Critérios de discernimento e reconhecimento dos carismas

No mês de maio deste ano, o Papa Francisco autorizou a Congregação para a Doutrina da Fé a publicar carta intitulada IUVENESCITECCLESIA, dirigida aos Bispos da Igreja. Nesta publicação trata-se da relação entre dons hierárquicos e dons carismáticos na vida e missão da Igreja. Ambos os dons, hierárquicos e carismáticos, provém do mesmo Espírito Santo. Em sua incidência mais imediata podemos dizer que o Documento evidencia que os carismas rejuvenescem e enriquecem a Igreja e cabe ao ministério ordenado (pastores da Igreja) discernir quais carismas são de fato provenientes do Espírito de Deus e organizá-los em vista ao bem da Igreja, que lhes cabe dirigir. Em artigo publicado na edição anterior deste Jornal, foi apresentado o fenômeno das associações, movimentos e novas comunidades, como realidades suscitadas pelo Espírito Santo que age e “Rejuvenesce a Igreja”. Em continuidade, neste artigo, apresento alguns dos critérios de discernimento que os Bispos têm como indicação para poderem reconhecer um dom carismático como suscitado pelo Espírito Santo.

Entre outros, os critérios apresentados são os seguintes:

1. Instrumento de santidade – Toda realidade que brotar de um carisma autêntico deve promover e servir de auxílio à santidade dos fiéis, sobretudo na vivência da caridade cristã.

2. Empenho pela difusão do Evangelho – A Igreja se concretiza pela ação do Espírito Santo que impulsiona os discípulos a sair em missão a fim de anunciar o Evangelho e fazer novos discípulos.

3. Fidelidade à fé católica – Cada realidade carismática é genuína se mantiver a confissão da fé católica na sua integralidade, ou seja: se professar a verdade sobre Jesus Cristo, a Igreja, o homem, em obediência ao magistério da Igreja, que autenticamente o interpreta.

4. Comunhão ativa com a Igreja – A comunhão é o sinal concreto de que é o Espírito Santo que age. É dom do Espírito tudo o que conduz à comunhão filial com o Papa e com o bispo, respectivamente expressão e fundamento visível da comunhão universal e local da Igreja. Concretamente isso significa disponibilidade em aceitar os ensinamentos doutrinais, as orientações pastorais e o engajamento nas atividades da Igreja, onde estão situados.
5. Convívio com outras realidades carismáticas – Isso implica o reconhecimento de que o Espírito Santo suscita carismas diversos e complementares em vista do bem comum da Igreja. A autenticidade de um carisma se verifica pela capacidade de se integrar harmoniosamente no conjunto do Povo de Deus.

6. Aceitação da prova – Critério de autenticidade de um carisma se manifesta na capacidade de suportar as adversidades, pois, no caminho do cristão a cruz sempre se faz presente.
7. Frutos espirituais – Jesus disse que pelos frutos se conhece a árvore (Mt 12,33); assim também o que é proveniente do Espírito se conhece pelos frutos: amor, alegria, bondade, mansidão, domínio de si (cf. Gl 5,22), e também pela busca da oração, atenção à Palavra de Deus, frequência aos sacramentos, etc.

8. Dimensão social da fé – O compromisso sócio transformador não pode faltar numa realidade eclesial autêntica. No âmago do Evangelho está a caridade, ou seja, o amor que se manifesta em gestos concretos de atenção e auxílio ao próximo, sobretudo ao mais necessitado. Assim, os compromissos indicados pela Doutrina Social da Igreja compõem também os critérios de discernimento dos verdadeiros carismas.

O Documento insiste quanto a necessária inserção das realidades carismáticas na vida pastoral da Igreja, quer seja no âmbito universal quer seja no particular, que é a diocese. Nesse sentido, a vida consagrada, mesmo não sendo igual à realidade das novas comunidades, serve-lhes de exemplo, pois a vida consagrada não é uma realidade externa, autônoma ou independente da vida da Igreja particular, mas realidade que aí se faz presente enriquecendo-a e servindo-a com seus dons específicos.

No exercício do pastoreio, é importante que se considere adequadamente a novidade e a peculiaridade das diversas realidades carismáticas, reconhecendo-as e ordenando-as no âmbito e no serviço da Igreja. Tal atitude pastoral poupa a Igreja do capricho de pessoas vaidosas e fanáticas. Quanto ao reconhecimento eclesial das novas realidades eclesiais que se baseiam em dons carismáticos, como é o caso das chamadas “Novas Comunidades”, o Código de Direito Canônico prevê diversas formas; a mais simples e fácil de obter reconhecimento jurídico-eclesial é a de “Associação privada de fiéis” (Cf. Cân. 321-326). Outras formas possíveis são: “Associação pública de fiéis”, as “Associações clericais”, os “Institutos de Vida Consagrada”, as “Sociedades de vida apostólica” e as “Prelaturas pessoais”. O Documento recomenda que sejam evitadas as situações de comunidades que desconsiderem os princípios que o Direito já estabelece.

Dom Wilson Angotti
Bispo da Diocese de Taubaté

Fonte: Jornal O Lábaro – edição setembro/2016

×