Eram quatro e meia da manhã e fazia um frio que aumentava a dor de acordar tão cedo. Era preciso ir rápido, pois logo começariam as orações, que se estenderiam até às oito horas, quando, só então, seria servido o desjejum. Entrei na capela e algumas pessoas já estavam por lá: padres, freiras e leigos. Aos poucos, a turma ia chegando.
Fechei os olhos para rezar, mas me ajoelhei para aguentar a sonolência. Fiquei assim por não sei quanto tempo, exatamente. Escutava-se poucos sons, geralmente vindo das vestes dos religiosos, porque nem os passos faziam barulho. O silêncio era absurdo e acolhedor. Parecia que o mundo estava absorvido em um estado primordial e que nunca tinha havido nem buzinas de carro, nem gritos urbanos, nem correrias de trabalho. O mundo é outro quando se faz silêncio. Quando abri os olhos, a capela estava cheia! De onde vieram? Como chegaram sem se fazerem notar? Havia um cuidado até no andar e no sentar e no se ajoelhar: ninguém queria fazer barulho, que nesse contexto parecia um pecado contra o Espírito Santo.
Após meia hora em que cada um poderia fazer sua leitura espiritual, um padre, mestre de canto, levantou-se e “feriu” um tom em alta voz, convocando a assembleia a entoar louvores a Deus pela Liturgia das Horas. Bem treinados que eram, os residentes daquele mosteiro cantavam a três e até quatro vozes, em um jogo impressionante de melodias. O “glória ao Pai…” era sempre entoado em pé, curvando o corpo em atitude de adoração e piedade. Terminada essa liturgia, mais silêncio… dessa vez, preparando a celebração da missa.
A Eucaristia convidava ao recolhimento. Durante aquele culto, o silêncio era o mestre de cerimônias de Deus. Tudo era conduzido com calma, sem ruídos, sem gestos desnecessários. Não atrapalhar o Senhor era a principal regra e, para isso, todos precisavam colaborar na continência das palavras e na temperança das atitudes.
Quando tudo terminou e era a hora da refeição, eu não sabia se estava tonto de fome ou da sequência inesperada de orações matinais. A primeira golada de café foi de um prazer indescritível, acompanhada de pão artesanal e geleia. Sinceramente, não me lembro do que li naquela madrugada, nem o que cantamos nos salmos e muito menos do que o padre pregou brevemente na missa. Mas do silêncio em extinção e do café com pão e geleia eu nunca mais esqueci.
Pe. Marcelo Henrique,
reitor do Seminário de Filosofia