Iniciamos mais um itinerário quaresmal, um “tempo de graça e de reconciliação”, ocasião em que intensificamos nosso processo de conversão, com penitências, exercícios espirituais, oportunidade clara para “de coração purificado, entregues à oração, e à prática do amor fraterno, preparamo-nos para celebrar os mistérios pascais”(Prefácio da Quaresma I). Basicamente as celebrações litúrgicas de nossas comunidades são os espaços onde se comunicam esses feitos da graça do Senhor.
Pensando nisso, desejo refletir sobre a mensagem quaresmal do Papa Francisco, que trás neste ano a temática: “Prefiro a misericórdia ao sacrifício (Mateus 9,13). As obras de misericórdia no caminho jubilar”.
Inserida no contexto do Ano Santo da Misericórdia, a mensagem é dividida em três pontos: 1) Maria, ícone duma Igreja que evangeliza porque evangelizada; 2) A aliança de Deus com os homens: uma história de misericórdia e 3) As obras de misericórdia.
Ao apresentar Maria como ícone, o Papa nos lembra o acolhimento da Palavra de Deus experimentado por essa Mulher. A Misericórdia não pode ser entendida apenas como um ato divino em favor do ser humano, mas é conteúdo de um anúncio profético. Misericórdia é para ser anunciada como consequência do acolhimento e da escuta da Palavra de Deus na vida de cada pessoa. Maria e José, expressões da Misericórdia, nos ajudam a entender que tal ato é também uma experiência conjugal, isto é, experimentar o amor misericordioso de Deus, é mergulhar num vínculo matrimonial.
Recordando a história do povo de Israel, os meios e os modos pelos quais Deus age em favor da aliança, a mensagem do Papa Francisco, conduz, a percepção dos “dramas do amor”, vivido pelo nosso Criador. Esse drama do amor vivido por Deus é expresso no mistério da encarnação, continuado e assumido por Jesus Cristo. “O Filho de Deus é o Esposo que tudo faz para ganhar o amor de sua Esposa, à qual O liga o seu amor incondicional que se torna visível nas núpcias eternas com ela”, afirma o Papa Francisco.
Através de Jesus Cristo aprendemos a enxergar um “coração pulsante de misericórdia”, que revela a identidade de Deus Pai. Dele jorra o sentimento mais profundo e sincero, autêntico, transformador, em favor de cada um de nós.
A provocação feita pelo Sumo Pontífice passa também pelo entendimento de que a Misericórdia não é uma ação exclusiva de Deus para com o ser humano, mas o é também um compromisso de cada pessoa para com o outro. Outro fator importante é a consciência das etapas de um caminho misericordioso que consiste no arrepender, converter e acreditar (cf. MisericordiaeVultus 21).
Por fim, em sua mensagem, o Papa Francisco, reflete sobre as Obras de Misericórdia corporais e espirituais. Recordemos quais são. Corporais: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, assistir aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. Espirituais: dar bom conselho, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo, rezar a Deus pelos vivos e defuntos.
As obras de misericórdia colocam nosso coração num caminho que nos leva a “experimentar um amor fiel”, ou seja, relacionar-se com Deus na praticidade da vida, na ação efetiva de todo aquele que crê e que não vive uma fé exclusivamente oracional. No exercício corporal e espiritual da misericórdia, damos a nossa consciência a oportunidade de sair de sua zona de conforto, do seu comodismo, infantilismo, e assim, acordando-a vamos ao encontro do Cristo no pobre e naquele que sofre pela fé, destaca o Papa.
Buscar o conhecimento e a prática das obras de misericórdia é ainda sair de uma alienação existencial, é ter os pés no chão na vivência de nossa fé. Não podemos ser fantasiosos, desconectados da realidade, querer conhecer apenas um Jesus misericordioso nos gestos sacramentais. O caminho da misericórdia e das obras corporais e espirituais, nos tira da cegueira, nos faz enxergar o outro, suas necessidades, seus anseios e suas buscas.
Concluindo, o Papa Francisco manifesta seus desejos dizendo-nos: “Não percamos este tempo de Quaresma favorável à conversão! Pedimo-lo pela intercessão materna da Virgem Maria, a primeira que, diante da grandeza da misericórdia divina que Lhe foi concedida gratuitamente, reconheceu a sua pequenez (cf. Lc 1, 48), confessando-Se a humilde serva do Senhor (cf. Lc 1, 38).”
Pensar tudo isso no contexto litúrgico é entender que nossas celebrações continuam sendo (para quem se esqueceu) o centro e o cume de toda vida da comunidade cristã e por isso, devem ser bem preparadas, organizadas, orantes, com ritualidade e mergulhadas numa consciência misericordiosa. Cada gesto litúrgico realizado por quem preside, proclama uma leitura, auxilia no altar, entoa um salmo, distribui a eucaristia, deve ser revelação desta relação matrimonial que estabelecemos com Deus. É preciso comunicar a partir da responsabilidade litúrgica, sua seriedade, autenticidade, fidelidade, e amor incondicional. Convido os agentes da pastoral litúrgica, equipes de celebração, música, acolhida, Ministros Extraordinários, Leitores, Salmistas, a dedicar um tempo para uma leitura do texto na íntegra, de modo, que possam iluminar a consciência e a partir das orientações do Papa, traçar um verdadeiro itinerário quaresmal.
Pe. Kleber Rodrigues da Silva
Fonte: O Lábaro – fevereiro/2016
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