E o Papa Francisco se fez um de nós, um “Papa do Povo”

A notícia ecoou nos jornais e revistas do Brasil, a despeito dos que poderiam querer uma notícia diferente: O Papa Francisco,de jeito simples, sorriso aberto e mãos estendidas, caiu nas graças do povo em sua visita ao Brasil e acena  para um futuro melhor para os nossos jovens, desencantados com o mundo que está aí. O encontro do Papa com os jovens foi uma renovação das esperanças.

Ao chegar ao Brasil,dia 22 de julho, dirigiu palavras muito carinhosas: “Aprendi que para ter acesso ao Povo Brasileiro é preciso ingressar pelo portal do seu imenso coração; por isso permitam-me que nesta hora eu possa bater delicadamente a esta porta”. E o próprio Papa Francisco impressionou-se ao abrir a janela do Fiat Idea (um carro popular que preferiu usar) e ver a imensa multidão que o aguardava: “Tudo isso é para mim?”. Pouco depois dechegar  no Rio de Janeiro, em sua primeira viagem internacional,o Papa estava alerta a todo momento, bem disposto aos 76 anos de vida, com um espírito jovem. Embora uma viagem internacional(Itália-Brasil) de 12 horas de vôo, sem dormir, não deixava entrever nenhum cansaço.

Ao passar pelas ruas do Rio de janeiro, nas calçadas milhares de pessoas se acotovelavam,telefones celulares, máquinas fotográficas a postos em inúmeros ‘flesches’ para registrar algum momento da passagem de Francisco, que foi assim durante toda a semana. Fez questão de andar no ‘papamóvel’ aberto e a todos que pode estendeu as mãos, afagou as crianças, distribuiucumprimentos, abraçou idosos e deficientes, fazendo-se , insistentemente, próximo do povo. Acostumado às massas, atraídas pela voz mansa e clara, de mensagem direta e estilo simples de ser, o Papa Francisco, antes um argentino que poucos conheciam na grande mídia internacional, atraiu à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) milhões de pessoas e conquistou a todas (Calcula-se em 3,5 milhões).

………………………………..

Em Aparecida, a terra da Padroeira do Brasil, ele se deixou fotografar emocionado, como um simples peregrino diante da imagem da Imaculada Conceição, Nossa Senhora Aparecida. Na homilia convidou a todos a conservar a esperança, a deixar- se surpreender por Deus e a viver na alegria. Na tribuna Bento XVI, deu uma benção toda especial aos que participaram da missa fora do Santuário através dos telões, prometendo voltar em 2017 para a comemoração dos 300 anos da apariçãoda imagem de Nossa Senhora . Do mesmo modo, deixou-se fotografar com o pessoal da cozinha e agradeceu um a um pela refeição em que se fartou de purê de banana e doce de leite.

………………………………..

Na favela em que visitou no Rio de Janeiro, na Comunidade da Varginha, em Manguinhos, ao passar por um templo evangélico de portas abertas, surpreendeu a todos ao pegar na mão de dois pastores na porta e pedir: “Rezem por mim” e juntos rezaram o ‘Pai-Nosso’. Na missa, em Copacabana, o tom parecia-se, ainda que involuntário, com um samba, dizendo um jargão da JMJ: “Bote fé e a vida terá um novo sabor”. Diante das palavras de Francisco a multidão de fiéis foi ao ‘delírio’, numa força de expressão.

………………………………..

Na sexta-feira, dia 28 de julho, quando voltou a Copacabana, para a encenação da ‘Via-Sacra’ feita pelos jovens e com a participação especial dos artistas, Francisco já estava definitivamente instalado como o “Papa do Povo”. Tratou-se de uma ‘Via-Sacra’ composta pelos nossos padres dehonianos, ‘Zézinho’ e ‘Joãozinho’,trazendo os dramas, paixões, calvários, que vivem os nossos jovens hoje, à luz do drama que viveu Jesus em sua Paixão. Por detrás de tantos desencontros humanos o Homem-Deus, Jesus, encontra-se com a humanidade e, para além dos nossos calvários, nos apresentao caminho da verdadeira vida. O Papa Francisco amarrou muito bem fazendo uma profunda reflexão sobre o mistério da cruz e nos convidou a contagiar por esse amor divino de Jesus, que nos ensina a olhar o outro com misericórdia, para transfigurarmos a nossa realidade.

………………………………..

