Prosseguindo nossa série de artigos sobre o Ano Santo da Misericórdia, iremos discorrer neste mês sobre o sentido espiritual de uma das práticas que mais caracteriza um Jubileu, a peregrinação. Assim explana o papa Francisco: “peregrinação é um sinal peculiar no Ano Santo, enquanto ícone do caminho que cada pessoa realiza na sua existência. A vida é uma peregrinação e o ser humano é um peregrino que percorre uma estrada até a meta desejada. Também para chegar à Porta Santa, tanto em Roma como em outros lugares, cada pessoa deverá fazer, segundo as próprias forças, uma peregrinação. Esta será sinal de que a própria misericórdia é uma meta a alcançar que exige empenho e sacrifício. Por isso, a peregrinação há de servir de estímulo à conversão: ao atravessar a Porta Santa, deixar-nos-emos abraçar pela misericórdia de Deus e comprometer-nos-emos a ser misericordiosos com os outros como o Pai o é conosco” (Misericordie Vultus nº 14).
Por decisão de nosso Bispo Dom Wilson, tomada juntamente com o Conselho de Pastoral, em nossa diocese haverá dois lugares de peregrinação: A Catedral São Francisco das Chagas, único lugar da Diocese a contar com a Porta Santa, e a Basílica do Senhor Bom Jesus. Os fiéis da diocese deverão ser motivados por seus párocos e demais ministros ordenados a peregrinarem para esses lugares, seja de forma pessoal ou preferencialmente em comunidade. Paróquias, movimentos, irmandades, associações, entre tantos outros grupos eclesiais, deverão organizar-se para peregrinarem a estes lugares durante o Ano Santo, a fim de buscarem a Misericórdia do Senhor.
Muitos poderão afirmar ser possível experimentar a Misericórdia Divina em suas próprias paróquias, comunidades, em suas próprias casas, sem terem o “trabalho” de se dirigirem a estas igrejas. Outros, frequentadores assíduos desses dois lugares, poderão se questionar sobre qual sentido há em “peregrinar” a essas Igrejas se sempre lá estão. E a resposta está na motivação com que farei meu deslocamento até esses lugares. Posso ficar em minha casa e experimentar a Misericórdia do Senhor, como posso deslocar-me para esses lugares de peregrinação tendo por motivação o sair de mim mesmo e ir ao encontro do Senhor e dos irmãos. Eis o sentido da peregrinação, como afirmara o Papa Francisco na citação acima.
Logo, a peregrinação é como uma “parábola” da vida humana. O ser humano, nascido do coração de Deus, para lá deve retornar. Somos seres em movimento. Deste modo, toda peregrinação é composta de quatro elementos centrais:
1º – A decisão de partir. Diferente de um passeio turístico ou de um mero deslocamento funcional, a decisão de partir em peregrinação deve ter como motivação não apenas chegar a um lugar “sagrado”. Se concretamente o desejo é chegar a um lugar geográfico (a cidade de Roma, à Porta Santa da Catedral, à Basílica do Senhor Bom Jesus), espiritualmente a intenção deverá ser sair de si, ir ao encontro do Senhor e do irmão. Por isso, convém que o momento da saída da peregrinação seja marcado por uma intensa oração interior, na qual o peregrino se propõe a caminhar não apenas fisicamente.
2º – O caminhar. Pode-se fazer a peregrinação de diversas formas, mas sempre é conveniente que haja ao menos um trecho de caminhada. O cansaço pode nos abater, tanto quanto a caminhada da vida pode cansar. Quando se caminha com o Senhor o percurso se torna muito mais atraente e realizador. Não só se renova a esperança da chegada como se passa a desfrutar da beleza do caminho e da grandeza que é conviver entre os irmãos que estão em busca da mesma meta. Sair de si é um desafio contínuo e a peregrinação deverá recordar esta verdade àquele que caminha. Por isso a caminhada, se for longa, poderá ser marcada por momentos de descontração e convivência, mas não poderá deixar de lado o principal objetivo da peregrinação: a tomada de consciência que estamos a caminho da “Casa do Pai”, como irmãos, apoiando-nos uns nos outros. Que festa será quando vislumbrarmos a “Jerusalém celeste”, se durante a própria caminhada já desfrutamos de sinais desta festa?
