Era tempo de quaresma e os enfermos recebiam visitas dos padres para a confissão, por ocasião da Páscoa e para receberem a unção.
Após algumas casas, encontrei uma senhora peculiar. A ministra da comunhão já tinha dito que ela era muito alegre, que levar o Santíssimo Sacramento naquela casa era uma graça para ambas as partes, para a enferma e para a agente de pastoral.
A rotina da visita era mais ou menos assim: chegar na casa, trocar algumas palavras de acolhida e de bondade, escutar um pouco a história da pessoa e rezar, pregando um texto dos Evangelhos e ministrando os sacramentos de cura. Normalmente, o padre precisa “dar a Palavra” para aquela pessoa que, se recebe a comunhão em casa, é por estar de cama ou sem condições de locomoção para ir até a missa. Mas naquele lugar era diferente: quem dava a Palavra era a anfitriã.
A alegria era a primeira característica que despontava naquela idosa, magra, magra, de cabelos brancos, brancos. Não era uma festividade eufórica, mas dessas felicidades de poeta, de criança, de místico… que quando a gente vê, já tomou conta dos que lhes estão próximos. A voz era baixa, mas os olhos meio cansados ainda brilhavam de Vida. O corpo ficava deitado, mas as mãos eram uma regência de orquestra, acompanhando o olhar e a voz apaixonados por alguma coisa pressentida ali, naquele quarto de casa comum.
Em dado momento, ela disse assim: “Padre, eu estou esperando Jesus vir me buscar. Eu já vivi muito. Tudo o que eu pude fazer, eu fiz. Agora, eu aguardo Ele me chamar… Eu vivi a minha vida com Ele. Ele sempre esteve comigo, foi meu amigo, meu Senhor. Por isso eu não tenho medo de morrer: eu vivi para Ele e, agora, não faz sentido eu não esperar que Ele venha e me leve. Lá no céu, a gente ficará junto para sempre. Eu amo muito Jesus”.
Eu não sabia mais o que dizer. A pregação pré-pronta não cabia mais. Eu acabava de ouvir um sermão vivo e a minha fé pareceu pequena perto daquele evangelho de carne. Fiquei muito emocionado. Fiquei chocado, mesmo. Aquela senhora tinha muitas coisas que eu, padre, não tinha: uma relação tão íntima com Jesus, uma liberdade tão grande diante da expectativa da morte, uma alegria de poder estar com o “seu” Deus, nesta vida e após esta vida.
Nunca me esquecerei daquele sermão. Soube que ela veio a falecer depois de um tempo. No céu, eu gostaria, se fosse possível, de vê-la e agradecê-la por aquele testemunho. Foi a homilia mais bonita sobre o sentido da vida e da morte que eu já ouvi até hoje. “Eu espero Jesus vir me buscar, porque passei minha vida inteira com Ele”.
Quanta esperança no coração daqueles que experimentam o amor de Deus!
Por isso, desejo um feliz ano da esperança para todos, repleto desse amor!
Pe. Marcelo Henrique, reitor do Seminário de Filosofia