Eu gostaria muito de fazer poesia com o papel que os profissionais de saúde vêm exercendo nessa crise toda. Mas estamos vivendo uma situação tão peculiar de caos e tragédia que não cabem mesmo, aqui, os eflúvios de Apolo, patrono dos músicos e poetas e… dos médicos. Estamos diante de uma realidade crua. Nada poética.
O inimigo não tem patrono, mas tem nome: Coronavírus. Bastardo, não se lhe atribuem paternidade alguma, nem chinesa, nem americana, nem italiana; nem mesmo a ignorância da humanidade, que possa tê-lo gerado num descuido qualquer de sua responsabilidade sanitária.
O bonito nessa babel é que a um grupo de soldados rasos que assumem a linha de frente nessa guerra que se trava entre a ciência e a realidade da morte iminente, não há espaço para o medo, a covardia, a deserção. Os hospitais, as UPAs e UBSs são trincheiras em que o heroísmo dá lugar ao pragmatismo. Ninguém quer ser herói. Ninguém quer ser mártir. Apenas servir e honrar o compromisso assumido quando se propôs abraçar uma profissão de risco, seja ela sacramentada por um diploma formal ou por um concurso público. Sabem que o seu desempenho – sejam eles médicos, enfermeiros, atendentes, oficiais administrativos, motoristas ou serventes – é um compromisso de caráter social. Esses profissionais são diferenciados e a linha que separa sua abnegação social da caridade evangélica é muito tênue.
Nós, católicos, que atribuímos transcendência às mais prosaicas situações, entendemos que esses soldados da saúde pública sejam os anjos de que se serve o Pai para proteger seus filhos nessa luta em que os Miguels, Rafaels e Gabriels se chamam Sandro, Priscila, Adriana, Ana Célia, e tantos outros nomes que não caberiam nessas minhas considerações.
Nada tão oportuno como a reflexão que enseja a Campanha da Fraternidade deste ano, que contempla a Fraternidade e Vida como seu tema central e Dom e Compromisso como seu lema emblemático. Não fosse isso, a figura de nossa Santa Dulce dos Pobres como o símbolo da abnegação social e da caridade evangélica – aqui sem qualquer linha que as separe –, adotada como o Anjo Bom nessa Quaresma, bastaria por si só para lembrar ao nosso povo que ele não está sozinho. Nossos anjos bons e soldados valentes estão velando por nós e lutando contra o mal, oferecendo seu compromisso e seus dons pela fraternidade e pela vida.
A eles, os profissionais da saúde, a nossa veneração, o nosso respeito, a nossa admiração, a nossa gratidão. Por eles, as nossas orações.
Henrique Faria
Fonte: Jornal O Lábaro edição março 2020