Recordemos que em 2014 e 2015 foram realizados dois sínodos, reunindo bispos, fiéis leigos e especialistas do mundo todo, que refletiram sobre a família, no contexto atual. Esse estudo amplo, à luz da fé, envolvendo realidades culturais e vivenciais das mais diversas, foi confiado ao Santo Padre, o Papa Francisco, a fim de que ele, expressando a comunhão Católica, apresentasse à Igreja e ao mundo as reflexões por ele organizadas e enriquecidas. No último mês de abril o Papa publicou a exortação apostólica pós-sinodal denominada Amoris Laetitia (pronuncia-se “letícia”); expressão latina que significa: A alegria do amor. Trata-se de um texto com 325 parágrafos, que se estendem por mais de duzentas páginas. A abordagem de muitos e variados temas justifica sua extensão. Essa exortação apresenta a alegria do amor vivido nas famílias como júbilo da Igreja. Significativamente publicada no contexto do Ano Santo da Misericórdia, a exortação conclama todos a tratarmos com misericórdia as famílias que passam por situações de crise e sofrimento. O documento pós-sinodal, além de orientar a reflexão, o diálogo e a prática pastoral da Igreja em relação às famílias, pretende servir de estímulo, encorajamento e ajuda às famílias em sua vivência diária, desafios, lutas e dificuldades. Seu objetivo é que todos se sintam estimulados a apreciar os dons do matrimônio e da família e a cultivar e manter um amor forte que se expresse por valores como o serviço, a generosidade, a fidelidade, a paciência, o diálogo e o perdão.
O longo texto, divido em nove capítulos, inicia-se buscando na Sagrada Escritura a inspiração que fundamenta toda a reflexão. Em seguida é contemplada a situação das famílias de hoje, com suas fragilidades, sofrimentos e crises. O ideal exigente de Jesus é apresentado como motivação que estimula continuamente ao crescimento e à realização. Lembrada é também sua atitude misericordiosa que acolhe a fragilidade humana representada no significativo encontro com a samaritana e a mulher adúltera. Na sequencia, mantendo o olhar fixo em Jesus, o Papa recorda elementos essenciais do secular ensinamento da Igreja acerca do matrimônio e da família e trata de temas como a indissolubilidade, a sacramentalidade do matrimônio, a transmissão da vida, a educação dos filhos. Assuntos que expressam a vocação da família, segundo a ótica cristã. Nesta altura do texto encontramos valiosas indicações pastorais em vista à constituição de famílias sólidas, partindo de uma boa preparação para o matrimônio, acompanhamento dos esposos nos primeiros anos de casamento, orientação para uma paternidade responsável e a descobrir nas crises possibilidades de amadurecimento. Àqueles que não conseguiram realizar o que desejavam como projeto de família e sofreram o abandono, separações ou divórcio é reiterada a plena comunhão eucarística. Falando dos que vivem em segunda união, a exortação propõe que sejam acolhidos a fim de que um acompanhamento fraterno os faça sentir sempre mais integrados na comunhão eclesial.
Dois capítulos são dedicados ao amor. Amor vivido entre os cônjuges e que passa por diferentes fases ao longo da vida; o amor que se abre em relação aos filhos, mas também aos outros parentes e amigos, estabelecendo uma “cultura do encontro” e expandindo a compreensão de família. Esse amor acolhe o diferente, recusa discriminação, supera conflitos, subtrai do isolamento, conforta diante das perdas, transforma a vida. O Papa dedica um capítulo em especial à educação dos filhos. Educação integral, abrangendo todos os aspectos da vida. Educação baseada na fé e nos valores que dignificam a pessoa, visando ao seu amadurecimento e preparando-a para viver a liberdade, a autêntica autonomia e o amor, que leva à abertura e à doação aos outros.
O oitavo capítulo nos interpela a todos fazendo um convite à misericórdia e ao discernimento pastoral diante de situações que não correspondem plenamente ao que o Senhor propõe. Três ações são aqui evidenciadas: acompanhar, discernir e integrar. Em vista disso, o Papa convida os fiéis que vivem situações complexas a se aproximarem e dialogarem com seus pastores de quem eles, mesmo quando não encontram a confirmação de seus anseios, poderão receber luz e indicação para um caminho a ser feito. Os pastores são convidados pelo Papa a escutar com carinho e serenidade, sentindo o drama de cada família, ajudando a pessoa a viver melhor e reconhecer o seu lugar na Igreja. Por fim, é abordado o tema da espiritualidade conjugal e familiar mostrando que a vida em família, com suas alegrias e suas dificuldades, pode ser ocasião para intensa comunhão com o Senhor e profunda vivência cristã. Que ninguém desanime por causa dos próprios limites e ninguém renuncie a buscar a plenitude do amor e da comunhão que nos foi prometida e que temos por meta.
Dom Wilson Angotti
Bispo da Diocese de Taubaté
Fonte: Jornal O Lábaro – edição junho e julho/2016