Padre Marcelo Henrique: Um jovem sacerdote vivendo a alegria do ministério

Ordenado no dia 19 de março deste ano, aos 25 anos de idade, o Pe. Marcelo Henrique de Souza é o mais jovem sacerdote da Diocese de Taubaté. Vocação cultivada no seio familiar, florescida na comunidade, amadurecida ao longo de oito anos de formação, concretizada agora no altar e na pastoral junto ao povo de Deus.

O LÁBARO: Como foi a sua infância e quais as recordações mais marcantes?

Pe. Marcelo: Falar do passado é sempre uma coisa prazerosa e complicada. Prazerosa porque há muitas boas recordações de pessoas, lugares e fatos. Complicada porque nem sempre damos a devida dimensão para determinados acontecimentos. Mas quero olhar para a minha infância, hoje, com um olhar positivo. Lembro-me da chácara dos meus avós paternos, lugar mágico para quem estava ainda descobrindo o que é viver. Era tão maior do que hoje, pois a medida não estava nos metros quadrados do terreno, mas no significado afetivo que ele tinha para mim. Adorava as árvores… havia muitas frutíferas: pessegueiros, mangueiras, mamoeiros, bananeiras, jabuticabeira, goiabeira etc. Um pé de romã ainda se estira em frente à porta da sala, onde a vó Helena se sentava comigo para comer as sementinhas de romã e dar atenção para meus sonhos de criança. Existia, inclusive, um pequeníssimo lago com peixes, que eu gostava de ver todo dia. Dentro da casa, de mobília antiga cheirando a lustra móveis e um chão de taco meio gasto, havia uns quadros que sempre me impressionaram muito pela beleza e delicadeza (eram estampas de Monet e outros impressionistas). Os almoços de domingo eram na casa da outra avó, a materna, Lourdes. Ali a família se reunia em torno daquela velhinha de sorriso fácil e abraço apertado, que mesmo os que não eram da família gostavam de chamar de vó. Era triste quando o dia escurecia e tínhamos que voltar para casa. Quanto à vida de segunda a sábado, era basicamente preenchida pela escola, pela chácara da vó e pelas brincadeiras e conversas com meu pai e minha mãe. Fazendo um balanço geral, não posso reclamar da infância que tive. Do ponto de vista da vocação, muitos fatos dela me preparam a mente e o coração para minha decisão pela vida como padre.

O LÁBARO: Em que momento descobriu que queria ser padre? Qual foi a motivação?

padre-marcelo-henrique-labaroPe. Marcelo: A descoberta da vocação foi fruto de um processo. Os valores aprendidos em casa e minhas experiências de Deus quando criança formavam um pano de fundo em cima do qual o desejo de ser padre foi sendo construído. Mas as coisas ficaram explícitas quando comecei a participar mais da vida da Igreja. Na época, eu pertencia à paróquia Santo Antônio de Lisboa, em Taubaté, e o pároco era o Padre Elair. Eu tinha uns doze anos e, numa missa, ele me chamou para ser coroinha. Daí em diante, fui me engajando progressivamente na vida pastoral: fui catequista, sacristão e coordenador de coroinhas. Passei a fazer os encontros vocacionais em 2006, quando o então seminarista Celso (hoje pároco da igreja Nossa Senhora do Belém) foi estagiar na Santo Antônio e colaborava, ao mesmo tempo, na Pastoral Vocacional diocesana. Foi ele quem me indicou os encontros, dos quais participei até o fim de 2007, ingressando no seminário em 2008. Enfim, houve fatores internos e externos que me conduziram ao discernimento da vida presbiteral: desde a minha personalidade e a educação oferecida por meus pais até as experiências de espiritualidade e vida de comunidade que pude vivenciar.

O LÁBARO: Como foi a reação de sua família?

