O Desafio de conjugar Legislação e Vida

Por Anaísa Stipp

Hermes Rodrigues Nery é especialista em Bioética, pela PUC-RJ, coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté. Membro da Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB, diretor da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e da Associação Guadalupe. É autor do livro “A Igreja é Viva e Jovem” (Ed. Linotipo Digital, 2013), lançado na Jornada Mundial da Juventude. Nesta edição, em entrevista para O Lábaro, ele conta um pouco dos desafios enfrentados pela Igreja na defesa da vida e na tentativa de conjugar legislação e promoção da vida humana.

O Lábaro: O senhor vem se dedicando, há algum tempo, à defesa da vida, representando a Diocese de Taubaté.
Prof. Hermes: Por convite do nosso Bispo Diocesano, Dom Carmo João Rhoden, assumi a Comissão em Defesa da Vida há quase dez anos. Em 28 de outubro de 2005, o Bispo fundou o Movimento Legislação e Vida, com o carisma de defender os princípios e valores da doutrina social da Igreja, contidos especialmente na Evangelium Vitae.

O Lábaro: Como tem sido os trabalhos da Comissão?
Prof. Hermes: Nosso maior desafio é enfrentado no difícil campo legislativo, onde os ataques contra a vida humana e a família tem se intensificado, através de leis contrárias ao direito natural. Começamos por fazer um mapeamento da situação verificando quais projetos de lei tramitavam no Congresso Nacional tratando do assunto. Depois disso, fomos entrando em contato com os tomares de decisão, juntamente com outros grupos de diversas partes do País, buscando conscientizar deputados, senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal. O objtivo era evitar que aprovassem leis que atentam contra a dignidade da vida humana (cuja inviolabilidade está prevista no art. 5º da Constituiçao Federal), bem como propor iniciativas de afirmação da cultura da vida. Nesse particular nossa intenção é aprovar a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) pela Vida, que visa explicitar na nossa Carta Magna, através de uma emenda constitucional, o direito a vida desde a concepção. Tem sido esse o nosso trabalho ao longo de dez anos.

O Lábaro: Então, a Comissão tem trabalho também em defesa dos valores da família?
Prof. Hermes: A Evangelium Vitae faz esse apelo, que o nosso bispo destacou na fundação do Movimento Legislação e Vida, dizendo que “em meio aos desafios da atualidade, a Igreja é chamada a conclamar o valor da família e da vida humana, posicionando-se em favor dos mais fragilizados. Hoje, são tanto os atentados contra a família e a dignidade da pessoa humana, que urgem ações que visam afirmar uma ‘cultura da vida’ e da solidariedade, quando em todo o mundo vamos assistindo uma ‘conjura contra a vida’, de dimensões cada vez mais abrangentes, e não podemos enquanto cristãos e comunidade de fé, estarmos omissos”. Nestes quase dez anos, com o Padre Ethewaldo Naufal Júnior, trabalhamos com uma equipe enxuta, mas coesa. A Antonia Helena Couto e Silva é a vice-coordenadora e também está desde 2005, sempre nos ajudando nas demandas existentes.

O Lábaro: Que outras ações foram desenvolvidas pela Comissão?
Prof. Hermes: Sempre participamos de grupos de estudos, principalmente ligados ao Regional Sul 1 da CNBB e Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, cujo presidente, Prof. Humberto Leal Vieira (esteve presente na fundação do Movimento Legislação e Vida, em São Bento do Sapucaí) é membro da Pontifícia Academia para a Vida. Procuramos estudar e nos aprofundar cada vez mais nos temas voltados à vida e à família. Em nível diocesano, promovemos quatro seminários de Bioética e um importante congresso internacional em defesa da vida, na abertura da Campanha da Fraternidade de 2008, que teve como tema a “Defesa da Vida”. A questão do aborto é ponta do iceberg de toda esta problemática, como explicita bem a Evangelium Vitae.

O Lábaro: A comissão tem batalhado contra a liberação do aborto. Quais tem sido os resultados?
Prof. Hermes: Para defender a vida é preciso começar por onde ela está mais ameaçada e fragilizada, por isso, a questão do aborto é relevante. Nas discussões, por exemplo, sobre a reforma do Código Penal, já se fala em eutanásia. Na Declaração de Aparecida em Defesa da Vida (documento final do congresso internacional promovido pela Diocese de Taubaté, em fevereiro de 2008), destacamos que “desde os anos 80, por consenso estratégico, elaborado pelas grandes Fundações internacionais que promovem o aborto, as políticas de controle populacional têm sido apresentadas propositadamente camufladas sob a aparência de uma falsa emancipação da mulher e da defesa de pretensos direitos sexuais e reprodutivos, difundidos através da criação e do financiamento de uma rede internacional de organizações não-governamentais (ONGs) que promovem o feminismo, a educação sexual liberal e o homossexualismo.” E ainda que “a Organização das Nações Unidas (ONU), desde a década de 1980, comprometeu-se com as políticas de controle populacional, que constituem, atualmente, um dos grandes pólos de suas ações. Através de seus comitês de monitoramento a ONU tem propositalmente fomentado o desenvolvimento de uma jurisprudência no campo do direito internacional pela qual tenciona-se preparar o reconhecimento do aborto como direito humano. Através de vários de seus órgãos e de suas agências, a ONU tem sido ainda um dos principais organismos internacionais promotores da legalização do aborto nos países da América Latina.” Por isso, a questão do aborto é também uma questão política. Nesse sentido, a Comissão em Defesa da Vida e Movimento Legislação e Vida precisariam não apenas ter um diagnóstico da situação, e atuar feito bombeiro nas comissões do legislativo brasileiro, buscando impedir leis antivida e antifamília, mas também ter ações propositivas nestes campos decisórios.

