Cônego Amâncio Calderaro: 25 anos de ministério a serviço da Igreja

Redencense de nascimento, O Côn. Amâncio é o décimo de 12 irmãos. Com 50 anos de idade, celebrou no dia 26 de janeiro deste ano 25 anos de sacerdócio. Nesta entrevista, ele fala de sua vida ministerial e de suas convicções.

Por Pe. Jaime Lemes, msj

O LÁBARO – Como foi a sua infância? Que lembranças foram marcantes para o senhor?

Côn. Amâncio – A minha infância, passei toda em Redenção Velha. Morei lá até mais ou menos os 12 anos, quando fiz a minha Primeira Comunhão, já com o Padre José Knob, que sempre me acompanhou, como pároco, depois como professor na Teologia, até a minha ordenação. Outra coisa marcante eram as datas festivas em a família se reunia. Redenção, uma cidade pequena, propiciava isso. Sempre estávamos juntos, estudávamos na mesma escola e íamos juntos à igreja. Nós tínhamos uma convivência muito boa. Até hoje, temos uma afinidade muito grande um com o outro, a gente sempre está junto, nunca ficamos distantes. A nossa família é uma família muito festiva, comemora-se tudo.

O LÁBARO – E a vocação, como surgiu?

Côn. Amâncio – Sempre gostei muito da Igreja, desde pequeno era assim. Mas eu não queria ser padre, eu queria era ser médico. Mas, depois que fiz a Crisma comecei a trabalhar na Catequese e foi aí, aos poucos, que foi despertando a minha vocação para o sacerdócio. Eu até tive um irmão que foi para o seminário e ficou até a Teologia, depois resolveu sair, e isso foi muito decepcionante para minha mãe. Então ela já não esperava mais, e dizia: “Se você quer ir, vá!”. Mas ela nunca teve aquela empolgação que tinha com meu outro irmão. Talvez para não se decepcionar. Então, dizia para eu me sentir livre. E só acreditou mesmo que eu seria padre quando me viu ordenando diácono. O que mais me incentivou à vivência da minha vocação foi o trabalho realizado pelos fráteres Dehonianos, que trabalhavam junto com o Pe. José Knob. A dedicação deles, os trabalhos desempenhados com as pastorais, animação etc. E nessa época tivemos muito bons fráteres, que hoje também são bons padres. Eram muito animados e nos envolviam em todos os trabalhos. O padre José Knob sempre apoiava, mas nosso contato era mais com eles. Tenho uma lembrança muito forte do agora padre Otacílio, scj, que foi quem muito me incentivou a ir para seminário. Também recebi um grande incentivo da irmã do padre Afonso, Dona Zeza, que é uma mulher admirável, pela sua espiritualidade e dedicação. Foi ela que, juntamente com a minha madrinha de batismo, Maria Edvane, fez todo o enxoval, que sempre incentivou, me ajudou em tudo que precisava. E também minha mãe, meus irmãos, que sempre estiveram presentes, ajudando no seminário com grande esforço.

O LÁBARO – E o seu pai?

Côn. Amâncio – Perdi meu pai muito cedo. Ele estava com cinquenta anos e eu estava com apenas dez. Ele nunca foi um homem religioso, que participava das coisas, mas era um homem interessante, que sempre incentivou a gente a viver a vida de igreja, embora não participasse. Sabia que minha mãe gostava que fôssemos à missa todos os domingos, então sempre nos levava, mesmo quando minha mãe ficava em casa nos afazeres do lar. Nos deixava na Igreja e ficava na praça esperando a gente. Quando fiz a Primeira Comunhão, Dom Carmo que era, na época, pároco lá, fez um trabalho de evangelização com os jovens. O meu pai era vereador da cidade e trabalhou em colégio, e ele conseguiu fazer com que todos os jovens fizessem o cursilho. Também ele fez, e quando voltou era outra pessoa. Começou a participar da Igreja, no coral, ajudava em tudo. Só eu tive a alegria dele participar da Primeira Comunhão, pois na dos meus outros irmãos nenhum ele esteve presente e dos dois mais novos não deu tempo. Fiz a Primeira Comunhão em novembro de 1974 e ele faleceu em janeiro do ano seguinte. Mas por todas as coisas de que chegou a participar, tenho certeza de que ele ficaria muito feliz em saber que eu iria para o seminário e, futuramente, me tornar um sacerdote, pois ele havia descoberto um outro jeito de viver.

