Evangelii Gaudium: apelo ao compromisso e à compreensão dos novos sinais dos tempos

O texto da primeira exortação apostólica do Papa Francisco, “Evangelii Gaudium” (A alegria do Evangelho), publicada em 24 de novembro de 2013, é muito mais inovador do que à primeira vista possa parecer. Muito densa e rica de reflexões sobre o mundo atual. O Papa encontrou palavras muito justas e claras para meter o dedo em muitas feridas que a nossa sociedade manifesta, concretamente as desigualdades entre países ricos e pobres, o desrespeito pela dignidade humana.

Com a exortação “Evangelii Gaudium” regressou no título de um documento pontifício a dimensão da alegria, depois do discurso de abertura do Concílio Vaticano II, a 11 de outubro de 1962, quando o Papa João XXIII exclamou “alegra-se a Santa Mãe Igreja”.

Um dos documentos mais importantes do Concílio Vaticano II foi a “Gaudium et Spes” (As alegrias e as esperanças), constituição sobre a Igreja no mundo contemporâneo. Dez anos depois da conclusão do Vaticano II, é com o convite apaixonado da carta de São Paulo aos Filipenses que abre o único texto papal totalmente dedicado à alegria, a exortação “Gaudete in Domino” (Alegrai-vos no Senhor), do Papa Paulo VI (1963-1978), publicada em 09 de maio de 1975.

“Da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído” é a primeira frase do documento, a primeira que o Papa Francisco cita na sua exortação apostólica “O Evangelho da alegria”(EG, 3). “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontra com Jesus. (…) Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria (…) (EG, 1)

Lemos no seu início: “O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada” (E G,2).

Lendo atentamente o texto, encontramos reflexões sobre a alegria que se renova e comunica, a reconfortante alegria de evangelizar, a nova evangelização para a transmissão da fé, e depois a entrada para os temas fundamentais da exortação: a começar na transformação missionária da Igreja, a partir da noção de uma Igreja em saída. Uma pastoral de conversão, isto é, de uma maior fidelidade à vocação própria das pessoas. No fundo, a missão encarna nas limitações humanas, considerando que a Igreja é Mãe e Mestra, de coração aberto.

Convida-nos a repensar a crise do compromisso comunitário, o que é tanto mais importante quanto é certo que a crise econômica, cujos efeitos vivemos,obriga o recurso de uma economia de exclusão, da idolatria do dinheiro, de um dinheiro que governa em vez de servir, de desigualdades sociais que propiciam o risco da violência e do real que cede lugar às aparências e às ilusões.

“Torna-se necessário uma evangelização que ilumine as novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais” (EG,74). Daí a necessidade de uma espiritualidade missionária que se afaste do pessimismo estéril e abra caminho às novas relações geradas por Jesus Cristo. “O mundanismo espiritual que se esconde por detrás de aparências de religiosidade” (EG, 93) . Tem de dar lugar ao reconhecimento de um protagonismo responsável que ponha os leigos num lugar que assuma maiores e mais efetivas responsabilidades,enquanto a mulher tem de ocupar um lugar mais interveniente. “A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens” (EG,103).

Afinal, todo o povo de Deus anuncia o Evangelho, como povo de muitos rostos, em que todos somos discípulos missionários e em que não podemos esquecer a força evangelizadora da piedade popular.

Ao falar do anúncio (querigma), referiu-se ainda à valorização progressiva da experiência formativa e a uma valorização dos sinais litúrgicos da iniciação cristã. O anúncio da “Palavra revelada” obriga, com efeito, que nos aproximemos de Deus com maturidade e exigência. “O nosso compromisso não consiste exclusivamente em ações ou em programas de promoção e assistência; aquilo que o Espírito põe em movimento não é um excesso de ativismo, mas prioritariamente uma atenção prestada ao outro ‘considerando-o como um só contigo mesmo’” (EG, 199).

A Evangelli Gaudium tem um forte apelo ao compromisso e à compreensão dos novos sinais dos tempos e da dignidade da pessoa humana e, por isso, o Papa relembra com ênfase: “Acreditamos no Evangelho que diz que o Reino de Deus já está presente no mundo, e vai-se desenvolvendo, aqui e além de várias maneiras: como a pequena semente que pode chegar a transformar-se numa grande árvore (Mt 13,31-32), como o fermento que leveda uma grande massa ( Mt 13, 31-32), e como a boa semente que cresce no meio do joio (Mt 13, 24-30) e sempre nos pode surpreender positivamente: ei-lo que aparece,vem outra vez, luta para florescer de novo. A ressurreição de Cristo produz por toda a parte rebentos deste mundo novo; e ainda que os cortem, voltam a despontar, porque a ressurreição do Senhor já penetrou a trama oculta desta história; porque Jesus não ressuscitou em vão. Não fiquemos à margem desta marcha da esperança viva!” (E.G.,278).

Prof. José Pereira da Silva

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