O Lábaro: Mas como podemos impedir tantos movimentos, até mesmo internacionais, a favor do aborto?
Prof. Hermes: Foi assim que atuamos, por exemplo, em conjunto com outros grupos, no caso do PL 1135/91, que visava legalizar o aborto no Brasil. Depois de levarmos informações aos deputados e senadores, conseguimos que não fosse aprovado, numa histórica votação, em 7 de maio de 2008, na Comissão de Seguridade e Família, obtendo uma importante vitoria, quando, por unanimidade, os deputados votaram contra o aborto e pela vida, em consonância com todas as pesquisas de opinião, que afirmam ser a maioria do povo brasileiro (82% segundo o VOX POPULI) contrária ao aborto e a favor da vida. E os deputados votaram pela vida naquela votação. Eu estava lá no plenário da Câmara dos Deputados, naquele dia, e o primeiro quem avisei, pelo celular, falando daquela importante vitória foi o nosso bispo diocesano, Dom Carmo João Rhoden. Naquele dia vivênciamos realmente, uma histórica votação. E mostrou que é possível, com um trabalho sério e dedicado, fazer afirmar a cultura da vida, no desafio de conjugar legislação e vida, como pede a Evangelium Vitae.

O Lábaro: No campo político, quais outras iniciativas foram feitas?
Prof. Hermes: Ainda em 2008, a nossa Comissão em Defesa da Vida participou de uma audiência pública na Câmara dos Deputados. Lá defendemos a posição da Igreja mantida pelo Dr. Cláudio Fonteles, na ADIn3510. O STF havia promovido uma audiência pública para debater o tema “quando começa a vida humana”, e o ministro relator da ADIn3510, Carlos Ayres Brito, justificou o uso das células-tronco embrionárias para fins de pesquisa científica, recorrendo ao fato do texto constitucional omitir-se sobre a afirmação de quando deve se garantir a inviolabilidade da vida humana (art. 5º da CF). O relator afirmava que “há um silêncio de morte sobre o início da vida” no texto constitucional. Daí então, o Movimento Legislação e Vida começou a trabalhar para tornar explícito o direito à vida, desde a sua concepção, em todos os textos legislativos, começando pelo âmbito municipal.

O Lábaro: O senhor, quando presidiu a Câmara Municipal de São Bento do Sapucai, conseguiu fazer aprovar, pela primeira vez no Brasil, uma lei em defesa da vida. Qual foi a repercussão disso?
Prof. Hermes: Como Presidente da Câmara Municipal de São Bento do Sapucaí (gestão 2009-2010), foi promulgada a primeira lei orgânica pró-vida do Brasil. Essa lei estabelece políticas públicas em defesa da vida humana, desde a concepção, e promoção da família, primeira e principal instituição humana. Dom Carmo esteve presente na sessão solene de promulgação da inédita lei orgânica pró-vida, que se tornou referência para outras localidades, em outros estados e até mesmo fora do País. Nesse sentido, lançamos a Campanha São Paulo pela Vida e começamos a coletar assinaturas visando incluir o direito à vida desde a concepção, na constituição do estado de São Paulo, via iniciativa popular, com apoio de outras comissões em defesa da vida de outras dioceses. Nosso objetivo é alcançar 330 mil assinaturas. Já conseguimos obter quase duzentas mil assinaturas.

O Lábaro: E como está indo essa campanha? Ela continua?
Prof. Hermes: Fizemos mutirões em prol da vida na Catedral de Taubaté, na Basílica de Aparecida, na Canção Nova e outras paróquias, e prosseguimos com a coleta de assinaturas. Esperamos também, com essa e outras iniciativas, fazer aprovar no Congresso Nacional a PEC pela Vida, com o fim de explicitar no art. 5º da Constituição Federal, a inviolabilidade da vida humana, desde a sua concepção. Em dezembro do ano passado, a Comissão Diocesana em Defesa da Vida representou oficialmente a Diocese de Taubaté em audiência pública sobre a questão do aborto, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. No primeiro semestre deste ano, atuamos com vários grupos em Brasília e conseguimos erradicar a inclusão da chamada ideologia de gênero no Plano Nacional de Educação, obtendo mais esta importante vitória pró-família no Congresso Nacional. Desse modo perseveramos, no carisma e missão do movimento diocesano Legislação e Vida. A comissão em defesa da vida trabalha em sintonia com o Regional Sul 1 da CNBB, e participa de várias entidades e organizações, integrando inclusive a diretoria da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e a Associação Guadalupe (que faz atendimento a gestantes em situações de vulnerabilidade, dando acolhida e assistência). Apesar das dificuldades e desafios existentes, são quase dez anos de perseverança na missão evangelizadora. Todas estas iniciativas são motivadas pelo nosso bispo diocesano, Dom Carmo João Rhoden, e, com toda equipe procuramos trabalhar sempre em comunhão eclesial.

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