Dom Wilson Angotti: um ano a serviço da Diocese de Taubaté

Em entrevista ao ‘O Lábaro’, bispo avaliou primeiro ano na diocese e destacou importância da vivência cristã nas famílias como desafio para Igreja.

Por Carlos Henrique dos Santos

Ao completar seu primeiro ano como bispo da Diocese de Taubaté, Dom Wilson Angotti faz um pedido simples, mas que considera muito importante aos fieis: “abra as portas de casa e o coração para Deus”.

Em entrevista ao Jornal ‘O Lábaro’ sobre o seu primeiro ano de ministério, Dom Wilson afirmou que as famílias passam por tempos desafiadores e é preciso que a vida cristã se dê não somente dentro das paróquias, mas que comece dentro das casas de cada um.

“Tenho solicitado que as famílias tenham pelo menos um encontro semanal de oração com leitura da palavra de Deus, feita em família. Que sejam 15 minutos, mas um dia que a família se reúna. A gente dedica tempo a tantas coisas e então que a família cristã dedique tempo a Deus, para que ela seja transformada e a presença de Deus ajude a família a viver melhor e superar desafios”, afirmou.

Além de destacar a necessidade de atender missionariamente as famílias, o bispo também falou sobre como tem sido sua adaptação, a reorganização administrativa que tem promovido na Diocese, os desafios, realizações e também suas perspectivas para seu ministério. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

O LÁBARO: Como foi a acolhida ao senhor aqui na Diocese de Taubaté?

Dom Wilson: A acolhida aqui na Diocese foi algo muito marcante. Percebi uma acolhida calorosa de alguém que era esperado mesmo, de um povo que queria acolher o bispo e o fazia com alegria. Foi muito significativo para mim, no dia de início do ministério, sair ali do Rosário, na antiga residência episcopal, e ir até a Catedral. Em todo percurso, o povo com alegria acompanhando, acolhendo. Aquele momento para mim foi muito significativo. Percebi um povo com o coração aberto para acolher o bispo que chegava. E isso me fez sentir muito em casa, muito bem. Foi algo que realmente me marcou.

O LÁBARO: Como foi a sua adaptação à diocese e à cidade?

Dom Wilson: Todo período de adaptação é um período exigente. Exige adaptação tanto de quem chega quanto de quem está para se adaptar ao novo. É um período de muitos ajustes e sempre ajustes exigem, desgastam de um lado ou de outro até colocar no lugar as coisas de modo que o novo possa acontecer.

A mudança sempre traz algo novo, algo novo que pode ser melhor, pode ser pior, mas sempre traz um desejo de mudança. E nesse sentido os ajustes causam um desconforto de um lado ou de outro, mas isso até que as coisas depois caminhem e a gente espera que sempre caminhem para um aperfeiçoamento. É isso que a gente busca e tem como intenção. É um processo lento. Aos poucos a gente vai sendo conhecido, vai conhecendo. É um processo que se faz. Eu estou me adaptando, as pessoas e o clero vão se adaptando. Mas, graças a Deus, está sendo feito com tranquilidade.

O LÁBARO: O senhor já conhecia as cidades que compõem a Diocese? Já conseguiu visitar todas as paróquias?

Dom Wilson: Das cidades da Diocese só conhecia Taubaté – por duas vezes já havia passado –, uma vez tinha estado em Campos do Jordão, mas não conhecia as outras cidades. Fui conhecendo depois de ter vido para cá, inclusive já estive várias vezes em todas as paróquias.

Tenho a oportunidade de fazer as visitas pastorais, isso sim são oportunidades em que fico na cidade. É um dia só, mas tenho condições de visitar as comunidades que compõem a paróquia, encontrar pessoas dessas comunidades, fazer celebrações, conversar mais detidamente com os padres, visitar as casas religiosas, as instituições da igreja, fazer celebrações com doentes, idosos e no final do dia ter a missa que reúne as pessoas da paróquia, e, também, reunião com equipes que dirigem a paróquia, tanto administrativamente quanto pastoralmente. Então, essas visitas pastorais me fazem ter um conhecimento melhor de cada uma das paróquias e da diocese como um todo.

O LÁBARO: Como o senhor vê a participação dos leigos na Diocese de Taubaté e como tem sido a sua relação com eles?