Pe. Marcelo: Positiva, com alguns receios já previstos. A primeira pessoa com quem conversei foi minha mãe. Segundo ela me contou depois, já era perceptível em mim uma certa inclinação para as coisas da Igreja, desde que eu começara a ajudar como coroinha. Ela tinha receio disso, mas já começava a se preparar para uma possível decisão de minha parte. Quando tivemos uma conversa séria sobre o assunto, ela me repetiu uma frase que desde muito cedo gostava de me dizer: “Seja uma boa pessoa, seja feliz e ajude as pessoas a serem felizes, independentemente do caminho que você escolher”. Depois foi a vez do meu pai. Eu me preocupava com a possibilidade de ele não gostar, ainda que já imaginava que ele não se oporia – não é muito o perfil dele. Pedi a minha mãe que adiantasse a conversa e, depois, tratamos do assunto eu e ele. Também ele me disse uma frase que ficou marcada: “você será pai e irmão para muita gente… leve isso a sério”. O resto da família se dividia nas opiniões: uns achavam pouco provável que isso fosse dar certo, que eu seria padre; outros já punham mais fé nas minhas perspectivas de futuro.

O LÁBARO: Como foi a vida no seminário? Quais os aprendizados fundamentais?

Pe. Marcelo: Entrei no seminário com 17 anos. Estava muito entusiasmado. Os dois primeiros anos foram de adaptações a um novo estilo de vida, marcado pela disciplina de horários, distância da família, foco nos estudos, vida pastoral intensa etc. Foi um tempo de muitas novidades. Depois disso, a rotina foi se assentando, como é natural e esperado. Fui sentir uma nova quebra de rotina quando fui para a etapa da teologia, pois a mudança do curso acadêmico e a proximidade do ministério criavam um novo “clima” de expectativas. Fazendo um balanço geral de meus oito anos de formação seminarística, diria que alguns dos aprendizados que pude adquirir são: o gosto pelo estudo, a consciência da necessidade da espiritualidade, o respeito pela história dos outros, o valor das amizades e o quanto a Igreja pode ser fecunda em ajudar as pessoas.

O LÁBARO: E a formação acadêmica? O que mais o marcou nesse tempo?

Pe. Marcelo: O primeiro ano (Propedêutico) foi bem intenso, pois eu estudava de manhã e à tarde no seminário e à noite ia para o colégio. Eu estava ainda no último ano do ensino médio. Depois vieram os anos de filosofia, na faculdade Dehoniana. Sinceramente, eu não sabia muito o que me esperava, apenas queria ser padre. Todavia, estes anos de estudo foram muito importantes para que eu pudesse ampliar minha visão sobre o mundo, o ser humano e o ministério sacerdotal. Tive a graça de ouvir ótimos professores, homens e mulheres que querem o melhor para a humanidade e buscavam nos transmitir isso do melhor modo que podiam. Acredito que o principal aprendizado desse período foi o despertar de minha consciência para a necessidade de a Igreja ser relevante, pertinente, de ela dar respostas consistentes às perguntas e situações reais da vida atual. Não basta eu rezar pelo mundo para que ele seja salvo: é preciso colaborar com a Graça que age na Igreja para que a salvação aconteça em todas as dimensões da vida humana. Em 2012, comecei o curso de teologia, também na Dehoniana. Foram quatro anos decisivos em diversos sentidos, desde a decisão em ser realmente padre até as linhas gerais que orientam hoje esse meu início de ministério. Felizmente, pude aprofundar meus conhecimentos sobre Deus e sobre a Igreja com professores excelentes. A eles deverei, para sempre, minha gratidão por me ajudarem a amadurecer como pessoa e como fiel.
O LÁBARO: Em todo caminho que fazemos, é natural que haja desafios. Em algum momento teve dúvida ou pensou em desistir da vocação? O que o levou a seguir em frente?
Pe. Marcelo: No segundo ano de seminário, escutei um colega que já estava há muito mais tempo que eu se preparando para ser padre, que ele nunca tivera dúvidas sobre a própria vocação. Fiquei admirado e desejei que assim fosse também comigo. Contudo, a vida não é programável. Algumas vezes, realmente, pensei que talvez esse não fosse meu caminho. Recordo-me que, uma vez, falei para o reitor que estava querendo um tempo para pensar. Felizmente, ele não me deixou voltar para casa, mas me incentivou a permanecer e lutar pelo meu ideal. Nesses momentos de escuridão ou de crise, muito me fortaleceram a presença e o apoio da família e dos amigos, sobretudo os padres amigos. Além disso, é claro, há sempre a decisão que é pessoal e intransferível: nas horas cruciais, eu me via forçado a amadurecer minha visão de vocação e a escolher seguir ou não. Para isso, a oração e a reflexão são ótimas companheiras.

