Depois da série de artigos sobre a iconografia e o uso da cruz sobre o altar, gostaria de discorrer neste mês sobre o sentido profundamente teológico que há em assinar algum documento sobre o altar. Para tanto, valho-me de duas citações. A primeira referente ao Rito da Profissão Perpétua dos Religiosos: “é aconselhável que o próprio professo coloque sobre o altar a carta de profissão religiosa; e, se puder fazê-lo com facilidade, assine a carta EM CIMA do altar. Feito isto, volta para o seu lugar” (Pontifical Romano p. 356). A segunda é tirada do Ritual do Matrimônio: “Terminada a celebração, as testemunhas e o ministro assinam a ata do casamento, na sacristia ou diante do povo, mas NUNCA sobre o altar”. (rubrica após a benção final).
Encontramos aqui a distinção entre dois documentos: a Carta de Profissão Religiosa que o religioso(a) profere no momento em que se consagra a Deus e a Ata de Casamento (por consequência, todas as demais atas, como a Ata de Ordenação, a da dedicação de uma igreja, entre outros e, por analogia, decretos de qualquer espécie, como os decretos de criação de paróquia ou de nomeação de novos párocos). Em que tais documentos se diferem a ponto da carta de consagração religiosa merecer ser assinada sobre o altar e todos os demais documentos eclesiais serem proibidos, como se deduz da peremptória afirmação que ata de casamento nunca pode ser assinada sobre o altar?
Atas de casamento, de ordenação, da dedicação de uma igreja, etc são meios de perpetuar na história humana algum fato memorável, guardando a memória de tal acontecimento por meio da redação de uma ata. Um decreto ou provisão do bispo é um ato formal da autoridade episcopal que determina certa realidade para o bem da Igreja de Deus. Já a carta de profissão religiosa “é uma promessa livre e deliberada feita ao próprio Deus” (cânon 1191 §1). Portanto, a carta de consagração religiosa não se constitui apenas em um escrito assim redigido destinado aos homens. O decreto de criação de uma paróquia ou a ata de casamento ou ordenação, por exemplo, sempre serão para o louvor a Deus, mas são documentos destinados aos homens que guardam a memória de tal fato por meio da ata ou, de ora em diante, constituem-se como “paróquia” por força do decreto emanado. A carta de consagração religiosa, por sua vez, é destinada a Deus, enquanto livre promessa que o candidato à vida religiosa faz de si mesmo ao Senhor.
Segundo a tese de doutorado de Denílson Geraldo, canonista, “essa definição de voto (que a carta de profissão religiosa expressa) constitui um verdadeiro culto a Deus, com a qual a pessoa quer honrar a Deus como Senhor de toda criação”. Sendo verdadeiro culto ao Senhor, a referida carta não só pode como deve ser assinada sobre o altar. Todos os demais documentos da Igreja, por importantes que sejam, não deveriam ser postos sobre o altar e, menos ainda, assinados sobre o mesmo, para resguardar este espaço tão sagrado como exclusivamente lugar de culto ao Senhor.
Quando se fizer necessário assinar algum documento no ínterim de celebrações litúrgicas, seria conveniente que o responsável cerimonial da celebração providenciasse que tais documentos fossem assinados, por exemplo, na credência da igreja. Caso haja muito incômodo para tanto, ou tal ato parecer assim diminuir a grandeza do momento, seja pela localização da credência, seja por seu menor espaço, conviria ter uma pequena mesa, ou, que permaneça no presbitério durante toda a celebração, caso seja bela, de pequeno porte e que não atrapalhe o desenrolar celebrativo nem mesmo obstrua a visão dos fiéis quanto aos ritos que acontecem sobre o altar; ou que fosse trazida por acólitos até o presbitério nos momentos em que fosse exigida para as assinaturas, logo em seguida fosse retirada pelos mesmos acólitos de forma bem discreta.
Pode-se usar o ambão da Palavra de Deus para avisos, agradecimentos, homenagens e leitura de decreto ou provisões? Da mesma forma que o altar deve ser respeitado em sua dignidade, a mesa da Palavra de Deus (ou Ambão) também precisa ser reservada para o diálogo que se estabelece entre Deus e os homens (Deus que fala por meio das leituras e a comunidade reunida que lhe responde pelo Salmo Responsorial e pela oração da comunidade). Afirma a introdução do missal romano que “do ambão são proferidas as leituras, o salmo responsorial e o precônio pascal; também, se for conveniente, a homilia, a oração dos fiéis. É menos conveniente que usem o ambão o comentarista, o cantor ou o dirigente do coral” (nº 272). Assim, dever-se-ia proferir agradecimentos, avisos, homenagens e outros não da Mesa da Palavra de Deus, mas de uma outra estante.
Pe. Roger Matheus dos Santos
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