Por professor José Pereira
Mineiro de Cipotânea, Antonio Afonso de Miranda nasceu em 14 de abril de 1920. Menino ainda, entrou para o Seminário Apostólico da Congregação dos Missionários de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, em Manhumirim (MG). Ali cursou humanidades e filosofia. Cursou teologia no Seminário Central de Belo Horizonte (MG) e foi ordenado sacerdote no primeiro dia 1 de novembro de 1945. Foi nomeado para bispo de Lorena, em 1971. Em 1977 tornou-se Administrador Apostólico de Campanha (MG) onde permaneceu até 1981, quando foi nomeado Bispo Diocesano de Taubaté. Renunciou aos 75 anos, mas continuou a residir em Taubaté, como Bispo Emérito, continuando a servir a Deus e à Igreja no seu ministério episcopal, celebrando o santo sacrifício, pregando retiros, proferindo palestras e cursos e, principalmente, escrevendo.
O Lábaro: Qual a sensação de estar completando 70 anos de ordenação sacerdotal?
Dom Antonio: Eu sinto uma sensação de alegria e ao mesmo tempo de júbilo, de agradecer a Deus, pois, não são muitos que fazem um tão longo sacerdócio. Cinquenta anos é o máximo que alguns padres conseguem e eu, pela bondade de Deus, que pensava não alcançar cinqüenta anos, já passei cinqüenta, cheguei aos setenta como padre e, graças a Deus, ativo, atento, com visão clara das coisas e com lucidez de espírito. Eu tenho sensação de muita alegria em ter vivido esse tempo todo e tê-los vivido bem para glória de Deus.
O Lábaro: Em que momento o senhor sentiu o chamado de Deus e como interpretou esse chamado?
Dom Antonio: Quando eu senti o chamado de Deus propriamente, não entendia muito as coisas. Eu era um menino de 12 anos e quando pensei em ser padre tinha meu irmão mais velho Geraldo que já estudava em Mariana, então, na conversa com ele quando veio em férias, eu me entusiasmei também, em ser padre ele não me influenciou de modo nenhum, forçando e dizendo vamos para lá, ele contou como era a vida dele. Então disse ao pai eu também queria ser padre, tão logo terminasse o quarto ano de grupo, iria para o seminário de Mariana. Engraçado como os planos de Deus são outros! No dia mesmo que contei isso a um padre que encontrei e quando me preparava para receber o diploma de grupo, apareceu um padre de batina cinza, da Congregação Sacramentina à qual hoje pertenço, fui tomar a bênção dele. Ele me deu a bênção e conversando comigo pergunto: você não tem vontade de ser padre? Eu respondi: eu vou ser padre, vou para Mariana estudar com meu irmão. Então ele me fez uma ponderação: olhe se você for para Mariana irá estudar para ser padre secular, que fica isolado numa paróquia ou mudando de uma paróquia para outra; se for padre da Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora, que é a minha, você será missionário, pregará em muitos lugares, vai pregar para muito mais gente, será um pregador da Palavra de Deus, lá você será missionário, religioso de uma congregação. Como padre ordenado em Mariana você será padre secular, mudará de uma paróquia para outra ou talvez fique numa paróquia a vida toda. É bom pensar bem nisso para não ficar enganado. Engraçado aquilo foi para mim um chamado de Deus, eu me entusiasmei em ser padre desse modo, cheguei em casa contei aquilo a mamãe, ela disse: conte ao seu pai, ele tem maior conhecimento das coisas, ele vai te orientar melhor. Então contei ao papai, ele disse: porque você não trouxe esse padre aqui em casa meu filho, é de boa educação, nós somos católicos, onde está esse padre? Eu respondi: ele deve estar na casa do seu vigário. E o pai ordenou: vai lá e traga-o, convide-o, para conversarmos, ouvi-lo. Então, fui procurar o padre, chamei e ele, na mesma hora, foi comigo, com prontidão em casa, trouxe o álbum da congregação, retrato do fundador, retrato dos meninos no seminário, aquilo me encheu a alma, ai me prendi a essa idéia que iria para lá. Então ele disse: você irá, eu vou levar dez meninos para lá, vou para o sul de Minas e passo aqui por Juiz de Fora e telegrafo para seu pai e você vai. Na verdade não telegrafou, esqueceu. Ai pedi a papai que escrevesse para o seminário, tem o estatuto aqui, então meu pai escreveu logo uma carta ao padre Júlio Maria Lombarde. Ele dizia: de fato o padre falou que deixou um menino para trás, é esse que deve vir então, é fácil o senhor embarcá-lo pela central até Três Rios, depois toma o trem da Leopoldina até Manhumirin. Então fui lá. Eu com meu pai, com o maior entusiasmo da minha vida. Nunca desanimei, nunca pensei em voltar atrás. Tive medo uma ocasião de o superior me mandar embora, ele me passou um pito, não sei por qual motivo. Então me agarrei a Santa Terezinha rezando para me defender e Santa Terezinha me valeu.
