Nelson Rodrigues foi quem criou a expressão “complexo de vira-lata”, em 1958, referindo-se à “inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo (…) em todos os setores e, sobretudo, no futebol.” Quase 60 anos depois, a projeção que as redes sociais dão a qualquer comentário, por mais frívolo que seja, evidencia que o tal complexo não só persiste, como perigosamente se fortalece por aqui.
Dou um exemplo: há algum tempo, antes da Copa do mundo, tornou-se um viral na internet um texto mal escrito, acompanhado de uma fotografia de duas participantes do Big Brother Brasil seminuas, sobre uma suposta reportagem publicada pela revista francesa France Football com fortes críticas ao Brasil. Ali afirmava-se, entre outras coisas: que todo brasileiro conhece alguém que foi assassinado e se identifica com analfabetos e que os serviços públicos daqui são comparáveis aos do Congo. Afirmava ainda, talvez para dar maior dramaticidade, que a situação do Brasil é pior que a do Vietnã em guerra e da Palestina atualmente.
O mais desavisado deveria desconfiar de tamanhas baboseiras. Bastava se dar ao trabalho de fazer uma simples pesquisa no Google para saber: o post exaustivamente compartilhado era um hoax, uma mentira do começo ao fim. Alguns portais como o Brasil Post, revelaram a óbvia falsidade do conteúdo. E foram hostilizados por quem o disseminou e, ao ser alertado sobre a desinformação, buscou justificar-se no ataque, taxando Deus e o mundo de governista.
Sem dúvida não se trata disso. Como escreveu recentemente na Folha de S. Paulo o filósofo Luiz Felipe Pondé, que de nenhum modo pode ser chamado de alinhado ao governo, “a afetação vira-lata vai muito além da consciência de nossas mazelas”.
Devemos ter consciência de que somos corresponsáveis pela informação que propagamos. Logo, é preciso checar minimamente o que se escreve e se compartilha. No caso do complexo descrito por Nelson Rodrigues, buscar informação pode ser um antídoto bastante eficaz. Abaixo vai uma dose pequena de realismo.
Segundo informações recentemente divulgadas pela ONU, o Brasil está na 79ª posição, entre 187 países, no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, que considera saúde, educação e renda. Temos um IDH considerado elevado e avançamos sistematicamente desde a década de 1990.
Quanto ao índice de Gini, indicador que mede a desigualdade, também tem mostrado que, apesar da enorme diferença entre ricos e pobres no país, a distribuição de renda no Brasil vem melhorando, muito por conta de programas sociais implantados nas últimas décadas. Talvez isso não ocorra na velocidade desejável. Mas disseminar mentiras não é eficaz, tampouco ético, ou mesmo legal. E mudanças se fazem com ações, não apenas com posts.
FONTE: O Lábaro – setembro/2014
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Ivan Martínez
Atualmente é jornalista na Tv Record about.me/ivanmvs
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