Como viver bem com sofrimento e luto?

Culturalmente, falar sobre a morte é algo evitado na maioria das rodas de conversa. Sempre que o assunto chega a esse tema, logo escutamos alguém dizer “vamos mudar de assunto, vamos falar de coisas boas?”. Muitas vezes, passamos a vida toda ouvindo falas e comentários, que nos levam a encarar a morte como algo negativo, considerando ser a morte, contrária a vida. Porém, ainda que possamos encontrar como definição ao morrer “cessação total da vida”, essa, se faz contrária ao nascimento, não havendo, portanto, contrário à vida. Como psicoterapeuta, poderia listar uma série de comportamentos capazes de cessar a vida, antes mesmo que ela acabe. Entre eles, o medo da perda.

 A angústia provocada por tal medo da perda, está presente desde o apego a um objeto, à perda daqueles que mais amamos. E quando nos prendermos a esse medo, podemos nos paralisar, pois estamos a perder diariamente. Não somos ensinados a perder, a perda é quase sempre ensinada como algo ruim. Para nosso ego, perder muitas vezes se torna inaceitável.  Perdemos tantos momentos e em troca de que? De ganhar mais dinheiro? Mais bens? Mais status? Essas perguntas me levam a um infinito questionamento: Será que nos damos conta do quanto nos perdemos de nós mesmos? Quantas vezes nos afastamos de nós? Quantas vezes nos evitamos? Quantas vezes mergulhamos freneticamente em trabalho, em relacionamentos ou em qualquer outra coisa que nos rouba de nós mesmos? Se a perda nos causa angústia, começo a ter uma melhor compreensão quanto ao aumento no índice de suicídios, de pessoas com ansiedade, depressão, vícios, entre outros sintomas provocados pela perda de si. É fato que cada escolha se atrela a uma renúncia. E é espantoso o quanto abrimos mão de nós, por coisas que verdadeiramente poderíamos viver perfeitamente sem. Um professor certa vez escreveu essa frase “Para o ego morrer não faz nenhum sentido. Para o Self morrer é o único sentido”. Analiticamente, nosso ego é nosso maior inimigo. É por ele que mantemos vícios, medos, angústias. Pois nosso ego acredita que tudo pode controlar, inclusive a hora da nossa morte e daqueles a quem amamos. O desejo do ego é ser eterno e seu maior medo é o de se findar. Consequentemente, para atender aos caprichos do nosso ego, nos afastamos no nosso self, nos afastamos do sagrado que existe em nós.

É evidente a tristeza surgir no momento de uma perda, e quanto mais significativa essa perda, maior essa tristeza. Mas tristeza e sofrimento não são sinônimos, ainda que normalmente sejam associadas. Tristeza esta associada à falta, à saudade, ao amor que inicialmente sentimos ter sido impedidos de sentir. Digo inicialmente, pois sendo amor algo imaterial, incondicional, atemporal e eterno, a perda física não pode levá-lo. Já o sofrimento, está associado à posse, ao controle, ao desespero de não termos mais acesso ao nosso objeto de amor. Noto muitas vezes o sofrimento atrelado à culpa, por sentir que não fizemos o suficiente, não aproveitamos tanto quanto gostaríamos, portanto é necessário que possamos exercitar o perdão, o autoperdão, para que seja possível nos despedirmos do sofrimento.

Em uma palestra, a médica especialista em cuidados paliativos Drª Ana Claudia fez a seguinte pergunta: “O que você faria, se tivesse mais cinco minutos com a pessoa que partiu?”. É surpreendente como essa pergunta pode nos acalmar, ou nos apavorar. Cinco minutos pode ser muito, ao mesmo tempo, ser nada. E isso depende da nossa necessidade simbólica da nossa perda.

Compreendo o assunto em questão extremamente complexo e infinito em suas interpretações, porém concluo minha fala, com a crença de não ser a morte que tememos ou que nos faz sofrer, mas nossa compreensão a respeito dela.

Carolina Cembranelli
Psicóloga Especialista

 

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