O LÁBARO – Como foi seu tempo de formação no seminário?

Côn. Amâncio – Meu tempo de seminário foi o melhor da minha vida. Digo assim que foi uma alegria, pois sempre amei o seminário, sempre o tive como minha casa. Estando no seminário, nunca me senti fora de casa. Talvez pelo fato de ter doze irmãos e no seminário era muita gente, então para mim era normal. E também todos os meus Reitores forma muito bons. O padre Donizetti Sgarbi, que posteriormente deixou o sacerdócio, sempre foi uma referência para mim, foi um homem que marcou a minha vida pelo seu trabalho, sua dedicação, seriedade. Acho que trago muitas marcas do trabalho dele como pastor. Sempre gostei muito dele, embora não tenhamos muito contato atualmente, mas foi uma referência importante. Além de reitor e formador, foi também meu professor e, depois, diretor espiritual. O padre Hugo, que embora não fosse meu reitor direto, estava na reitoria. Aquele homem pobre, sério, simples, dedicado, sempre incisivo naquilo que queria. Embora falasse pouco, dizia muito. No seminário diocesano, em meu tempo, também tinha a presença de muitos outros padres. Tinha a figura do Pe. Pedro Lopes, que foi marcante por sua alegria, sua disponibilidade e seu jeito muito aberto; o cônego Cardoso, de quem cuidamos durante todo meu tempo de formação. Era uma pessoa muito santa. Professores, como o padre Correia, um homem simples, culto, de uma grandeza de alma, uma pessoa admirável; o Pe. Vanzella, no início de seu trabalho como professor, com toda sua dedicação; o Pe. Eugênio. Enfim, eram padres admiráveis que amavam a diocese e se desdobravam em várias funções. Como fui também um dos padres que veio dessa geração nova, acho que aprendemos que tinham muitas coisas a serem feitas, portanto, nos desdobrávamos para fazer. O trabalho pastoral que foi novidade para mim. Creio ter sido o único seminarista a trabalhar com Monsenhor Teodomiro, em Caçapava. Foi difícil, mas trabalhamos juntos por um ano. Também foi uma pessoa que marcou, todo especial, aparentava ser autoritário, mas tinha um coração bondoso, amava os moradores de rua, tinha um zelo pelas crianças de rua, pelos andarilhos das praças, uma caridade para com todos. Então, o meu tempo de formação no seminário foi muito marcante.

O LÁBARO – Que lembranças o senhor tem do dia de sua ordenação?

Côn. Amâncio – Minha ordenação foi muito interessante, pois acho que fui o único padre da diocese que sabia o que ia ser antes mesmo de ser ordenado. Já tinha uma missão, uma nomeação, já tinha tudo. Ordenei Diácono no dia 04 de agosto, de 1990. E quando fui ordenado diácono, o Dom Antônio já havia me chamado e me dito que queria que eu trabalhasse no seminário. Terminei o curso em dezembro no Conventinho e pretendia ser ordenado no mês de março do ano seguinte, no dia de São José, ou em uma das festas de Nossa Senhora. Na ordenação do Edson, meu único colega de turma, que depois deixou o ministério, o bispo me questionou sobre a data de minha ordenação e pediu-me que fosse falar com ele na manhã seguinte. Fui tomar café com o Dom Antônio e ele me disse que queria me ordenar em janeiro, visto que as aulas do seminário se iniciariam no mês de fevereiro. Não tive férias nem nada. Saí da faculdade, passei o mês de dezembro todo preparando minha ordenação. Depois da ordenação, fiquei em Redenção até o dia 02, quando tomei posse como diretor espiritual do Três Marias e, posteriormente, como reitor do seminário menor.