O LÁBARO: Durante o tempo de formação, onde você realizou a sua pastoral? Que trabalhos e aprendizados você destacaria?

padre-marcelo-henrique-labaro01Pe. Marcelo: No ano de 2008 trabalhei na Região 3 da antiga Capelania Rural, hoje pertencente à paróquia São Vicente de Paulo (Três Marias, Taubaté). Basicamente acompanhávamos o padre nas missas e os seminaristas mais velhos nas outras atividades (catequese, momentos devocionais, formações). Em 2009 e 2010 fui para a paróquia Nossa Senhora do Belém (onde aconteceu a minha ordenação presbiteral). Ali eu comecei a desenvolver mais minha iniciativa pastoral, propondo atividades e acompanhando certos afazeres de pastorais como a catequese e os coroinhas. De 2011 a 2012 fiz estágio na paróquia São José Operário (Vila São José, Taubaté). Foi um retorno à infância, pois lá eu fora batizado e participara de minhas primeiras missas, nas lotadíssimas celebrações com crianças presididas pelo padre Fred. Nessa fase, pude me aproximar mais dos ministros da comunhão eucarística e aperfeiçoar meu trabalho com a catequese, que eram as duas pastorais com que eu tinha mais contato. Em 2013, fui designado a trabalhar na paróquia São Miguel Arcanjo (Araretama, Pindamonhagaba). Fiquei ali apenas um ano, mas pude fazer boas amizades e conhecer leigos muito engajados que me mostraram vivamente o que é o protagonismo laical. Por fim, nos anos de 2014 e 2015, fui para a paróquia São José (Tremembé), onde vivenciei meus últimos passos como seminarista e os primeiros como ministro ordenado, ainda na condição de diácono.

O LÁBARO: Como você já disse, o seu diaconato foi exercido na Paróquia São José, em Tremembé. Fale dessa experiência.

Pe. Marcelo: Foi um tempo de muitas realizações e aprendizados. Por um lado, eu começava a exercer certas funções pela primeira vez, como acompanhar casamentos e ministrar o batismo. As primeiras celebrações foram muito emocionantes, ainda que dessem a impressão de que estava fazendo algo errado, já que, até então, aquilo era algo proibido para o seminarista Marcelo (risos). Também foram gratificantes os momentos de exposição, adoração e bênção com o Santíssimo Sacramento. Todavia, além dessas realizações, vieram também novos aprendizados, possibilitados pela nova fase. Pude estar mais próximo das pessoas e acompanhar um pouco mais a vida paroquial, sobretudo a partir de janeiro deste ano até o dia da ordenação sacerdotal. Nesse tempo intenso de pastoral, pude sedimentar certos conhecimentos aprendidos na faculdade e perceber que é preciso estar sempre atento ao real se queremos ser úteis às pessoas. Do contrário, nossos discursos e práticas se tornam obsoletos.

O LÁBARO: No dia 19 de março deste ano você foi ordenado sacerdote. Como se preparou para celebrar esse momento e como o celebrou?

