A MORTE DE UM CARREIRISTA

Bento XVI morreu. Tal foi a notícia com que amanheceu o último dia de 2022. Serenamente, depois de uma longa vida, Joseph Alouisius Ratzinger entregou sua alma a Deus no silêncio do Mosteiro Mater Ecclesiae, onde residia desde sua renúncia ao Papado, em 2013, dentro do próprio Vaticano.

Durante seus funerais (sóbrios, a seu pedido), que trouxeram alguns elementos comuns aos ritos fúnebres que se usam quando morre um Papa reinante, não faltaram análises sobre sua longa vida e sobre seu ministério na Igreja, como teólogo e como Papa.

Positivamente, diversas vozes o aclamaram como “magno” (grande), postulando que seja declarado como Doutor da Igreja. Todavia, não faltaram vozes que, do outro lado, tecessem comentários maldosos, sobretudo na verdadeira “terra de ninguém” que são as redes sociais, onde não faltam peritos capazes de definir a verdade absoluta em comentários rasos e, não raro, expressivos de ódio e outros sentimentos dos mais baixos e vis que há em nós, humanidade.

Dito isto, não seria e nem poderia ser diferente com alguém como Bento XVI. Sua vida e sua atuação na história recente da Igreja, sem dúvida alguma, o fizeram amado por muitos e desgostado por tantos. É assim que acontece com pessoas “grandes”, cuja envergadura moral lhes impede de passar despercebidos na história.

Dentre as críticas feitas ao defunto Papa Emérito, há uma que, particularmente, se destaca: chamaram-no, sempre e, sobretudo, após sua morte, de “carreirista”. Quando lhe aplicam tal rótulo, parecem afirmar que ele sempre correu atrás dos cargos que exerceu, almejando poder e visibilidade. Sua própria vida, entretanto, responde a tais críticas: é sabido de seu pedido, mais de uma vez, para deixar a função de responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé, que foi negado por São João Paulo II. Do mesmo modo, seu gesto profético e ousado de renúncia ao trono de Pedro fala por si mesmo. Então, terá sido Bento XVI um carreirista?

Certamente, ele foi, sim, um carreirista. Porém, não no sentido ruim do termo, mas sim naquele de ter sido um autêntico homem de fé que, por isso, se colocou nas mãos de Deus. A carreira de Bento XVI foi resultado de uma existência aberta à graça de Deus, a quem ele se deu de coração. O professor de Teologia, defensor da Verdade e desejoso de com ela cooperar, teve sua vida traçada pelos misteriosos desígnios d’Aquele a quem se dispôs a servir.

A menção nostálgica à terra natal em seu testamento demonstra o quanto “seguir carreira eclesiástica”, certamente, não estava nos planos do jovem padre e professor. Contudo, os planos de Deus eram outros. Feito Bispo e, pouquíssimo tempo depois, Cardeal, Ratzinger viu seus sonhos serem modificados.

Assim, ele foi deixando que sua carreira acontecesse. Fidelíssimo ao dever e ao bem da Igreja, entregou-se totalmente aos propósitos maiores de Deus. Despreocupado com sua reputação, alvejado por tantas críticas, fez seu percurso de homem de fé com os olhos fixos n’Aquele que morreu dizendo que amava.

Deus, por meio da Igreja, o chamou para ser Papa. Ele aceitou. Para os seus desafetos, era a confirmação de que suas críticas tinham sentido: um homem carreirista como ele, claro, aceitaria. A verdade dos fatos, porém, leva a olhar sob outro ângulo. Após quase oito anos intensos de pontificado, com o declínio de suas forças físicas, mais uma vez Ratzinger surpreendeu o mundo: em fevereiro de 2013, renunciou ao Papado, conforme suas palavras, depois de ter examinado retamente sua consciência perante Deus. Retira-se, em silêncio, para uma vida contemplativa e orante até o fim dos seus dias, rezando pela Igreja. Um final vergonhoso para um carreirista, mas digno de um homem de fé.

Bento XVI foi um carreirista no melhor sentido da expressão. Viveu sua vocação com uma profundidade tão grande que o fez, em cada etapa de sua longa existência, permitir que Deus fosse desenhando sua carreira, sua história. Não correu atrás, acolheu! Seus gestos, tão profundos, demoraram para serem compreendidos por um mundo acostumado ao superficial. Demonstraram, porém, o que é a verdadeira carreira: seguir o Cordeiro aonde quer que Ele vá (Ap 14,4).

Em pleno Ano Vocacional para a Igreja no Brasil, o testemunho da vida e “carreira” de Bento XVI é eloquente: o sentido da vida é encontrar a própria vocação e responder, generosamente, a Deus. Porém, isso de nada adianta se a vocação não for entregue nas mãos de Deus, sendo fiel à Verdade e crendo, absolutamente, sem se deixar levar pelos ventos de tantas doutrinas e pelo poder (dentro da Igreja, também!).

A carreira é esta: não correr atrás dos cargos, mas ter os olhos fixos em Jesus. Diante d’Ele, unicamente, após os cargos terem passado, a carreira se torna história de vida doada, de vocação realizada e, somente assim, se pode fechar os olhos para este mundo dizendo: “Senhor, eu te amo!”.

Obrigado, Bento XVI!

Pe. Celso Luiz Longo

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