O LÁBARO – Onde mais o senhor realizou o seu ministério como padre?

Côn. Amâncio – Paralelamente à reitoria do Seminário Menor, eu lecionei na faculdade de filosofia da diocese as disciplinas doutrina social e cultura religiosa. Eu fui também secretário do curso de filosofia durante oito anos. Quando fui reitor do seminário, já era coordenador diocesano de catequese, como seminarista e diácono, trabalhei uns treze anos como assessor diocesano de catequese, desde o meu segundo ano de filosofia até depois de padre. Por um tempo fui reitor da filosofia e seminário menor. Depois fui ser reitor do seminário menor com a fundação da casa de formação Cura D’Ars, onde morei por dois, e ainda continuava como diretor espiritual do Três Marias. Quando terminou de arrumar o seminário, Dom Carmo me disse que eu precisava ser pároco, pois até então havia sido apenas reitor. Essa foi a primeira vez que eu tive férias, depois de 08 anos. Fiquei um mês para tomar posse da minha primeira paróquia, que foi a Santa Luzia. Tomei posse no dia 08 de março de 1999, e lá trabalhei até 2011. No dia 11 de fevereiro desse mesmo ano tomei posse em Redenção.

O LÁBARO – E como é ser pároco na sua cidade natal?

Côn. Amâncio – Falo sempre assim, desde que me ordenei dizia que o único lugar que não gostaria de ser pároco era em Redenção. Poderia ser em qualquer paróquia, menos em Redenção.

O LÁBARO – Por algum motivo?

Côn. Amâncio – Sempre achei muito difícil trabalhar com as pessoas de casa, da família, aqueles que nos conhecem desde a infância. Então, por esse motivo, não desejava, nem sonhava trabalhar em minha cidade. Foi uma surpresa quando Dom Carmo disse que eu iria para redenção. Na minha ordenação, quando fui fazer o juramento da obediência, prometi para mim mesmo que sempre viria na vontade do bispo a vontade de Deus em minha vida, mesmo quando não concordasse. Cheguei na cidade muito angustiado, não sabendo o que iria fazer lá, embora tenha tido uma recepção muito calorosa, as pessoas muito afetivas e alegres. Na verdade, para mim, foi realmente uma bênção, pois eu não conhecia meu povo. Saí de lá com 15 anos, então nunca havia ido às comunidades da zona rural. Sempre morei na cidade, portanto, não conhecia o município, o povo. Conhecia apenas aquelas pessoas que eram mais próximas. Nesses cinco anos tive a oportunidade de conhecer todas as comunidades, todas as pessoas. E por ser o meu povo, eu tenho um olhar diferente, pois são minha gente, há uma identificação natural. Algo que foi providencial – e eu nunca havia pensado nisso – foi que pude me preparar para o meu jubileu durante 5 anos. Foi um privilégio, porque são poucas as pessoas que têm a graça de fazer esse itinerário em preparação para celebrar o jubileu em sua própria cidade.

O LÁBARO – Em janeiro celebrou o seu jubileu de 25 anos de sacerdócio. Que avaliação o senhor faz desse tempo? Quais foram os desafios e alegrias a serem destacados?

Côn. Amâncio – Posso dizer que no meu sacerdócio Deus foi muito bom comigo. Ele me deu uma graça muito grande. Sempre digo que nunca me imaginei fazendo outra coisa senão sendo padre. Amo ser padre, a minha vocação, o meu trabalho como um todo. Meu maior desafio foi durante todo o tempo de sacerdócio me sentir muito aquém daquilo me era colocado para desempenhar. Recém-ordenado, fui ser formador, e tive de correr atrás, de aprender ser o que eu não me sentia tão capaz de ser, para corresponder e fazer o melhor possível, incansavelmente. Isso eu fiz na minha vida toda, sempre trabalhei muito para poder corresponder, e tive a graça de terminar tudo. Nunca deixei um serviço, nunca renunciei a nada. Eu comecei o que era preciso até aonde precisasse ir, sem nunca deixar e dizer que não daria conta. Só saí quando precisava sair. E também a graça de quando o bispo achava necessária a minha transferência, sempre acolhi sua decisão, não tive nenhuma dificuldade de deixar aquilo e começar outra coisa.