O Lábaro: Qual a influência do Padre Júlio Maria Lambaerde na vocação sacerdotal do senhor?
Dom Antonio: Foi uma influência muito boa. Ele foi um missionário experimentado, foi missionário na África e depois no Amazonas e enfim, veio para Manhumirin, para fundar uma congregação e ali fundou. Eu o conheci no dia em que papai me levou, àquela hora ele estava ouvindo confissão das freiras do colégio, esperamos uns quinze ou vinte minutos e nisso ele chegou, um homem alto, barba comprida e um olho penetrante. Ele me abraçou com muito afeto e falou: você quer ser padre aqui mesmo meu filho, aqui estudamos muito e trabalhamos. Eu disse: eu vim para isso. Ele me levou com papai para mostrar o seminário, três andares, prédio em estilo europeu. Marcou a cidade também pelas construções que fez: o colégio das irmãs, o nosso colégio e o seminário. Um homem muito dinâmico e trabalhador.
O Lábaro: Quais os momentos mais marcantes da vida sacerdotal do senhor?
Dom Antonio: O que mais me marcou foi o preparo que eu recebi em Belo Horizonte. Fiz os primeiros cinco anos preliminares em Manhumirin, dois anos de filosofia e depois, foi para Belo Horizonte fazer teologia e fui muito bem preparado para o seminário. Tínhamos um diretor espiritual muito bom que depois foi bispo também, um homem muitíssimo espiritual e que colocava na alma da gente o que precisávamos saber como padre. Ele quando soube que fui eleito bispo mais tarde, o meu reitor foi falar com ele dizendo olhe o Padre Miranda passou aqui e ele fui ao Rio de Janeiro, estou desconfiado que isso ai é um chamado para bispo, que ele não tem nada a fazer no Rio. E o outro respondeu que é quase certeza que o Padre Miranda será bispo. De fato era isso mesmo, fui ao Rio atendendo a um chamado do núncio que me comunicou que havia sido nomeado para Lorena, isso depois de vinte e seis anos de sacerdócio, fui eleito bispo. Nunca senti o episcopado como vaidade e sim como serviço. Assim é que de verdade não estranhei aquilo, pois, todo mundo falava que eu seria bispo. No seminário todos diziam que eu seria bispo, um monsenhor velho que tinha lá, chamado Euclides, no dia da minha ordenação sacerdotal beijou minhas mãos e disse: Miranda, agora, “até logo o episcopado”. E realmente fui, e toda a minha formação parece que foi convergindo para o episcopado, os padres com os quais convivi eram muito santos e trabalhadores, esse que foi reitor e depois vigário em Belo Horizonte, paróquia da Lagoinha, perto da estação ferroviária, ele sempre dizia, quando vir a Belo Horizonte fique na minha casa. Tinha Monsenhor Juvenal, muito espiritual, muito amigo da gente, ajudava-o nas confissões e nas missas, aprendi muitas coisas com ele. Ele não me viu bispo, faleceu antes.
O Lábaro: Como definiria os pilares do sacerdócio do senhor?
Dom Antonio: Primeiro foi o magistério, lecionei latim em todas as classes do seminário. Dei aulas de latim o que me facilitou falar e escrever o latim com facilidade. Tive a graça de formar seminaristas e depois, o grande exemplo do Padre Júlio Maria, ao lado do qual eu me fiz padre; o dinamismo dele, a presença no confessionário, todo sábado de tarde escutava confissões até ás 22h. Exemplo que depois eu segui quando foi para lá. O Padre Júlio Maria incutia na gente, ensinava e estimulava, ele se tornou muito meu amigo depois que me tornei frater, no noviciado. Dele recebi estímulo muito grande, o que me impulsionou cada vez mais para o sacerdócio.
O Lábaro: Qual a maior recordação que o senhor guarda de sua ordenação sacerdotal?
