“A vida cristã é uma viagem no bojo do mistério pascal: é morte e é ressurreição”. Ouvi essa frase em uma missa do saudoso Pe. Pedro Lopes, na São José Operário, da Faria Lima. Pelo que me lembro, ele a atribuiu a Dom Fulton Sheen, bispo norte-americano.
A ideia se fundamenta nos mistérios da vida de Jesus Cristo. Ele morreu, Ele ressuscitou e, por sua cruz e vitória, fomos salvos. Assim, toda a vida da Igreja é Paixão e Páscoa, é morrer para a velha criatura e recomeçar como nova criação. No Batismo se é sepultado com Cristo e renascido nEle; na Eucaristia, o Calvário se atualiza e o Senhor adentra no Cenáculo com sua paz; na pregação da Igreja (catequese, homilia…), o Ressuscitado adentra nossa Emaús e faz arder nossos corações; na caridade praticada, o orgulho e a avareza são depostos e o humano coração de pedra se refaz em carne, ao modo do coração aberto de Jesus. Tudo na Igreja é morte e ressurreição.
Uma sensação que tenho quando presido missas é de uma “relativização” das coisas. Enquanto celebro, sinto que as coisas ganham novos delineados: grandes problemas não são tão grandes assim, aparentes sucessos soam desimportantes, cansaços incuráveis são descansados, preocupações são colocadas de molho. Na missa, a vida se reconfigura – ou seria melhor dizer, em linguagem de computador, que ela volta às suas configurações iniciais? A vida morre, a vida ressurge, “as coisas antigas já se passaram”.
Tenho notado que o mesmo se dá com qualquer pessoa que reza. Vejo, por exemplo, no auge de um dia útil uma pessoa entrando na igreja. Ela se senta, descansa no chão seus apetrechos, recompõe a postura e se põe em oração. Em centros urbanos isso é ainda mais notável. Lá fora, carros buzinam uma vida alucinada, alternando-se com vozes e passos de pessoas que vem e vão. Dentro da igreja, no entanto, alguém está parado, fora do circuito, inútil… está morto! Uma pessoa que se retira das solicitações da vida está, na prática, morta para este mundão maluco. E quem morre não precisa se preocupar com as mesmas coisas e do mesmo jeito que os vivos.
Novembro começa com os mortos sendo lembrados. Recordar os que se foram dá um misto de saudade por amor, angústia pelo fim e inveja pela libertação alcançada. Todavia, quando alguém nos pergunta se queremos morrer, a resposta costuma ser não, mesmo com a promessa de um céu feliz.
Ninguém que morrer. Mas, quando rezamos, morremos vivos e vivemos ressuscitados. Para quem reza, a vida é outra.
Pe. Marcelo Henrique, reitor do Seminário de Filosofia