DOUTRINA DA IGREJA SOBRE O TRABALHO

“No sétimo dia, concluída a obra que fizera, Deus descansou, depois de toda obra que fizera” (Gn.2,2).

Aspectos Bíblicos – De maneira sucinta, apresentaremos aqui os principais aspectos do ensinamento da Igreja sobre o trabalho humano. Como todo ensinamento do Magistério, o que a Igreja ensina sobre questões sociais também tem seu fundamento na Palavra de Deus. É desta fonte que a Igreja colhe o que ensina. Recorrendo à Bíblia, recordamos aqui algumas citações sobre o trabalho humano. O Antigo Testamento apresenta Deus como criador onipotente. Ele cria o ser humano à sua imagem e semelhança e o incumbe de cultivar e guardar o jardim do Éden, onde foi colocado e incumbido de um trabalho (Gn.2,15). Vemos aí que o trabalho pertence à condição originária do homem e precede ao pecado. Portanto, originalmente, não é apresentado como punição nem como maldição. O trabalho deve ser honrado porque evita a indigência e dá condições de vida digna (Provérbios 10,4). O trabalho é importante, mas Deus é fonte da vida e meta do ser humano. Por isso, vale mais o pouco com Deus do que grandes lucros sem Ele (cf. Pr.16,8). Ápice do ensinamento bíblico sobre o trabalho é o mandamento do repouso sabático, que é defesa do pobre, pois dá ao homem oportunidade de descanso, de convivência e de voltar-se para Deus. Assim conduzido, tanto o trabalho como o descanso humanizam. Jesus é reconhecido, em referência ao seu trabalho, “é o carpinteiro” (cf. Mc.6,3). Ao se referir à sua missão de evangelizar e de restabelecer a vida Jesus a define como um trabalho: “meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho” (Jo.5,17). Ele ensina que ninguém deve se escravizar pelo trabalho, pois de nada adianta conquistar tudo e perder a própria vida (Mc.8,36). O trabalho humano nos associa à obra da criação. Pela nossa fadiga diária, também nos une a Cristo que leva a cruz: “Se sofremos com Ele, com Ele reinaremos” (2Tm.2,12). O trabalho vivido segundo a vontade de Deus e como serviço aos irmãos é meio de santificação. Nenhum cristão deve se sentir no direito de não trabalhar e de viver às custas dos outros. São Paulo é taxativo: quem não quer trabalhar, não coma (2 Ts.3,10-12).

Importância do trabalho e dignidade do trabalhador – No século XIX, diante dos desafios gerados pelo processo de industrialização, o Papa Leão XIII, em 1891, publicou a Rerum Novarum, a primeira das encíclicas com temática social. Esta encíclica e outras que se seguiram reafirmam princípios universais, e ainda hoje de grande atualidade, sobre a importância do trabalho, a dignidade dos trabalhadores e seus direitos.  Elas se constituem como forte e profética defesa da dignidade dos trabalhadores, que devem ser sempre respeitados como pessoa e não apenas considerados como força de produção. O trabalho é sobretudo ato da pessoa; esta deve ser respeitada em sua dignidade. Vejamos um trecho da Rerum Novarum: “Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objeto de vergonha, faz honra ao homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços” (Papa Leão XIII, RN,12). O trabalho é apresentado como essencial, pois dele depende o desenvolvimento econômico, cultural e moral da pessoa, da família, da sociedade, e de todo o gênero humano. O trabalho procede da pessoa e tem a pessoa como finalidade e beneficiária.  No Concílio Vaticano II, os bispos afirmaram: “A atividade humana, do mesmo modo que procede do homem, assim para ele se ordena. Com sua ação, o homem não transforma apenas as coisas e a sociedade, mas realiza-se a si mesmo. Aprende muitas coisas, desenvolve as próprias faculdades, sai de si e eleva-se sobre si mesmo. Este desenvolvimento vale mais do que os bens externos que se possam conseguir” (Gaudium et Spes, 35). O trabalho possui uma dimensão espiritual, pois, com seu trabalho a pessoa participa da obra criadora de Deus. O trabalho humano possui também dimensão social pois cada um depende e se beneficia com o trabalho dos outros. Esse benefício não se restringe ao presente, mas também somos beneficiados por todo trabalho realizado no passado e deixamos contribuições importantes para o futuro.

Trabalho e repouso – Mediante o trabalho, o ser humano se assemelha a Deus, senhor do mundo. O trabalho proporciona condições de vida digna para a pessoa e para a família. Contudo, a pessoa não pode escravizar-se ao trabalho. O trabalho nos dá condições de viver melhor, mas não pode absorver e menosprezar os outros aspectos da vida. O ser humano deve trabalhar para viver e não viver para trabalhar. A Bíblia diz que concluída a obra da criação, no sétimo dia, Deus descansou (Gn.2,2). Essa é a motivação religiosa para que o trabalho humano não seja massacrante. Assim o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, no ritmo da semana, deve ter tempo para descansar, dedicar-se à família, à cultura, ao convívio social, à relação com Deus. Na encíclica Laborem Exercens, o Papa São João Paulo II escreveu: “Ao lado do salário há outras subvenções sociais que têm como finalidade assegurar a vida e a saúde dos trabalhadores e de suas famílias. (…) Aspecto importante é o direito ao repouso; trata-se aqui, antes de mais nada, do repouso semanal regular, compreendendo pelo menos o domingo, e além disso de um repouso mais longo, as chamadas férias, uma vez por ano ou, eventualmente, algumas vezes durante o ano, divididas em períodos mais breves” (LE,19). Que o trabalho nos proporcione realização pessoal e beneficie nossa família e a sociedade.

 

Dom Wilson Angotti
Bispo Diocesano de Taubaté

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