HENRIQUE FARIA: UM JORNALISTA AGUERRIDO QUE MARCOU A HISTÓRIA d´O LÁBARO

Nesta edição comemorativa dos 115 anos do jornal O Lábaro, trazemos o testemunho daquele que foi um dos responsáveis pela sua retomada no ano de 1997. Henrique Faria esteve à frente do jornal por 14 anos, assumindo a missão desafiadora de mantê-lo vivo, com o propósito de comunicar e de evangelizar.

O LÁBARO: Fale um pouco sobre sua trajetória no jornalismo e como se tornou editor do jornal O Lábaro?

Henrique Faria: Não cheguei a me formar em jornalismo. Minha inscrição no MTb foi feita por medida liminar, na esteira de inúmeros jornalistas já consagrados na grande imprensa que igualmente não possuíam diploma universitário, mas que já militavam na comunicação – rádio, TV e jornal – com trabalhos veiculados por alguns anos. O jornalismo foi sempre a minha segunda ocupação, exercido na maior parte do tempo, de maneira diletante e amadora. Nos empregos que tive na grande imprensa – Estadão e O Vale – minhas funções foram administrativas. Assim, empregado no serviço público, sempre sobrava tempo, aos finais de semana ou nos dias úteis após o expediente oficial, para lidar com o jornal. Fiz jornal de bairro para terceiros e a linha católica veio nos anos 80 com a publicação do jornal Vinde e Vede, de matiz carismática. Com a morte do meu parceiro nesse empreendimento, em conversa com o ex-padre Donizetti Sgarbi, decidimos implantar um jornal diocesano. Era final de 1996 e o bispo, dom Carmo João Rhoden, que havia tomado posse em agosto daquele ano, acatou a ideia, já que O Lábaro estava desativado fazia oito anos. Nas conversas para se escolher o nome do novo jornal sugeri resgatar O Lábaro dando sequência aos quase noventa anos de sua existência, ainda que adormecido por essa época. E assim ficou decidido. Lançamos o primeiro número de reapresentação do jornal em janeiro de 1997, em que eu passei a editar, com todas as inerências da função, tendo que ensinar na teoria o que seria a diagramação de um jornal, aos três diagramadores que passaram pelo jornal – João Carlos, João Luís e Aline que, tendo aprendido a profissão na produção de O Lábaro, tornaram-se excelentes diagramadores.

O LÁBARO: Por quanto tempo você ficou à frente do jornal? Como avalia esse período? Quais considera terem sido os maiores desafios e as grandes realizações como editor?

Henrique Faria: Fiquei na edição do jornal por catorze anos. Foi um período de aprendizado, sob vários aspectos. Não havia uma cultura de comunicação na diocese. A PASCOM engatinhava. As colaborações eram escassas, me obrigando em muitas edições a assumir o papel de pessoas que tinham mais preparo do que eu na condução de temas especificamente teológicos, catequéticos ou litúrgicos – do que, honestamente, não me orgulho e não recomendo para leigos na matéria. Mas sempre estive sob a supervisão de dom Antônio Miranda, o jornalista responsável, a quem sempre me reportava em questões pontuais a que eu me referia em meus artigos. Dom Antônio nunca fez qualquer reparo a qualquer posição editorial minha no jornal. Reconheço que durante o meu tempo de editor O Lábaro era balizado pela minha ideologia e minhas posições, o que, também não cabe numa publicação de orientação diocesana. No entanto, diga-se de passagem, entendo que nunca comprometi a verdade inerente à mensagem a que o jornal se propunha, e que essa – a orientação pessoal – é o papel de qualquer editor. Cheguei a ouvir de dom Antônio que eu escrevia o que ele gostaria de escrever sem que nem sempre pudesse fazê-lo.

O LÁBARO: O que caracterizou a linha editorial d’O Lábaro nesse período?

Henrique Faria: Se o leitor se dispuser a pesquisar as edições que foram publicadas sob a minha editoria vai perceber que eu fiz um jornal com a linguagem do povo, sem muitas firulas próprias da cultura clerical – o que não critico – permitindo que os menos letrados tivessem acesso à evangelização e catequese através do jornal. O tom teológico e a pedagogia eclesial, a exposição dos documentos da Igreja, as Sagradas Escrituras sob a ótica oficial da Santa Sé ficavam por conta dos artigos professorais de dom Carmo, dom Antônio, professor José Pereira e alguns padres dehonianos que se revezavam em esporádicas colaborações. Outra preocupação minha bastante determinada foi com relação à mensagem histórica do jornal. Eu tinha muito claro que o jornal estava contando a história da diocese para as próximas gerações, daí desenvolver uma linguagem neste sentido. É preciso contextualizar as matérias para que o leitor do ano 2125 entenda o que foi a nossa época no âmbito diocesano.

O LÁBARO: Qual foi a matéria ou edição mais memorável para você durante seu tempo no jornal?

