Por que um Padroeiro

No mês de outubro nós celebramos São Francisco das Chagas, padroeiro de nossa Diocese. Embora, no calendário próprio dos Franciscanos, dia dezessete de setembro, seja data específica que se celebra São Francisco das Chagas, diocesanamente, nós o celebramos na memória litúrgica do dia quatro de outubro.

Ter um patrono ou padroeiro é um costume que remonta aos primeiros séculos da era cristã.O bispo Santo Ambrósio, que morreu no ano 397, deixou registro escrito sobre os padroeiros de sua igreja (diocese). No século VI, ter um padroeiro já era uma prática comum. O termo padroeiro ou patrono vem do latim “patronus”, uma derivação da palavra “pater” pai, transmitindo a ideia de alguém que nos protege, nos defende, que age em nosso favor. Por essa razão e com esse intuito comunidades e igrejas são confiadas ao patronato de um santo. Antigamente, por ocasião de um batismo, com a mesma intenção, sugeria-se a inclusão de algum santo no nome do batizando.

No início da oração eucarística, quando se reza o prefácio dos santos, repetimos os significativos dizeres: “Na assembleia dos santos vós (Deus) sois glorificado porque, coroando seus méritos, exaltais vossos dons. Nos vossos santos ofereceis um exemplo para nossas vidas, a comunhão que nos une, a intercessão que nos ajuda. Assistidos por tão grandes testemunhas, possamos correr no certame que nos é proposto, e receber com eles a coroa imperecível por Cristo, Senhor nosso”. Temos aqui, nessa sintética fórmula, a riqueza de motivos para termos um padroeiro. Eles nos recordam que acolhendo os dons de Deus nós somos santificados. Eles são a concretização do desejo de Jesus em vivermos a santidade, a busca de perfeição (cf. Mt.5,48 e IPd.1,16). Pela maneira como os santos viveram e corresponderam ao amor de Deus, nós temos neles um exemplo para nossa vida cristã, um estímulo para nosso seguimento a Jesus. Vivendo a comunhão entre todos os que foram santificados por Cristo, nós recebemos deles a intercessão que nos ajuda, pois, em Cristo, somos todos unidos e os méritos de uns concorrem para o bem dos outros. Por fim, os santos nos recordam que somos destinados à comunhão com Deus e que essa é a meta última de nossa existência. São esses os motivos que nos levam a ter um padroeiro.

Nós, que temos São Francisco das Chagas como padroeiro desta Igreja Particular (diocese), podemos nos perguntar: o quê esse Santo nos inspira? Ao recordar São Francisco logo pensamos em seu exemplo de humildade, pobreza e sua intensidade em viver o amor a Deus e a toda criação, obra de Deus. Francisco Bernardone era filho de rico comerciante da região da Úmbria, na Itália. Queria “aproveitar” a vida e gastava prodigamente o dinheiro do pai em festas e na companhia de amigos. Com pouco mais de vinte anos, entrando numa pequena e semidestruída igreja de São Damião, diante da imagem do Crucificado, viveu uma significativa experiência de Deus e sentiu-se chamado a reconstruir a igreja. Esse apelo foi compreendido, inicialmente, em referência material àquela pequena construção. Posteriormente, ele o compreendeu em seu sentido mais profundo fazendo a Igreja de Cristo redescobrir os ideais da humildade e da pobreza, tão desconsiderados naquela época. A reflexão de um trecho da Palavra de Deus, reportada no evangelho escrito por Mateus (10,7-13), foi decisiva para desencadear uma reviravolta na vida de Francisco. O texto relata o episódio em que Jesus envia seus discípulos a anunciar o Reino de Deus, a curar e restabelecer os sofredores, a serem artífices da paz, a agir com gratuidade, confiando na graça de Deus e não na segurança das posses. Ao ler esse texto São Francisco exclamou: “É isto que eu quero, é isto que eu procuro, do íntimo de meu coração é isto que eu desejo fazer”.

Renunciando a si mesmo, como Jesus pede a quem o quer seguir (cf. Mc 8,34), Francisco buscou, intensamente, a Deus vivendo a pobreza e um amor que abrangia os outros e toda a criação. Sua biografia registra que, no ano 1224, ao aproximar-se a festa da Santa Cruz, em oração, São Francisco dirigiu a Deus dois pedidos: que lhe fosse concedido experimentar, ao menos um pouco, do amor que levou Jesus a entregar-se por nós e que também pudesse sentir as dores da paixão do Senhor. Esses pedidos foram atendidos. Empenhado em viver o amor, ele compreendeu que amar a Deus de todo o coração significa não ter o coração inclinado a nenhuma outra coisa senão somente a Deus. Sua união a Jesus foi tão intensa e profunda que ele também experimentou, em seu corpo, os estigmas, sinais da paixão do Senhor.

Esses exemplos são muito atuais, pois nossa época se caracteriza pela exagerada busca de nós mesmos,de prestígio,de lucro e de poder. Muitos pensam só em si e desconsideram os semelhantes. Devido aos interesses mesquinhos de uns, muitos são condenados à miséria e à situações degradantes. Em vista de interesses pessoais e empresariais há desrespeito e degradação da natureza, casa comum. Diante de tais realidades, o exemplo de São Francisco revela-se muito oportuno e atual. Não foi sem razão que, de modo profético, o então cardeal Bergoglio assumiu o significativo nome de Francisco. Certamente, isso tem algo a dizer a nós e ao mundo.

Dom Wilson Angotti
Bispo da Diocese de Taubaté

Fonte: O Lábaro – outubro/2015

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