O LÁBARO – Deixou de fazer alguma coisa que gostaria de ter feito?

Côn. Amâncio – Não. Felizmente Deus me concedeu a graça de passar por várias experiências. Muitas até que eu nem busquei, mas que fizeram crescer. Ser Ecônomo da diocese, por exemplo, foi algo que eu nunca quis. Mas trabalhei os cinco anos em que fui designado da melhor maneira possível, com toda dedicação, e fiquei surpreso com o meu desempenho. Contudo não é algo que eu ame fazer. Aliás, esse é um aspecto que sempre me foi de grande dificuldade, a administração. O que me alegra mesmo é o trabalho pastoral, formação, atender o povo, aconselhar, dar cursos, isso faço com todo gosto e é muito gratificante. O que cansa é meu corpo, mas meu espírito nunca.

O LÁBARO –Falando em cansaço, o que o senhor gosta de fazer nos dias de folga e nas férias?

Côn. Amâncio – Ficar com Minha família. Férias, folga é ficar com o pessoal de casa, com a família, com os irmãos e amigos. A minha família conversa muito. Para nós, estar juntos é uma alegria. Esta é uma marca nossa. Desde pequenos sempre conversávamos muito. Chegávamos muitas vezes do colégio, íamos para a cama da mãe, acordávamos ela e ficávamos falando até meia noite, uma hora da manhã. Somos descendentes de italiano, então falamos tudo muito rápido e todos ao mesmo tempo. Hoje, é na casa de minha irmã Jane que nos reunimos aos finais de semana em Redenção. Sempre que termino as atividades da paróquia, no sábado à noite, passo lá, e todos estão lá reunidos.

O LÁBARO – Tem algum projeto que gostaria de ter realizado e não realizou?

Côn. Amâncio – Sempre quis fazer psicologia. Mas nunca tive coragem de voltar de novo para faculdade, fazer vestibular. Como não gosto de deixar as coisas que começo, tenho muito medo de começar e não terminar e para isso teria de abrir mão de várias coisas que não sei se estaria disposto a deixar. É algo que eu gostaria, mas não que seja um projeto, porém, me enriqueceria para ajudar mais. Gostaria de fazer Psicologia justamente pelas diversas questões que a gente enfrenta na pastoral e, em outros aspectos, com os pobres, os jovens, por exemplo. Teria mais condições para ajudá-los e fazer um trabalho melhor. Mas sou realizado. Em 25 anos como padre, tive a alegria de trabalhar em todas as áreas que compete a um sacerdote.

O LÁBARO – E quais são as suas perspectivas para os próximos 25 anos?

Côn. Amâncio – É não ter 25 anos (risos). O pessoal fala que sou desanimado, mas não quero mesmo. Posso ficar velho, mas vai ser contra a minha vontade.

O LÁBARO – Tem medo de ficar velho?

Côn. Amâncio – Não tenho medo de ficar velho, tenho medo da limitação da velhice. Todo mundo tem. Quando dizem que é bom ficar velho, não acredito. Se tivermos que ficar, devemos aprender a ser velhos. Procuro cultivar em mim a paciência, a compreensão, saber meu lugar e meus limites em cada momento. Mas isso para mim não é algo assim tão fácil de se adquirir. Talvez por isso eu peço para não ficar muito velho. Não tenho medo da morte. Ela é sempre uma libertação para quem viveu e cumpriu a missão. Para mim, acho que é viver. São Paulo disse: “Viver para mim é cristo”. Então, tanto faz aqui ou no céu, o importante é estar a serviço, fazer o que tem que ser feito, na hora certa, com o máximo de dedicação, ser feliz onde se está. Eu tenho um lema que diz: ser feliz aonde Deus me plantar! Onde ele me plantar, lá irei florescer.

Fonte: O Lábaro – março 2016

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