Dom Wilson: Vejo leigos muitíssimo dedicados aos trabalhos da Igreja. Uma participação muito forte, muito intensa, daqueles que de fato têm compromisso com a comunidade e que assumem os compromissos pastorais de ajudar como agentes pastorais. Um compromisso muito grande, uma dedicação muito grande. É de se admirar e louvo a Deus por isso, porque faz com que nossas comunidades e paróquias sejam comunidades vivas, dinâmicas, com compromisso de trabalho de evangelização.

O LÁBARO: E a sua relação com o clero?

Dom Wilson: O clero me acolheu com grande receptividade. Claro que nem sempre a gente vai agradar ou corresponder às expectativas de todos. Mas tenho tido por parte de todos, sem exceção, um relacionamento muito respeitoso, acolhedor e disposto sempre a colaborar. Acho que isso que é importante. Existem mentalidades diferentes, concepções diferentes de Igreja, talvez modos diferentes de trabalhar, mas isso compõe a beleza da Igreja. Vejo isso como riqueza da nossa Diocese.

O LÁBARO: Nesse primeiro ano, o que o senhor diagnosticou como características e desafios para a Igreja na diocese?

Dom Wilson: Como característica da Igreja ou mesmo desafio que enfrentamos, evidenciado e revelado pela Assembleia Diocesana Pastoral, nós temos que ter uma atenção muito grande com relação à família. De todas as indicações de desafios que foram levantadas foi enfatizada a questão da família. A família passa mesmo por momentos desafiadores.

A influência da sociedade hoje é muito forte sobre as famílias. Antigamente era ao contrário: as famílias influenciavam as pessoas. Hoje, as pessoas influenciam as famílias. Meios de comunicação influenciam e modificam a vida familiar. Então, a família passa por um processo de adaptação à nova realidade que exige atenção pastoral da Igreja.

Uma outra coisa que percebo como diagnóstico pastoral da nossa diocese e da realidade do Vale, e acho que é um desafio que temos que trabalhar, é que nossa realidade religiosa é muito fortemente marcada pela devoção. Temos que descobrir maneiras de aproveitar a devoção em vista da evangelização, pois a evangelização é a primeira missão da igreja. Nós não fomos enviados para criar devoções, fomos enviados como Igreja para evangelizar, para ensinar a todos o que de Cristo recebemos. Isso é a missão primeira da Igreja. Temos uma Igreja marcada fortemente por devoções, e isso é um desafio que temos: aproveitar as devoções para evangelizar.

A devoção cria ou gera a piedade, enquanto a evangelização gera a fé. Esta distinção tem que ser feita, não podemos ficar alimentando devoções, podemos aproveitar as que existem em função de uma verdadeira devoção.

O LÁBARO: Quais foram as principais realizações e avanços nesse primeiro ano à frente da diocese?

Dom Wilson: Eu destacaria como realizações as decisões colegiais. Tenho procurado, como compromisso pessoal, nunca tomar decisões isoladamente ou individualmente, mas sempre, em cada uma das decisões nos diferentes âmbitos, ter decisões colegiais, ouvindo aquele grupo mais envolvido com aquela realidade cuja decisão tem que ser tomada.

Nesse sentido, por exemplo, fortalecemos o conselho de formação, que atua junto aos seminários. É um passo importante. Tivemos a Assembleia Diocesana de Pastoral, que foi uma instância diocesana colegial para definir as diretrizes pastorais da Diocese. Isso também é importante. A formação da equipe administrativa e executiva da Diocese para agilizar processos de uma organização interna e a constituição de um novo conselho administrativo e econômico diocesano, que é obrigatório que a Diocese tenha.

As decisões colegiais são a tônica de um processo diferente de tomar decisões e de encaminhar as coisas na Diocese. Tanto na evangelização quanto na administração.

O LÁBARO: Quais foram as principais dificuldades nesse período?

Dom Wilson: A dificuldade maior foi na questão organizativa e administrativa. Quer queira quer não, a Igreja tem uma personalidade jurídica, e como tal tem que responder às exigências do Estado, município, de instituições às quais ela responde – como questões culturais –, questões administrativas e trabalhistas… essa organização, a estrutura dessa organização está sendo refeita e temos trabalhado nisso. E isso tem sido exigido muita atenção e tempo. Temos uma consultoria contratada para nos ajudar a pensar de uma maneira mais profissional, mais adequada, com estrutura organizativa para dar conta dos desafios e exigências que temos sobre nós como personalidade jurídica.

O LÁBARO: E a partir de agora, quais são os principais desafios e perspectivas?

