Mês Vocacional

Já é uma tradição da Igreja no Brasil a realização do Mês Vocacional, quando cada domingo é dedicado à oração e reflexão sobre uma vocação. Mas podemos fazer reflexões a partir de outras óticas e, assim, alargar os nossos horizontes sobre a questão vocacional e para que tenhamos condições de aprofundar a nossa própria vocação.

Compreendemos a vocação como um chamado de Deus. Isso nos mostra a vocação dentro da nossa relação com o próprio Deus. De fato, a vocação é fruto do relacionamento entre Deus e a pessoa humana e do diálogo entre eles. Um exemplo disso para nós é a anunciação à Maria do nascimento de Jesus. É no diálogo com Gabriel que Maria supera todas as suas dúvidas, entende o projeto de Deus e tem condições de responder livremente à sua proposta. Através do cultivo da vida espiritual tanto em âmbito pessoal como eclesial, o diálogo com Deus faz com que a sua graça nos ajude a discernir nos caminhos da história e na vida comunitária o chamado que Ele nos faz e as condições para a sua vivência. Sendo assim, vocação não é um momento especial da nossa vida, mas uma construção de cada dia, de cada momento, onde se é interpelado pelo próprio Deus através de um relacionamento constante com Ele.

Outro elemento muito importante do processo vocacional é saber para que Deus nos chama. Normalmente, quando falamos em vocação, logo pensamos no serviço que deve ser feito. Deus nos chama para trabalhar na sua messe e precisamos ver que trabalho nos foi destinado. Infelizmente, esta mentalidade é muito difundida e obscurece a vocação na sua totalidade. De fato, muitos procuram manter o seu foco na tarefa que lhes foi confiada, embora isso não seja o mais importante porque, se fizermos tudo o que deveríamos fazer, devemos dizer: somos servos inúteis (cf. Lc 17, 10). Jesus não nos quer servos, mas amigos (cf. Jo 15, 15). Isso significa que a finalidade primeira da vocação não é o exercício de uma função, mas sim a comunhão com Deus. A partir desta comunhão, não exercemos uma função, mas participamos de uma missão que não é nossa e que implica no relacionamento com Ele. Assim, a vocação é um convite para participarmos da vida divina e vivermos em comunhão com a Santíssima Trindade. Todo trabalho executado a partir dessa mentalidade deixa de ser um simples serviço ou tarefa e passa a ser construção de comunhão com a Trindade e com os nossos irmãos e irmãs.

Esta comunhão é construída inicialmente em âmbito eclesial. Somos chamados a viver a nossa fé em comunidade. Isoladamente, ninguém vive a comunhão com a Trindade, ninguém vive a dimensão vocacional da fé. A comunidade acolhe as angústias e esperanças dos homens, anima e orienta a comunhão, participação e missão (Cf. CELAM, Documento de Santo Domingo, 58). Sendo assim, a comunidade tem incidência sobre a nossa vocação e a nossa vocação tem incidência sobre a comunidade eclesial que participamos.

É por isso que a Igreja tem muitos ministérios relacionados com a vida eclesial, sejam aqueles que são relacionados ao ministério ordenado, exercido pelo bispo, presbítero ou diácono, sejam aqueles que são exercidos pelos leigos e leigas que, pelo batismo, participam do tríplice múnus de Cristo e atuam em pastorais diretamente ligados à sua condição como liturgia, catequese, animação vocacional e dízimo, entre outros. Nesse sentido, o Concílio Vaticano II afirma: “A paróquia apresenta um exemplo luminoso do apostolado comunitário, congregando num todo as diversas diferenças humanas que encontra e inserindo-as na universalidade da Igreja” (Decreto ApostolicamActuositatem sobre o apostolado dos leigos, 10). Assim, a vocação é vivida a partir do conceito de comunidade ministerial onde o ministério é a concretização histórica dos carismas concedidos pelo Espírito Santo à sua Igreja.

Mas a Igreja não existe como uma realidade fechada em si. A Igreja se relaciona com o Reino de Deus e com o mundo. Não podemos pensar numa Igreja que não esteja inserida no mundo com a missão de construir o Reino de Deus na história a partir da obra evangelizadora. Isso significa que vocação tem incidência no mundo, não simplesmente para resolver os problemas, mas para transformar de maneira efetiva o mundo, segundo Cristo (Cf. CELAM, Documento de Aparecida, 99 f).
Para que isso aconteça, os leigos e as leigas são chamados à atuação no mundo a partir das pastorais sociais. Elas não significam uma mera atuação em nível de filantropia, mas uma questão de fé. Precisamos humanizar o mundo porque somente o ser humano é capaz de ter consciência da necessidade da vida em comunhão com Deus. Situações desumanas impedem a comunhão com Deus e, por isso, precisam ser superadas. Deus chama todas as pessoas a se desenvolverem e a crescerem em humanidade (Cf. PAULO VI, Carta Encíclica PopulorumProgressio, 15).

Somos vocacionados. Somos chamados por Deus para viver em comunhão com ele e com o mundo, assim como contribuir para que o mundo viva em comunhão com Ele e entre si. Que este mês vocacional nos ajude a descobrirmos esta dimensão da vocação para darmos um passo a mais no crescimento do nosso relacionamento com Deus e na construção do seu Reino na história.

Pe. José Adalberto Vanzella
Doutor em Teologia Pastoral

Fonte: Jornal O Lábaro – agosto de 2015

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