Pe. Marcelo: Desde minha conversa com Dom Wilson, alguns dias após ter sido examinado pela banca final na faculdade, comecei os preparativos para a ordenação. Isso foi em meados de dezembro. Desse período até quase o final de janeiro, a preparação era mais interior, espiritual, psicológica. Fiquei uns dias descansando na casa da minha família e isso foi muito útil, pois funcionou como uma transição entre o período de estudos terminados e o novo tempo ministerial que se abria. Em fevereiro e março a preparação já era mais material, visando o bom êxito das celebrações ligadas à ordenação: tríduo preparatório, missa da ordenação, almoço de comemoração, primeiras missas. Uma semana antes da ordenação, fui para o retiro. Passei cinco dias no Mosteiro São João, das monjas beneditinas, em Campos do Jordão. Todo dia participava da missa cedo e passava o dia lendo e orando, basicamente. Até as refeições fazia sozinho no quarto, a fim de manter o máximo de reclusão possível. Quando começou o tríduo eu estava nervoso, tenso, preocupado. No último dia, eu fiquei um pouco mais tranqüilo. Na manhã da ordenação acordei com uma sensação muito estranha, que não sei explicar. No banho, eu tremia de calafrios, daqueles de bater o queixo mesmo (risos). De café da manhã, comi uma fruta para não ficar de estomago vazio e fui comer outra por volta de quatro e meia da tarde, quando já tinha chegado na casa paroquial. Na hora, a emoção foi tanta que não senti fome. Na missa, procurei rezar o máximo que pude e, no almoço, curti bastante estar com as pessoas que me querem bem e torcem pelo bom exercício do meu ministério.

O LÁBARO: Onde você está exercendo o seu ministério e como tem sido esse primeiro mês de sacerdócio?

Pe. Marcelo: Ao final da missa de ordenação, Dom Wilson leu o decreto em que eu era designado a colaborar com o padre Alan Rudz, como vigário paroquial na Paróquia São José, em Tremembé, onde já estava exercendo o diaconato. Foi uma feliz surpresa, pois eu já conhecia a realidade paroquial e o povo. Além disso, o Padre Alan sempre deu muito incentivo vocacional e seu ministério é uma escola de pastoral. Desse modo, as perspectivas já eram positivas. Agora, com quase um mês de padre, posso dizer que me sinto realizado em poder ser útil às pessoas, em poder ajudá-las a rezar, a manter viva a chama da esperança e o desejo de serem melhores. Algumas pessoas me perguntam o que tem sido mais marcante nesses dias. Eu sempre respondo: atender confissões. Pois é uma ocasião privilegiada de poder entender melhor o outro e ajudá-lo de uma maneira mais personalizada e direta.

O LÁBARO: Deixe uma mensagem aos jovens que já estão inseridos no processo de formação para o sacerdócio e àqueles que ainda estão fazendo o seu discernimento vocacional.

Pe. Marcelo: Às duas categorias de vocacionados, tanto aos aspirantes ao seminário como os que já estão inseridos na formação para o presbiterado, desejo que sejam perseverantes e mantenham viva a paixão por Deus e pela humanidade. Para mim, são os dois pulmões da vocação ao sacerdócio ministerial: Deus e a humanidade! E que busquem desenvolver suas próprias qualidades e talentos, pois a sociedade precisa de pessoas competentes e bem preparadas. Como ouvi de um padre antes mesmo de eu entrar para o seminário: “celebrar missa é fácil, ser padre é um desafio”. Somos herdeiros de grandes homens! Se ainda hoje algumas pessoas nos escutam é porque os que vieram antes de nós foram bons no que faziam, foram grandes padres. É fato que o quadro cultural atual é bem diverso daquele de cinqüenta anos atrás, quando era mais comum uma piedade mais acentuada entre os cristãos, o padre era uma figura de destaque social e a Igreja uma referência socialmente reconhecida. Cabe a nós zelar pelas conquistas dos que nos precederam, bem como ousar novas formas de viver o ministério, a fim de que, hoje, sejamos nós tão bons como os de outrora foram para o seu tempo.

Fonte: Jornal O Lábaro edição de abril de 2016

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