com a voz mas com o coração, pois sabia ser assim ouvida pelo Senhor. Obteve plenamente o que pediu porque o suplicou com fé. A Escritura divina declara: Falava em seu coração, seus lábios moviam-se, mas não se ouvia som algum e o Senhor a atendeu” (Liturgia das Horas, vol.III, pág.314).
Ao longo da história da Igreja, grandes santos nos deixaram um inestimável legado de ensinamentos e exemplos sobre a oração. A título de exemplo, cito alguns outros:
Santo Agostinho (354-430) – especialmente na obra Confissões, fala da oração como experiência pessoal de relação com Deus. Mais do que palavras, ele diz que a oração deve ser expressão do coração fiel que se abre ao mistério de Deus e à sua ação transformadora em nossa vida.
São Bento (480-547) – foi o fundador dos Beneditinos; na busca de Deus soube unir oração e trabalho, vida eremita (isolada) e monástica (comunitária), contemplação e serviço a Deus. Seguindo sua regra de vida nasceram e se espalharam pelo mundo muitos centros de oração, de cultura e de assistência aos pobres.
São Bernardo de Claraval (1090-1153) – contribuiu muito com a espiritualidade católica escrevendo especialmente sobre a oração contemplativa, que é um tipo de oração silenciosa e profunda, que busca a união com Deus. Ensinou sobre a importância do silêncio e da meditação na oração pessoal e comunitária, buscando identificar a presença de Deus em nosso íntimo.
Santa Teresa D’Avila (1515-1582) – é lembrada entre os grandes mestres de oração e reformadora do Carmelo. Ela distingue vários tipos de oração, da vocal à mais profunda contemplação. Teresa enfatizava a importância da meditação, da disciplina interior e da confiança que conduzem à união com Deus.
São João da Cruz (1542-1591) – grande místico, com S. Teresa, realizou a reforma do Carmelo. Entre seus principais escritos, destacam-se: Cântico Espiritual e Noite Escura da Alma, onde trata das dificuldades e os combates enfrentados na vida espiritual, sobretudo a desolação, períodos de escuridão e sofrimento espiritual, que fazem parte do processo de união transformadora a Deus e nossa purificação pessoal.
São Francisco de Sales (1567-1622) – através de seu livro Introdução à Vida Devota, ensina que a oração deve ser cultivada com persistência e disciplina como expressões de confiança em Deus, em todas as situações da vida. Todas as atividades da vida podem ser realizadas como oração quando a pessoa tem o coração unido a Deus e disposto a fazer sua vontade.
Assim como estes, poderíamos lembrar: S. Domingos, S. Catarina de Sena, S. Francisco, S. Clara, S. Vicente de Paulo, S. Afonso, S. João Bosco, S. Charles de Foucould, S. Edith Stein, S. Teresinha de Lisieux, e tantos outros que, com seus ensinamentos e exemplos, enriqueceram a bimilenar história da Igreja. A oração deles brota da fé e de uma vida agradável a Deus. É uma experiência de união a Deus, de escuta, de meditação de sua Palavra, de disponibilidade de confiança em seu amor e em sua misericórdia. A verdadeira oração, além de nos levar à maior união a Deus, também nos leva à uma atenção de amor ao próximo, sobretudo aos mais necessitados, como bem tem insistido o Papa Francisco. Não é possível aproximarmo-nos de Deus estando distanciados do irmão. Amor a Deus e ao próximo caminham sempre unidos. Só assim, por uma vida agradável a Deus, a oração é ouvida. Deus não ouve as palavras, mas o coração. Tendo essa riquíssima Tradição de meditação e oração na Igreja, por quê buscar beber em outras fontes?
Dom Wilson Angotti