Para uma cidade litorânea, tropical mesmo no inverno, foram dias chuvosos, de muito sereno, nublado, frio… como há muito não se fazia, mas, em contrapartida, não faltou o calor humano, a acolhida entusiasmada da juventude sempre  alegre, eufórica, bem como a acolhida calorosa do carioca e do povo em geral. O balanço do encontro com os jovens foi excepcional, embora a própria cidade do Rio de Janeiro não estivesse preparada para receber tanta gente. Na televisão, a jornalista anunciava que o Rio de Janeiro nunca havia recebido tanta gente de uma só vez. A grande praia de Copacabana, nome que homenageia Nossa Senhora de Copacabana, um dos cartões postais da cidade, ficou completamente cheia em toda a sua extensão, com muitas vozes, de línguas do mundo inteiro, com a diversidade das culturas sinalizadas nas inúmeras bandeiras, atestando a universalidade da Igreja. Faltou ônibus, metrô, infra-estrutura, acomodação (muitos dormiram na praia), mas não faltaram  o espírito esportivo, a tolerância, a animação, o brilho da juventude do mundo inteiro que se encontrou no Rio de Janeiro. No Rio dos protestos zangados, que por sinal não arrefeceram, o Pontífice iluminou as legiões de católicos que tomaram conta da cidade com mensagens de fé, para espanto dos desavisados.

O Papa, mostrandoque  veio, de modo especial para os jovens, falou do risco dos valores efêmeros como o sucesso e o poder, alertou para as atitudes egoístas, convocou-os a não esmorecer na luta contra a corrupção e reforçou a cruzada contra a pobreza e a desigualdade social, que já promovia quando ainda era o arcebispo Mário Bergoglio, em Buenos Aires, Argentina. Disse enfático:” não se acostumem com o mal, é preciso vencê-lo”.

O jesuíta mais franciscano da Santa Sé embarcou em Roma, carregando a própria pasta de couro que levou para todo lado. Dentro dela havia um ‘nécessaire’ simples com objetos de higiene pessoal, os discursos que escreveu para fazer aqui, a ‘Liturgia das Horas’ e um livro de Santa Teresinha do Menino Jesus, devoto que é da ‘Santinha das Rosas’, mais um motivo de alegria para nós de Taubaté que temos o primeiro santuário dedicado a ela. Na ocasião de sua vinda cumprimentou e conversou com os jornalistas, leu o ‘L’Osservatore Romano’, jornal oficial do Vaticano, e passou a maior parte da viagem de pé, conversando com outros prelados. Segundo informações, o Papa Francisco tem dores crônicas no quadril e no joelho e, em tais circunstâncias, prefere ficar de pé. Cada Papa tem o seu brilho próprio. Com efeito, o Papa João Paulo II era queridíssimo do povo e possuía uma figura muito mediática com a sua simpatia; o Papa Bento XVI, hoje emérito, tem uma natureza muito reservada, mas possui uma invejável intelectualidade: é profundíssimo com uma linguagem muito acessível. Já o Papa Francisco, com sua natural simplicidade, tem uma fala direta e procura responder aos desvios de rota em muitos com a determinação de um pai que quer colocar ordem na família, exercendo um poder querido pelo Evangelho; a de um pai amoroso, exortando quando necessário os seus filhos. O sopro de renovação que o novo Pontífice encarna reflete tanto nos depoimentos favoráveis a sua pessoa, dado pelo povo, quanto aos anseios expostos pelos jovens que vieram à JMJ. O Papa Francisco não se furtou de ir às ruas: ao ver um cadeirante junto à barreira de proteção, mandou parar o ‘papamóvel’, desceu e foiabençoá-lo. Por alguns minutos ficou rodeado pelo povo. Aliás, cada passagem do ‘papamóvel’ em qualquer lugar, era acompanhado por gente que tentavase aproximar do Pontífice para apreensão e susto de uma segurança cheia de falhas do lado brasileiro. Outrasmilhares de pessoas enfrentavam a chuva para ouvir o Papa na favela de Varginha, na zona norte do Rio. Antes do discurso no qual elogiou a disposição do brasileiro de sempre ‘por água no fejon’, para alimentar a quem mais chega, ele proporcionou ao eletricista Manoel da Penha, 58 anos, e sua esposaLúcia,62, a maior emoção de suas vidas: fez-lhes uma visitinha. A casa estava entre as 7 pré-selecionadas e 20 pessoas entre parentes e amigos se apertavam com o casal na sala decorada com balões e um pôster do Papa.”Ele chegou sorrindo e cumprimentou a cada um. Depois pegou no colo as quatro crianças que estavam lá e as beijou”, conta Lúcia emocionada.Todos ganharam um terço e uma benção. Assim, dadas as diferenças próprias de cada um, o Papa Francisco repetiu o gesto de João Paulo II, em 1980 – a primeira e monumental  visita de um Papa ao Brasil-, que também esteve numa favela, a do Vidigal. No caso de Francisco, a simplicidade é marcante, embora o “Papa pertence a uma das ordens mais sofisticadas e competentes da história da Igreja, a dos jesuítas… é uma pessoa bem formada intelectualmente”, diz o professor Roberto Romano, professor de ética e filosofia da UNICAMP. Mas todos os que estiveram com ele, sem exceção, comentam a sua simplicidade. Na residência onde se hospedou no Rio, quanto ao cardápio… comia de tudo. Avesso as ostentações, seu anel papal é de prata dourada e a cruz peitoral é de ferro, a mesma que usava como arcebispo. Até o sapato é franciscano, de cor preta, uma vez que dispensou os sapatos vermelhos, usados pelos papas ( o vermelho,nocaso,é símbolo do martírio de Pedro). Os sapatos que usa são feitos na Argentina, sob medida, pois tem os pés chatos.