Dom Wilson: Com a parte administrativa tendo uma nova organização, as coisas vão fluir de uma maneira mais fácil. As perspectivas em relação à pastoral, considerando os desafios que temos na diocese, penso que é importante que a gente trabalhe com a questão da família.

Ir missionariamente às famílias é o primeiro ponto. Temos que ir missionariamente àquelas famílias que estão afastadas. Evangelizar a família e ajudar para que a vida cristã, a iniciação cristã se dê ou tenha condição de acontecer dentro das famílias. Que não seja algo ‘terceirizado’ para que nas paróquias seja feito isso, mas que a vida cristã possa ter condições de ser iniciada dentro das famílias. Isso é um processo de ajuda às famílias no aspecto pastoral que temos que dar. Nesse sentido, eu tenho solicitado que as famílias tenham pelo menos um encontro semanal de oração com leitura da palavra de Deus, feita em família. Que sejam 15 minutos, mas um dia que a família se reúna. Isso eu tenho insistido e orientado os padres para que insistam também, como uma forma de evangelizar as famílias e de que elas deem espaço para Deus. A gente dedica tempo a tantas coisas e então que a família cristã dedique tempo a Deus, para que ela seja transformada e a presença de Deus ajude a família a viver melhor e a superar desafios. Isso vai também no aspecto de formação, de dar melhores condições à iniciação à vida cristã, tanto na família quando na paróquia. A formação é indispensável.

Além disso, um outro desafio que temos que trabalhar na Igreja hoje é o despertar de novas vocações, tanto para o ministério sacerdotal quanto para a vida religiosa e missionária.

O LÁBARO: Como tem sido a relação do senhor com as outras instituições, especialmente com o poder público?

Dom Wilson: A relação tem sido muito tranquila, tem sido feita institucionalmente como se deve, de maneira muito tranquila. Percebo uma mútua colaboração e disposição muito distendida de um colaborar com o outro naquilo que é possível. Então, vejo de maneira muito tranquila e produtiva. Vejo boas disposições não só na cidade de Taubaté, mas também nos outros municípios que compõem a Diocese. Um diálogo muito produtivo e de mútua colaboração.

O LÁBARO: Durante quatro anos, o senhor foi bispo auxiliar de Belo Horizonte, uma arquidiocese de grande referência para a Igreja no Brasil, e agora é bispo diocesano na região de Taubaté, que também tem uma longa e consistente história eclesial. O que mudou para o senhor e como sentiu essas mudanças?

Dom Wilson: A arquidiocese de Belo Horizonte tem uma sociedade fortemente marcada pela dimensão religiosa. Aqui no Vale a gente percebe a mesma coisa. A religião no Vale influencia fortemente as pessoas, são pessoas religiosas. Nesse sentido, não há muitas diferenças, guardadas as proporções.

Mas para mim, uma coisa que modificou, foi justamente aqui, como bispo, ter que decidir sozinho, porque antes em Belo Horizonte estava o arcebispo e estavam cinco bispos trabalhando conjuntamente. Nós pensávamos as coisas conjuntamente, refletíamos o caminho e as decisões a serem tomadas e cada um agia em sua região. Isso depois de ter pensado colegialmente. Aqui, como bispo, tenho que tomar as decisões individualmente, claro que sempre apoiado nessas instâncias de comunhão que temos, mas agora as decisões dependem de mim. A experiência de lá e a organização daquela Igreja me ajuda e dá parâmetros para trabalhar e tomar decisões aqui.

A organização de lá ajuda a repensar a organização necessária aqui. A organização é importante porque dá suporte a todo trabalho da Igreja. Isso é importante a gente ter claro, é importante a gente ter um suporte para um trabalho evangelizador.

O LÁBARO: Qual a mensagem o senhor deseja transmitir aos fiéis após um ano à frente da diocese?

Dom Wilson: As exigências da vida diária, os trabalhos profissionais, os compromissos na família, na sociedade, muitas vezes vão nos consumindo tanto, trazendo preocupações e eu diria às pessoas que tenham cuidado para que essas preocupações do dia a dia não nos deixem perder aquilo que é essencial: contato com as pessoas que nos cercam, contato com Deus, espaço para Deus em nossas vidas e em nossas famílias. Que cultivemos esse aspecto espiritual, porque não somos só matéria destinada a trabalhar e render. Somos pessoas, seres de relação com os outros e com Deus. Cultivemos isso com cuidado, dando espaço para Deus em nossas vidas para que nos humanizemos e não percamos nossas referências principais e valores essenciais.

Fonte: O Lábaro – edição de junho e julho de 2016

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