Lembro de uma cena marcante do filme Irmão Sol, irmã Lua, de Franco Zeffirelli. A cena mostrava São Francisco após a sua conversão com um olhar cheio de felicidade falando com afetuosidade com todas as criaturas. Depois de experimentar intensamente o amor, a misericórdia e a amizade de Cristo, Francisco era impulsionado apenas pelo sentimento de amizade, de amor.
Jesus Cristo deixou-nos o mandamento novo “amai-vos uns aos outros”, na medida Dele, “como eu vos amei” (Jo 13,34). Então, é de estranhar que alguém que se diz defensor dos valores cristãos o fazer hostilizando pessoas, com sentimentos de aversão ao próximo, com palavras de ódio estabelecendo muros entre o “nós e eles”. Já as palavras e sentimentos de Jesus vão na direção da misericórdia, da compaixão e da acolhida fraterna. Seu mandamento novo, o do amor, ordena a seus discípulos a amarem até mesmo os inimigos (cf. Mt 5,44). Jamais pagar mal com o mal e sempre fazer o bem a outrem (cf. Lc 6,27). Esses são os valores cristãos. Hostilidade, preconceito, ódio a quem pensa, vive ou é diferente não são sentimentos cristãos. Qualquer sinal de violência, até mesmo palavras, foi enfaticamente reprovado pelo Divino Mestre.
Jesus assim fixa o essencial do ser cristão “amar a Deus e ao próximo como a si mesmo” (cf. Mc 12,28-33). No centro da religião cristã está Deus e a pessoa humana, com sua dignidade criada a imagem e semelhança de Deus. Combater pessoas, negar-lhe a dignidade pode ser qualquer coisa, menos valor cristão. Quem exclui o próximo da prática religiosa, exclui também a Deus, “pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê (1Jo 4,20)”.
A Campanha da Fraternidade deste ano tem por tema a amizade social. Ela se inspira na carta encíclica do Papa Francisco, Fratelli tutti, que por sua vez se inspira no nobre sentimento de São Francisco de a todos amar como irmão. E o Santo de Assis se deixa transformar pelo modelo do evangelho, pelo mandamento do amor. Ora, amizade é, então um sentimento que o cristão deve buscar como dom de Deus. A evangelização acontece por atração, por princípios de amizade que é a base da fraternidade. Não há como defender valores cristão ou evangelizar com atitudes hostis e fazendo inimigos.
A proposta da campanha, concomitante a Quaresma, é promover a conversão, seja no âmbito pessoal como no social. No caso presente, combater em nós e por extensão na sociedade, os ímpetos de ódio, vingança, hostilidade, enfim, de inimizades contra aqueles que Deus nos deu como irmãos e irmãs.
A proposta da conversão é trabalhar nossos sentimentos que levam ao pecado. Não temos como impedir o que sentir. Mas temos o dever moral de contrapor ao sentimento mal os ensinamentos do evangelho. Impossível deixar de sentir algo diante de pessoas e fatos. Vamos sentir simpatia, antipatia ou talvez nada, apatia. No caso da antipatia é nosso dever impedir que ela se manifeste em atitudes de aversão e inimizade. No seu lugar, à luz do evangelho, devemos buscar tratar a todos com cordialidade e ser solidários com quem está sofrendo, pondo em prática o mandamento do amor, a caridade.
Pe. Silvio José Dias