Dom Antonio: A maior recordação que tenho do dia da minha ordenação é, primeiro certa recusa que tive e que me fez crescer no sacerdócio, eu pensei comigo antes da ordenação num retiro, pensei: eu preciso fazer um voto a Deus para cumprir no dia de minha ordenação. E o voto que fiz foi esse: seja como for, no dia da minha ordenação, irei para diante do Santíssimo Sacramento e de joelhos, farei uma hora de orações dando graças a Deus pelo meu sacerdócio. Então, fui ficar com os meus pais, que estavam no hotel perto da igreja da floresta, na qual fui ordenado. À noite fui fazer oração diante do Santíssimo Sacramento, rezando e agradecendo a Deus pelo amor que ele demonstrou para comigo. Voltei debaixo de chuva, minha irmã foi levar um guarda-chuva para mim, fui dormir tranqüilo, alegre por ter feito aquela adoração, marcou muito minha vida, no dia de minha ordenação, ter feito essa adoração.
O Lábaro: Quais os maiores desafios que o senhor enfrentou no início de seu ministério sacerdotal?
Dom Antonio: O maior desafio que eu enfrentei foi dirigir o seminário dos meninos, a escola apostólica. Na ocasião, o Padre Júlio Maria já havia falecido e foi eleito um superior holandês tão incompreensivo. Nós não afiávamos, pois eu queria guiar os seminaristas como o Padre Júlio nos guiou e ele queria de outro modo. Aquele choque foi o que eu experimentei de ruim; por outro lado foi bom, não o choque em si, mas a liberdade com que eduquei os seminaristas durante cinco anos. Depois, fui chamado para reabrir um seminário que tínhamos em Dores do Indaiá, fui para lá com a metade do seminário. Lá eu me refiz, fazia como achava que deveria ser. Organizei e todos os padres que por lá passavam, gostavam daquele sistema do seminário. Então, foi um tempo bonito que passei em Dores de Indaiá.
O Lábaro: E quais foram as maiores alegrias que o senhor experimentou no exercício do sacerdócio durante esses 70 anos?
Dom Antonio: Uma das maiores alegrias no meu sacerdócio foi uma grande missão que preguei, durante um mês, em Inhapi (MG), juntamente com outro padre da nossa congregação, uma missão de conversão para o povo. Foi uma beleza! Passamos por todas as capelas da cidade e terminamos no fim do mês, na sede da paróquia. Segundo informações que recebi mais tarde, mil homens fizeram sua páscoa e se reconciliaram com Deus. Aquilo me encheu de entusiasmo, deu-me uma grande alegria no coração. Foi a maior alegria de minha vida como missionário. O sacerdócio foi o tempo em que mais escrevi, dedicava-me ao jornal e publiquei vários livros. Logo escrevi um livro sobre Nossa Senhora, “Maria, mãe da Divina Graça”. Antes escrevi a vida do meu fundador. E se seguiram outros livros.
O Lábaro: Que conselho o senhor daria a um jovem sacerdote para que seja perseverante em sua vocação?
Dom Antonio: O conselho maior que eu posso dar é aquele que o nosso fundador nos dava para perseverar no sacerdócio: a oração. Não se persevera como bom padre se não reza, é preciso rezar muito, reservar pelo menos meia hora à tarde só para rezar. Durante toda a minha vida foi assim. Depois de bispo as coisas mudaram um pouco, não sobrava muito tempo para rezar. No tempo de padre todo dia, em nossa comunidade, às cinco horas da tarde, todos iam ajoelhar-se aos pés do sacrário para rezar por meia-hora. Isso foi um estimulo muito grande que tínhamos na congregação. Essa prática formou em minha alma a moldagem do padre e, sem eu saber, a moldagem do futuro bispo.
O Lábaro: Que agradecimentos o senhor faz a Deus no momento em que comemora 70 anos de sacerdócio?
Dom Antonio: Eu tenho que bendizer muito a Deus, pois Ele me deu um sacerdócio bonito, rico e me dava, a cada dia, mais estimulo. Muitos padres desanimaram no sacerdócio eu não. Nunca desanimei, ao contrário fiquei cada vez mais entusiasmado, cada vez mais gostava de ser padre, gostava de ouvir confissões, dedicava horas às confissões nas missões, confessava o dia inteiro. Às vezes, em tempo de missão, ficava no confessionário até às três da madrugada. Entrava no confessionário às 19h e dela saia apenas para tomar um cafezinho para não dormir. Isso me deu um estimulo grande quando percebi que era um sacrifício que compensava, pois converti muitos homens que estavam afastados de Deus. Isso foi muito bom. Tenho muito que agradecer, pois jamais desanimei no meu sacerdócio e no meu episcopado, nunca recusei missões que me foram confiadas.
Fonte: Jornal O Lábaro – novembro 2015
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