Edição especial do jornal O Lábaro sobre os centenário da Diocese de Taubaté

Henrique Faria: Sem dúvida alguma a edição do Centenário da Diocese em 2008 que, me parece, saiu ao agrado de todos, inclusive de padres mais exigentes. Outra edição que considero excepcional foi a edição especial comemorativa dos 25 anos de Pontificado de João Paulo II, em 2003. O mais generoso elogio que recebi sobre essa edição veio do Dr. Sales Branco, de Brasília-DF, ex-presidente do Tribunal de Contas da União, irmão da madre superiora do Carmelo de Tremembé à época. Ele lia todos os grandes jornais do Brasil. E disse que, sem sombra de dúvida, o melhor trabalho jornalístico sobre o pontificado de João Paulo II na imprensa brasileira fora feito pelo O Lábaro. Outras edições especiais foram muito elogiadas, como a sobre Santa Teresinha do Menino Jesus, por ocasião da primeira visita das suas relíquias a Taubaté, a edição por ocasião da ordenação episcopal de dom Beni, a edição sobre os sessenta e cinco anos de sacerdócio de dom Antônio Affonso que deu azo à publicação do meu livro biográfico sobre ele.

O LÁBARO: Em janeiro deste ano, O Lábaro completou 115 anos de existência, sendo um dos jornais católicos mais antigos do Brasil. A que se deve a sua longevidade e qual é ainda a sua relevância atualmente?

Henrique Faria: Amor à obra. Desde a sua criação, na iniciativa visionária de dom Epaminondas, até os nossos dias, passando por grandes sacerdotes que tomaram a frente do jornal, como o cônego José Luiz Ribeiro, o ex-padre Cirilo, o guerreiro padre Pedro Lopes, o ex-padre Donizetti Sgarbi e outros que me fogem à memória. Vale anotar também a visão moderna de comunicação dos nossos últimos três bispos, dom Antônio, dom Carmo e dom Wilson. Hoje o jornal é uma típica publicação diocesana, com esse espírito, essa linguagem e essa determinação específica, de ser o porta-voz da diocese. Reconheço que mais do que cumpriu sob a minha editoria, O Lábaro cumpre, hoje, mais do que essa função: esse carisma.

O LÁBARO: Você é o biógrafo do dom Antônio Affonso de Miranda, alguém que tinha um grande apreço pelo jornalismo e pelo jornal O Lábaro em especial. Qual você considera ter sido a grande contribuição dele para o jornal?

Henrique Faria: Dom Antônio era jornalista. De carteirinha. Aliás, as mesmas duas habilitações que eu: jornalismo e direito. Também jornalista por Medida Liminar. Antes de ser bispo foi diretor do jornal O Lutador, de Manhumirim-MG, por muitos anos. Enfrentou barra pesada nos primeiros anos do governo militar que se instalou no Brasil em 1964. Ele gostava do jornalismo. Ele era da casa.  Mas, vamos ser honestos. Ele amava O Lábaro. Mas era, antes de tudo, um administrador diocesano responsável. E foi sob o seu episcopado que, diante do cansaço a que o padre Pedro Lopes se viu na direção do jornal, vendo a inviabilidade econômica do empreendimento, aceitou o fechamento do jornal em 1989. Não havia colaboração suficiente para manter o jornal em pé e ninguém se apresentou para mantê-lo circulando até que oito anos depois eu assumi esse encargo. Com o retorno do jornal em 1997, dom Antônio abraçou novamente a causa, como bispo emérito, e jornalista responsável. Meu relacionamento com ele, como editor, durante os catorze anos em que toquei o jornal, foi o mais cordial, mais filial da minha parte, e mais amigo, sem qualquer “senão” que nos tivesse arranhado o ótimo relacionamento.

O LÁBARO: Como você vê o futuro do jornalismo e, especialmente, do jornal O Lábaro nesta era digital, de constantes e rápidas transformações?

Henrique Faria: Digo por hoje. Especialmente para o público que o jornal atinge, ainda há espaço para o jornal físico. Não sei até quando. Mas, evidente que o jornal digital é muito mais viável, mais promissor, pode ser muito mais completo. Mas, se é para ocupar um espaço efetivo na mídia, é preciso mais profissionalismo. Acho que a internet é a grande oportunidade de se impor na mídia. Há tanta mediocridade ganhando milhões de seguidores, inclusive alguns veículos digitais católicos de forte matiz conservadora, por que O Lábaro não pode ganhar esse espaço? Profissionalismo.

O LÁBARO: Há alguma mudança ou inovação que você gostaria de ver implementada n’O Lábaro?

Henrique Faria: Um investimento mais humano na versão digital. Eu sei de todas as dificuldades, da prioridade secundária de um empreendimento como esse. Quando vejo alguns sites católicos que se prestam a criticar o papa e promover o ódio digital entre os católicos, eu me volto a dom Epaminondas que criou O Lábaro, exatamente para combater o que, naquela época, ele via como “os inimigos da Igreja”.

 

Por Pe. Jaime Lemes, msj

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