“Deixo-lhes a paz, a minha paz eu lhes dou. Minha paz não é a que o mundo dá” (Jo.14,27).
Introdução – A paz é algo que ansiamos, buscamos e também desejamos aos outros. O próprio Jesus nos ofereceu sua paz. A saudação litúrgica nos faz recordar esse dom precioso. A paz é um dom do Ressuscitado que saúda seus discípulos desejando-lhes paz! O primeiro dia do ano é dedicado à paz; é como um desejo do que esperamos desfrutar ao longo do ano todo. Continuamos nossa proposta em conhecer aspectos sobre a doutrina social da Igreja, ou seja, as consequências sociais dos ensinamentos de Cristo. Nesse sentido, hoje vamos refletir sobre a paz. O que se entende por paz; o que a ameaça; o dever dos cristãos em promover a paz.
O que é a paz – A paz não é ausência de guerra, nem equilíbrio estável entre nações inimigas. Muito mais que isso, a paz é uma situação de saúde, de tranquilidade, de plenitude de dons e de vida, enfim, bem-estar no dia a dia. É isso que se encerra na saudação “Shalom”, que expressa a plenitude dos dons messiânicos. Quando Jesus nasceu o anúncio do anjo foi justamente nesse sentido: “paz na terra aos homens por ele amados” (Lc.2,14). “Ele é nossa paz” (Ef.2,14). Podemos dizer que paz é fruto da realização da vontade de Deus, ou seja, da harmoniosa relação do ser humano com Deus, consigo mesmo, com seus semelhantes e com o mundo onde está situado. O pecado, que desconsidera a vontade de Deus, altera essas relações. Frente a Deus, em vez de filho, o homem quer fazer a própria vontade e, assim, impor-se como senhor. Diante do próximo, ao invés de irmão, quer dominar. Em relação ao mundo, em vez de guardião, explora e destrói de maneira gananciosa e despótica. Assim, desconsiderando o projeto de Deus, o ser humano altera essas relações e perde a paz. Vemos que a paz está diretamente relacionada à realização do projeto de Deus. Não poderá haver paz desconsiderando-se Deus e seu projeto. A paz buscada pelo mundo se reduz a estratégias de superação de conflitos. A paz que Cristo oferece, e a Igreja busca, tem bases mais profundas. São João XIII, na encíclica Pacem in Terris (1963) diz que: “A paz só pode estabelecer-se de modo duradouro no respeito absoluto da ordem estabelecida por Deus” (n.1). Esta ordem se baseia na verdade, na justiça, no amor, na liberdade, na solidariedade.
Evitar as conflitos e construir a paz – Na exortação apostólica Evangelii Gaudium (2013), o Papa Francisco escreve sobre situações que podem gerar conflitos: “Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos, será impossível desarraigar a violência. Acusam os pobres e as populações mais pobres de violência, mas sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar explosão. […] Isso não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e econômico é injusto na sua raiz” (n.59). A paz é uma das questões que mais preocupam o homem contemporâneo. Três pontificados do século XX indicaram caminhos para se evitar conflitos e construir uma paz duradoura. Pio XII, pelas alocuções e mesmo pelo lema de seu pontificado, enfatizava que “a paz é fruto da justiça” (cf. Tg.3,18). Paulo VI indicou o desenvolvimento dos povos como condição para a paz (Populorum Progressio, 83). João Paulo II destacou a solidariedade entre as pessoas e os povos como caminho seguro para a paz (Sollicitudo Rei Socialis, 26).
O mundo digital nos aproxima daqueles que pensam de maneira semelhante à nossa; enquanto os que pensam diferente são excluídos de nossas redes. Assim vai se criando uma bolha de intolerância que, perigosamente, tende a culminar no ódio de quem quer excluir ou mesmo eliminar aqueles que não partilham das mesmas convicções. De maneira semelhante, a paz também nasce pequena, no íntimo de cada um de nós, e vai se espalhando. A paz germina do conhecimento e meditação da Palavra de Deus, da oração, da sincera disposição para o entendimento, o perdão, a reconciliação. Essas atitudes germinam dentro de nós e tendem a se comunicar para a família, o círculo de amigos e, finalmente, para a sociedade. Assim nasce a paz; assim o cristianismo é um poderoso meio para o favorecimento da paz no mundo. Politicamente (ou seja, pelo modo de organizar a sociedade), a Igreja age em vista a construir a paz. Ela se empenha para que os direitos humanos sejam respeitados, exorta ao desarmamento, se empenha em vista ao desenvolvimento econômico e social, a fim de que se estabeleçam as bases para a convivência pacífica da sociedade. Em muitas situações, a Igreja atua diretamente nas negociações em vista da paz. Com esse propósito, participa de Conselhos Mundiais como na ONU (participa diretamente na resolução de conflitos), na FAO (que tem em vista a questão alimentar e a superação da fome), na UNESCO (que tem por objetivo a promoção da educação, a ciência e a cultura), na OCDE (para a segurança e a cooperação entre países), etc. A Igreja se coloca contrária a produção e ao comércio de armas, especialmente as de destruição em massa, como as armas químicas, biológicas, nucleares, etc. Reconhece apenas que os países tenham os meios necessários para sua defesa. Fundamentada nos princípios cristãos, a Igreja, institucionalmente e por meio de cada um dos fiéis, empenha-se em promover e manter a paz.
Dom Wilson Angotti
Bispo Diocesano