A bola da vez, agora, entre os cristãos evangélicos, são os chamados “devocionais”.
Basicamente, fazer um devocional significa dedicar um tempo para a oração pessoal diária. Especificamente, ele tem algumas características mais ou menos estáveis: (a) horário: sendo um ritual cotidiano, exige que se trave na agenda o momento para realizá-lo; (b) empenho: para que alimente a alma, não pode ser rápido demais; (c) texto-base: ele exige a leitura e a meditação da Palavra de Deus, já que a Bíblia é o grande livro de oração do cristão; (d) praticidade: por fim, ele conduz a um discernimento sobre a vontade de Deus na vida daquele que ora.
O livro mais famoso, usado como guia na prática do devocional, tem sido “Café com Deus Pai”, do pastor Junior Rostirola. Foi o livro mais vendido no Brasil em 2023, segundo a Revista Veja. Agora, já tem até na versão Teens e Kids. Basicamente, ele é um roteiro de oração, que ajuda a ler a Palavra e a praticá-la.
Muitos católicos têm rezado com este “Café” e já escutei bonitos testemunhos de frutos espirituais: alimento espiritual diário, fortalecimento da fé, renovação da esperança, desejo de conversão, vontade de fazer o bem, etc. O que me intriga é que a tradição católica sempre contou com o que hoje se chama “devocional”. Basta olhar a história da espiritualidade e as práticas espirituais nos mais diversos carismas da Igreja (beneditino, franciscano, inaciano, etc.). Por que, então, parece que os católicos estão descobrindo só agora a oração diária, delongada, bíblica, de discernimento?
Levanto algumas hipóteses: os católicos não conhecem a tradição espiritual cristã e os seus métodos de oração; a catequese não estimula tanto a reflexão da vida à luz da Palavra, mas segue sendo uma pequena escola de teologia conceitual; a Bíblia ainda não se tornou “o” livro de oração católica, que ainda é associada às fórmulas prontas, como Pai-nossos e Ave-Marias; algumas teologias desvalorizam o teor de “voz de Deus” na Bíblia, fazendo dela um livro desacreditado; algumas práticas pastorais substituem o discernimento pessoal dos leigos pela orientação moral dos clérigos (que de pastores prudentes se tornam oráculos de uma suposta sabedoria).
Atualmente, aplicativos como iLiturgia, Hallow, Peregrino App e YOUCAT Daily, sem contar os canais no YouTube e os perfis religiosos no Instagram, têm ajudado muito o catolicismo a se repaginar nos seus meios de oração e nas suas formas de evangelização.
Tanto evangélicos quanto católicos têm redescoberto os tesouros da espiritualidade cristã. O que nos falta como Igreja, talvez, seja sermos mais arrojados e estilosos nas nossas propostas. Porque rezar, o povo reza.
Pe. Marcelo Henrique, reitor do Seminário de Filosofia