3º – A chegada à meta alcançada. “Que alegria quando ouvi que me disseram: Vamos à Casa do Senhor! E agora nossos pés já se detém, Jerusalém, em tuas portas”. Assim como o salmista, deveremos nós também exultar quando nossos olhos avistarem à meta. A alegria da chegada à Casa do Senhor deverá recordar-nos a alegria que é chegar a toda meta, e esta deverá também ser celebrada. Em nossa peregrinação não poderá faltar uma jubilosa oração de gratidão ao Senhor que continuamente se faz companheiro dos seres humanos, como outrora se fez caminhante com os discípulos que peregrinavam para Emaús. Tal oração deverá ser feita com grande entusiasmo junto à Porta Santa, antes de passar por ela “entre cantos de festa e com grande alegria” (Sl 44), ou antes de entrar na Basílica do Senhor Bom Jesus. Ao entrar na igreja, o recolhimento do descanso no Senhor será fundamental, para solenemente encontrarmo-nos com Ele na Eucaristia e na Palavra que atualiza sua misericórdia em nossa vida, tornando-nos “misericordiosos como o Pai” (lema do Ano Santo). O Sacramento da Confissão será também uma excelente oportunidade de reconciliação, iniciando uma vida nova. Deste modo, a confissão é uma prática sacramental muito recomendada, seja na própria meta da peregrinação quanto na saída em direção à ela, como desejo de despojar-se no “velho homem”.
4º – O retorno à vida ordinária. Todavia, diferente de um passeio, de um evento turístico ou de uma ida meramente funcional a estes locais, a peregrinação precisa despertar uma atitude concreta de transformação interior. Retornar à vida ordinária renovados em nossa espiritualidade e transbordantes da graça divina. Mais do que apenas um deslocar-se de um lugar a outro, a peregrinação precisa ser como que um “retiro interior”.
“Peregrinação” dos acamados e encarcerados
E aqueles que não puderem passar pela Porta Santa ou realizarem alguma peregrinação, como os doentes e os encarcerados? O Santo Padre assim definiu: “Penso nos que, por diversos motivos, estiverem impossibilitados de ir até à Porta Santa, sobretudo os doentes e as pessoas idosas e sós, que muitas vezes não podem sair de casa. Para eles será de grande ajuda viver a enfermidade e o sofrimento como experiência de proximidade ao Senhor que no mistério da sua paixão, morte e ressurreição indica a via mestra para dar sentido à dor e à solidão. Viver com fé e esperança jubilosa este momento de provação, recebendo a comunhão ou participando na santa Missa e na oração comunitária, inclusive através dos meios de comunicação, será para eles o modo de obter a indulgência jubilar. O meu pensamento dirige-se também aos encarcerados, que experimentam a limitação da sua liberdade. O Jubileu constituiu sempre a oportunidade de uma grande anistia, destinada a envolver muitas pessoas que, mesmo merecedoras de punição, todavia tomaram consciência da injustiça perpetrada e desejam sinceramente inserir-se de novo na sociedade, oferecendo o seu contributo honesto. A todos eles chegue concretamente a misericórdia do Pai que quer estar próximo de quem mais necessita do seu perdão. Nas capelas dos cárceres poderão obter a indulgência, e todas as vezes que passarem pela porta da sua cela, dirigindo o pensamento e a oração ao Pai, que este gesto signifique para eles a passagem pela Porta Santa, porque a misericórdia de Deus, capaz de mudar os corações, consegue também transformar as grades em experiência de liberdade”.
Pe. Roger Matheus dos Santos
Fonte: O Lábaro outubro/2015
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