“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt.22,21).
Jesus não deixou ensinamentos específicos sobre muitos temas, entre eles a política, porém, o que ensinou ilumina todas as realidades humanas colocando-as a serviço da vida, do bem comum e, acima de tudo, dentro da história da salvação. A política é uma dessas realidades que devem ser iluminadas e aperfeiçoadas pelos ensinamentos de Cristo. Se pensarmos que Cristo não tem nada a dizer sobre uma ou outra realidade humana é como se limitássemos a atuação do Senhor ou privássemos tal realidade da ação salvadora de Cristo. A seguir, procuraremos apresentar como os ensinamentos de Cristo e, consequentemente de sua Igreja, contribuem em fazer com que a política seja melhor, se desenvolva para benefício humano e segundo os planos de Deus.
Política e sua finalidade – A palavra “política” tem sua origem na palavra grega “polis” que significa “cidade”. Refere-se à ação que tem em vista organizar a convivência entre os cidadãos. Esta organização é necessária porque vivendo em sociedade e cada um pensando de uma maneira diferente é indispensável a busca do bem comum. Caso contrário haveria a imposição dos mais fortes sobre os mais fracos e se estabeleceria um grande desequilíbrio social. A política tem em vista buscar o bem comum, evitando o injusto favorecimento pessoal ou de pequenos grupos privilegiados. É dever de justiça ter uma sociedade organizada, pois todas as pessoas têm a mesma dignidade. Não importa se alguém é rico, pobre, com deficiência, doente ou idoso; todos foram criados à imagem e semelhança de Deus. Essa é uma contribuição que o cristianismo ofereceu à organização da sociedade e é o fundamento dos direitos humanos. Na ótica cristã, em primeiro lugar está a pessoa humana, a seguir a sociedade e finalmente a organização política do Estado. Para sobreviver, a pessoa tem necessidade dos outros. Todo ser humano depende das relações sociais, depende da sociedade. Para melhor organizar-se a sociedade depende da política. Em outras palavras, a política serve para organizar a sociedade tendo em vista o bem de todos. Por sua vez, a política deve ter sempre em vista o bem-estar tanto das pessoas como dos povos. A política deve, pois estar a serviço da pessoa e da sociedade. Nesse sentido, é dever dos cristãos colaborar com a ordem social. Aqueles que estão investidos de autoridade devem exercê-la como um serviço. Junto aos discípulos que ansiavam pelo poder, Jesus estabeleceu uma nova regra: “Aquele, dentre vós, que quiser tornar-se grande seja aquele que serve” (Mt.20,26). Tendo por base o princípio cristão de sempre buscar o bem do próximo, Pio XI disse que: “A política é a forma mais perfeita da caridade”. Essa frase foi repetida por São Paulo VI e, recentemente, pelo Papa Francisco (24 maio 2022). O cristão tem o amor como maior mandamento. Quem ama empenha-se pelo bem do outro; quem ama serve. Quem serve busca o bem comum, não o próprio.
A democracia – Existem várias maneiras de exercer o poder sócio político (monarquia, aristocracia, democracia, etc). A palavra “democracia” vem do grego e significa “governo do povo”. São João Paulo II manifestou que: “A Igreja vê com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno (…) Uma autêntica democracia só é possível num Estado de Direito e sobre a base de uma reta concepção da pessoa humana” (Centesimus Annus, n. 46). O estado de direito só é possível quando existe a divisão do poder. A Igreja é expressamente a favor do princípio da divisão do poder. Só com poder judicial, legislativo e executivo independentes um do outro é possível existir estado de direito; ou seja, um estado em que a lei é respeitada. Num estado de direito uns elaboram as leis, outros as executam e outros julgam. O poder concentrado numa pessoa pode ser facilmente corrompido e tornar-se despótico, ditatorial. Além dos poderes independentes, numa democracia, é fundamental a imprensa livre. Quando o poder político manipula a informação e a usa para fins ideológicos ou propagandísticos é lesado o direito fundamental que toda pessoa tem à verdade. Apesar de ter simpatia pela democracia, a Igreja reserva-se o direito de manter distancia crítica a respeito a todas as formas de organização política. Ela apoia as formas democráticas de governo, mas não as idealiza, pois, a democracia também não está imune às falhas e erros. Algo pode ser democraticamente escolhido mesmo não sendo moralmente correto. Nem tudo que é democraticamente escolhido é coerente com o Evangelho. Por mais legítimo que seja um governo, ninguém pode ser obrigado a alguma coisa que contradiga fundamentalmente seus valores e convicções mais profundas. Nesse sentido é possível a desobediência por objeção de consciência. “O cidadão não está obrigado em consciência a seguir as prescrições das autoridades civis, se são contrárias às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho” (Catecismo Igreja Católica, 2242). Essa recusa está fundada na distinção entre o serviço a Deus e o serviço à comunidade política. “Dai a César (imperador romano) o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Como afirma o apóstolo Pedro: “É preciso obedecer antes a Deus que aos homens” (At.5,29).
Dom Wilson Angotti
Bispo de Taubaté