Pokémon Go, numa perspectiva católica

Fenômeno nos anos 2000 em série de desenho animado, Pokémon Go é o assunto destas últimas semanas. Inúmeros áudios e vídeos de cunho religioso perambulam pela Internet. Portanto, alguns esclarecimentos fazem-se necessários, afim de não tomarmos alguma decisão precipitada referente à disciplina das crianças e adolescentes que somos responsáveis em educar.

A série Pokémon é um desenho animado japonês, criado nos anos 1990. A história gira em torno de um mundo habitado por humanos e criaturas com poderes (água, fogo, terra, eletricidade, psíquico…). Seu principal personagem é Ash, um garoto que sonha ser um mestre Pokémon. Para ser um mestre, Ash parte numa jornada, onde deve capturar o máximo de criaturas possíveis, afim de que possa ter condições de inscrever-se numa espécie de campeonato, onde o campeão ganha o título de mestre Pokémon.

O jogo, recém lançado no Brasil, possibilita àqueles que possuem um smartphone experienciar este mundo Pokémon, através de um aplicativo que conjuga o mundo real com o mundo virtual. Pokémon Go é o início de uma nova era dos games e do entretenimento, que visa a interação do mundo real com o virtual. O joguinho conta com mapas reais, interligados ao Google Maps. Por meio do aplicativo, as criaturas virtuais (Pokémon) aparecerem na tela do smartphone e os jogadores, vendo-os, podem capturá-los, através de uma espécie de bola (pokebola), também virtual.

A programação do jogo faz com que a maioria dos Pokémons apareçam em monumentos, marcos e, curiosamente, em igrejas. Posteriormente, obtendo já um nível de experiência, o jogador pode pertencer a uma equipe, onde tentará dominar um Ginásio Pokémon. Tais ginásios geralmente estão localizados em lugares de grande fluxo de pessoas e aparecem virtualmente na tela do aparelho. Através destes Ginásios, os jogadores enfrentam-se em batalhas. O vencedor faz com que o ginásio pertença à sua equipe (amarela, vermelha ou azul) e tentará manter o máximo de tempo possível, até que outro jogador de outra equipe vença-o.

Mas será que é aceitável jogar? Há pontos positivos, como o exercício físico e a socialização dos participantes, afinal, se quiserem jogar bem, os jogadores necessitam, obrigatoriamente, andar e se dirigir a locais públicos.

Contudo, a novidade gerou uma ansiedade nos jogadores em obter o melhor resultado em menos tempo. Crianças e adolescentes (e adultos), por falta de orientação, submetem-se a longos períodos frente ao jogo. Com seus olhos grudados ao smartphone, e desatentos ao mundo ao seu redor, correm um verdadeiro risco de sofrerem acidentes (entrar em colisão com obstáculos, com o tráfego, com situações de violência, roubo).

Alguns religiosos manifestaram-se nas redes sociais, em geral negativamente, sobre o jogo. Alguns alegam ser um jogo demoníaco, que influenciaria os jovens ao distúrbio. Atitude precipitada, demonizar coisas desconhecidas é algo que precisa ser analisado criteriosamente, pois também pode significar desequilíbrios de fé. Ser criteriosos faz-nos capazes de averiguar que em qualquer situação da vida podemos nos colocar em situações abertas ao mal. Evidentemente, se o jogo começa a interferir nas responsabilidades de casa, da escola, do trabalho ou da igreja, certamente não está sendo usufruído da maneira mais salutar. O problema, então, está no modo como a pessoa comporta-se frente ao jogo e nos prejuízos que acontecerão, a médio prazo, no rendimento escolar, profissional e nas relações de afeto.

Assim, o jogo não parece ser uma manobra estratégica maquiavélica que conspira contra uma infância sadia. Ao contrário, é fruto de uma indústria comercial que desenvolve jogos e espera obter o seu retorno lucrativo – indústria essa que, nos últimos anos, superou a indústria cinematográfica, lucrando ao ano, dezenas de bilhões de dólares.

A falta de uma orientação adulta e madura frente aos jogos para as crianças pode prejudicar o desenvolvimento integral da infância. Por isso, é urgente um acompanhamento, no diálogo, que possa auxiliar a criança e o adolescente a obterem os princípios humanizantes e cristãos, para não se alienarem num mundo surreal de pseudo-amizades. Isto não somente para Pokémon Go, mas para todos os jogos de entretenimento e outros produtos que possam gerar esta confusão de “mundos”.

JRR Tolkien (católico), autor de “O Senhor dos Anéis” e C.S. Lewis (defensor da fé cristã), autor de “As crônicas de Nárnia”, mostram como na história, na narrativa e na fantasia, os valores (e inclusive Deus) podem ser contemplados. No jogo em questão, temos um mundo fantasioso, como o de Tolkien e Lewis, no qual não se menciona Deus, especificamente. Contudo, os personagens da saga Pokémon seguem uma lei natural com a compreensão do bem universal e do mal. Tal entendimento não seria possível a menos que o BEM (para nós, Deus) existisse como um valor.

Demonizar não parece o argumento mais ético e justo a se fazer. Partir de tal pressuposto recorda-nos os tempos em que se procurava explicar o mundo por mitologias, como também a velha heresia do maniqueísmo, na qual se acreditava existir uma constante guerra entre um deus do mal e um deus do bem.

Mas, afinal, Pokémon Go pode ajudar ou atrapalhar na fé? Reforçar ou denegrir a doutrina católica? O jogo, em si, não contradiz a fé, pois não quer ensinar sobre fé. Fundamental, sempre, é o discernimento no modo como se joga: enquanto se mantiver nas atuais configurações e for utilizado para momentos de lazer, com responsabilidade e maturidade, sem tirar-nos do eixo essencial da vida, que é estar em comunhão com as outras pessoas e Deus, não há elementos objetivos e diretos no jogo que possam prejudicar a vida de nossas crianças e adolescentes. Isso muda, é claro, se a dinâmica do jogo, no futuro, for alterada para um modelo que viesse a contradizer os princípios cristãos e humanitários.

Enfim, poder jogar tais jogos eletrônicos-virtuais é um privilégio para alguns. Embora repercuta, não é a realidade de todos. Muitas crianças e adolescentes ainda preferem jogar bola, andar de bicicleta ou soltar pipa como diversão. Divertir-se é um direito de todos e deve ser garantido também às crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento.

Não se pode perder de vista a responsabilidade de educar sobre os limites, o respeito ao próximo, o compartilhar dos bens e o divertir-se do modo justo. É sagrado divertir-se (não apenas para as crianças). Se, como diria Santo Tomás de Aquino, “dormir é o descanso do corpo”, divertir-se é o descanso da alma. Se Pokemon Go ajuda a divertir santamente, louvado seja Aquele que permite ao homem desenvover meios para tais fins. Se não, saibamos discernir com critério e equilíbrio.

Seminarista Patrick Alves de Carvalho

Fonte: Jornal O Lábaro – edição setembro/2016

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