“DEUS VIU QUE TUDO ERA MUITO BOM” (Gn.1,32)

Quaresma e Campanha Fraternidade – Com essa frase bíblica somos convidados a refletir sobre a criação de Deus e sobre nossa responsabilidade humana e cristã. A Quaresma é o período litúrgico em que, por meio da oração, do jejum, de abstinências e sacrifícios de modo geral, nós nos exercitamos em vista à conversão e intensificação de nossa vida cristã. Considerando que somos seres que convivemos em família, em comunidade, em sociedade, nossa conversão não pode limitar-se a aspectos somente pessoais e intimistas; temos que nos converter em todos os aspectos de nossa vida e relações. Por isso, além de nossa conversão pessoal, também precisamos nos converter, ou seja, reorientar nossas relações comunitárias e sociais segundo a vontade de Deus. É nesse sentido que, a cada ano durante a Quaresma e a Campanha da Fraternidade, a Igreja nos propõe um aspecto muito concreto em função do qual nos questionamos e, como cristãos, buscamos aperfeiçoar também nossas relações comunitárias e sociais. Com isso, queremos expressar que o Evangelho não pode incidir somente em nosso íntimo, mas também sobre nossa maneira de conviver com os outros e com o mundo onde nos situamos. Neste ano, somos convidados a refletir sobre “Fraternidade e Ecologia Integral”, ou seja, como nós, seres humanos, estamos nos relacionando com o ambiente onde vivemos. Particularmente, para nós da Diocese de Taubaté, tendo por padroeiro São Francisco, esse tema nos é muito próximo, pois este Santo soube perceber-se como parte integrante de toda criação, obra de Deus, em que os elementos que a compõem devem viver em fraterna e profunda harmonia. O conhecido “Cântico das Criaturas”, por ele composto, no outono europeu de 1225 (está completando 800 anos!), expressa bem essa consciência e sensibilidade cristã.

O relato bíblico da criação e a atual situação – No primeiro capítulo do livro do Gênesis temos o relato da criação. “Deus disse: Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança. Que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os animais da terra e tudo o que vive e rasteja” (Gn. 1,26). O texto continua e, sabemos, não se trata de um relato histórico, mas de uma reflexão que brota da fé para dizer que Deus é o criador. Reconhecemos que o mundo, os seres vivos e o ser humano são frutos da vontade de Deus. Fazemos parte de um conjunto harmonioso que é obra de Deus. A cada parte da narrativa temos o refrão que se repete: “Deus viu que tudo era bom”. Ao final, ao narrar a criação do homem e da mulher, “Deus viu que tudo era muito bom”. O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, destaca-se dentre os elementos criados como aquele que domina a criação; não como um senhor despótico, mas como guardião de toda essa obra, que suscita admiração e estupor. A natureza possui harmonioso equilíbrio e beleza. Feliz quem tem sensibilidade para perceber toda essa beleza e interrelação de dependência vital entre os seres. Nossa vida humana depende desse equilíbrio cuidado e mantido. Nossa saúde depende do ar, da água e da terra preservados. Nossa alimentação depende do clima em equilíbrio, com chuvas e calor no tempo e na medida certa; assim como também depende da simples abelha que poliniza as flores e possibilita nosso alimento. Alterar esse equilíbrio complexo e sensível é atentar contra a obra da criação, contra nossa vida e contra a existência de tantos outros seres.

Não é novidade para nenhum de nós as constantes agressões ao ambiente. A sede insaciável de lucro e interesse de pessoas, empresas e países leva a comprometer o planeta e a ameaçar a vida de espécies assim como nossa própria sobrevivência. Nosso atual estilo de vida contamina rios e oceanos com produtos químicos e plástico, que pelo consumo de peixe, já podem ser encontrados em nosso próprio organismo. Produzimos toneladas de lixo que se acumulam em nossas cidades, rios e aterros sanitários, embora haja a possibilidade de reciclarmos praticamente tudo e transformar em adubo o lixo orgânico. Contaminamos o solo com agrotóxicos, pesticidas e tantos tipos de defensivos que comprometem nossa própria saúde. Poluímos o ar com a fumaça das indústrias, veículos e queimadas criminosas. Em decorrência sofremos com todo tipo de doenças respiratórias provocadas por um ar contaminado. Sofremos com as consequências do aquecimento global, mas somos nós que provocamos esses desequilíbrios catastróficos. Para onde nos leva nossa sede de poder e de riqueza?

Atitudes concretas – Individualmente, nossas ações não têm alcance e eficácia para diminuir as emissões de gás carbônico, que provocam o efeito estufa ou para diminuir significativamente a poluição dos rios e oceanos. Entretanto, está ao nosso alcance a conscientização e iniciativas em vista a preservar o ambiente. Cada um pode modificar hábitos, evitar desperdícios, especialmente de água, não utilizar a mangueira como vassoura, não provocar queimadas, evitar o uso de descartáveis e de produtos poluentes, dar destinação correta ao lixo, separar o reciclável…. Iniciativas mesmo que simples têm sua importância, pois se somam a outros pequenos esforços. Junto aos poderes públicos, reivindique coleta seletiva e tratamento de todo esgoto de sua cidade. Se conseguirmos reunir outras pessoas que compartilhem do mesmo ideal poderemos alcançar resultados mais significativos. Faz parte do compromisso cristão cuidar do ambiente e preservar a vida. Motivados pela Campanha da Fraternidade, especialmente durante a Quaresma, seja esse nosso empenho. O que está ao seu alcance? Converta-se e creia no Evangelho!

Dom Wilson Angotti
Bispo Diocesano

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