Como comunidade batismal, celebramos os mistérios da vida de Cristo no cotidiano de nossa vida, percorrendo os ciclos e os tempos litúrgicos, envolvidos de uma espiritualidade que é própria de cada ocasião, permitindo-nos através dos ritos, da Palavra, do encontro comunitário, do memorial, fazer nutrir nosso espírito de peregrinos de esperança.
O Papa Paulo VI, no dia 03 de dezembro de 1963, quando aprovou a Sacrosanctum Concilium assim disse: “Deus em primeiro lugar, a oração, nossa primeira obrigação; a liturgia a primeira fonte da vida divina que nos é comunicada, a primeira escola de nossa vida espiritual” (Vaticano II, Mensagens, Discursos, documentos, 2ª edição, São Paulo, Paulinas, 2007).
O Ano Litúrgico “expõe todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação e a Natividade até a Ascensão, o dia de Pentecostes e a expectativa da feliz esperança da sua vinda gloriosa” (SC 102). Ele assim nos propõe um caminho espiritual, ou seja, a vivência da graça própria de cada aspecto do mistério de Cristo, presente e operante nas diversas festas e nos diversos tempos litúrgicos (cf. NALC, n. 1).
Conscientes de que a liturgia educa e ensina-nos a celebrar os mistérios de Cristo, temos nos tempos litúrgicos este espaço pedagógico, do qual, queremos encontrar no período quaresmal este nutrir.
- A quaresma, um tempo de preparação para a Páscoa
Este deve ser um dos primeiros elementos que devemos ter consciência, no âmbito do tempo quaresmal, percorrê-lo, com a finalidade de chegar-se à Páscoa e não apenas tê-lo como um período penitencial. A meta é a celebração pascal, contemplando o Cristo Vivo e Ressuscitado.
Esse caminho, evidencia também o caráter batismal. “É um caminho de fé fundado na escuta da Palavra de Deus e nos sinais sacramentais realizados na assembleia litúrgica, que se articula, em etapas (ou graus) de penetração e aprofundamento progressivo do mistério celebrado” (Augé, 2019).
Os elementos penitenciais e batismais se complementam: “Tanto na liturgia como na catequese litúrgica, a dupla característica do tempo quaresmal que, principalmente, pela recordação ou preparação do Batismo e pela penitência, dispõe os fiéis para a celebração do mistério pascal” (SC, n. 109).
Partimos da Quarta-Feira de Cinzas, convidados a converte-se e a crer no evangelho ou ainda recordando que somos pó e ao pó voltaremos (cf. Genesis 3,19), para cruzar a linha de chegada, com a força da Ressurreição.
- A liturgia da Palavra do Ano C
A liturgia da Palavra do tempo quaresmal, é parte deste percurso penitencial, batismal e pascal.
Nos dois primeiros domingos, ouviremos os relatos da Tentação no deserto (Lucas 4,1-13) e da Transfiguração (Lucas 9,28b-36). “Cristo luta contra o mal, vence-o e chega à vitória. É o sentido dos relatos do deserto e da transfiguração. A Igreja, por sua parte, adere a este caminho por meio dos sacramentos pascais simbolizados nos tradicionais textos da Samaritana, do Cego de Nascença e de Lázaro” (no caso no ano A). (Farnés, 1991).
No terceiro domingo da quaresma, ouviremos Lucas 13,1-9, ajudando-nos a pensar na condição de pecadores, na paciência divina e nas oportunidades de voltarmos a produzir frutos, mediante os cuidados que nos são oferecidos.
No quarto domingo da quaresma, seremos conduzidos ao núcleo do evangelho de Lucas, com uma das parábolas da misericórdia, no relato do Pai misericordioso, que acolhe de volta seu filho e lhe restitui a dignidade.
No quinto domingo, Jesus acolhe a mulher pega em adultério e convida-a a mudar de vida, bem como aqueles que desejam apedrejá-la.
Percorrido estes domingos, chegaremos ao Domingo de Ramos da Paixão do Senhor, onde, contemplando dois relatos do evangelho, celebramos esta entrada triunfal e a narrativa da sua paixão e morte.
- Outros elementos importantes.
Para Matias Augé, no seu livro, Ano Litúrgico (Paulinas), o tempo quaresmal se caracteriza como um tempo: de luta contra o mal e contra o pecado, um tempo de jejum de esmola e de oração, um tempo de escuta da Palavra de Deus, além de um itinerário cristocêntrico-pascal e um itinerário penitencial.
A riqueza deste tempo quer ajudar-nos a ir além de um mero tempo de práticas penitenciais por puro tradicionalismo, mas quer ensinar-nos a fazer esse percurso penitencial-batismal-pascal.
É importante entender de que, com esses elementos da piedade popular, avançamos na vivência espiritual e na compreensão da pessoa, da missão de Jesus Cristo.
Desejamos que os encontros comunitários para a via-sacra, as reflexões sobre a campanha da Fraternidade, as procissões e celebrações penitenciais, o jejum, a intensidade da oração e as práticas da caridade ajudem a todos a contemplar o Ressuscitado, “conforme relembra o n. 10 da Constituição Gaudium et Spes do Vaticano II, a Igreja acredita encontrar no seu Senhor e Mestre a chave, o centro e o fim de toda a história humana”.
Pe. Kleber Rodrigues da Silva