Com todo esse modo simples de ser, o Papa Francisco se identifica com o povo e o povo responde generosamente à simpatia do Pontífice. O mesmo sucesso que fez na JMJ, fez no vôo de volta à Roma. Submeteu-se a uma sabatina de 26 perguntas dos jornalistas em 82 minutos de conversa, com uma informação bonita pela simplicidade, dita em italiano. Na verdade, o Papa concedeu duas entrevistas corajosas. Uma delas, exclusiva ao repórter Gerson Camarotti, da Globo  News (exibido no Fantástico, no domingo, dia 28 de julho). A outra concedeu dentro do avião, numa coletiva – costume inaugurado por João Paulo II, mas com perguntas previamente prontas-. Já com o Papa Francisco tudo foi feito sem uma preparação prévia. Ele apareceu no fundo da aeronave, pegou um microfone e de modo calmo e simpático, com o mesmo carisma que atraiu multidões no Rio e em Aparecida, passoutranquilamente  pelos temas espinhosos. Foidireto, sincero, seguindo, como era de se esperar, as leis do Evangelho. Embora chefe supremo da Igreja comportou-se com os jornalistas como um fiel comum, quebrando protocolos, diz o cientista da religião, Afonso Soares, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Abordou temas como corrupção na Cúria, evasão de fiéis, o Vatileaks, o “Lobby gay” de forma serena e tranqüila: é contra tudo o que está errado, obviamente; nenhum lobby é bom, deseja uma Igreja acolhedora e misericordiosa, considera inaceitável o afrouxamento em relação à doutrina cristã. Mostrou que sabe conversar com o seu rebanho evitando temas cujas respostas são óbvias e vê o Papa emérito, Bento XVI, como um homem de oração e um avô sábio que tem na família, de quem tem muita admiração. Trata-se de um Pastor que se compadece das ovelhas de Cristo e mostra um sincero desejo de fazer uma bela limpeza na seara do Senhor, para fortalecer a Igreja, sanado-a por dentro e tornando-a uma Igrejagenuinamente evangelizadora. Diz o Papa:” ir até as periferias, não apenas geográficas mas também existenciais” com simplicidade nos atos e nas palavras. No Brasil esbanjou gestos de expontaneidade: carro aberto, ir ao encontro do povo em diversos momentos (para desespero dos “angelicustodi”, os “anjos da guarda”, como são chamados os seguranças do Papa), ganhando presentes, abraços, beijos.

Reunindo pareceres positivos e várias informações de diversos jornalistas o presente artigo conclui pelo tema proposto. Ao deixar a Capela dos Apóstolos, em Aparecida, o Papa se volta novamente para a imagem da Padroeira do Brasil e sorri, transmitindo um semblante inspirado, iluminado…; de fato, um comportamento arrebatador, de uma sensibilidade notável: um “Papa do Povo”… alguém  que se fez um de nós.

Monsenhor José Eugênio de Faria Santos

pároco da Paróquia Nossa Senhora do Rosário.

×