Como discernir a minha vocação?

Fiquei em dúvidas sobre como começar este texto, se eu o chamaria “como discernir a minha vocação” ou “como descobrir a minha vocação”. Escolhi o primeiro verbo por notar que, geralmente, há uma impressão de que a vocação está dada, feita, resolvida e que bastaria achá-la e pronto. No entanto, um número expressivo de padres e freiras que não se sentem realizados na sua vida vocacional faz pensar que a vocação passe por outros caminhos, que ela não é algo pronto. Muitos moços com “carinha de padre” não foram para frente, saíram do seminário ou deixaram o sacerdócio, e muitas “noviças rebeldes” são quem sustentam seus conventos em meio à crise generalizada das vocações. “Há últimos que serão primeiros e há primeiros que serão últimos” (Mt 19,30).

Vocação não se descobre, vocação se discerne e ela pode vir dos lugares mais inusitados, mudando a vida das pessoas mais curiosas e exóticas. As histórias e os testemunhos vocacionais são riquíssimos: médicos e advogados que deixaram o conforto para serem missionários; meninas tímidas que se tornaram verdadeiras apóstolas do amor de Deus; jovens coroinhas que só sabiam ajudar na missa e que se tornaram grandes curas de alma; pessoas simples que, por causa de Jesus, passaram a conquistar os ricos para uma vida nova, fazendo o camelo passar pelo buraco da agulha.

Vocação não é o cumprimento de um script pré-fabricado por um modelo cultural localizado. Ao observar a história da Igreja, nota-se que cada tempo forjou as suas vocações à altura e ao modo do seu tempo. Um excelente padre há cem anos poderia ser um péssimo pastor hoje, não por razões morais, mas porque o serviço ao povo de Deus depende do tempo, do espaço e da cultura desse povo. Uma vocação é sempre uma resposta a um tempo, a um lugar e a uma cultura. Do contrário, ela é encenação de velhos personagens, heroicos em suas páginas, insuficientes para o nosso presente real.

Uma vocação surge da provocação de um mundo e como sinal profético para ele. Antes de perguntar “qual a minha vocação”, a pergunta deveria ser “o que me provoca?”. O provocante é vocacional, mas é preciso ter um coração generoso para ser provocado e não apenas seduzido por um caminho de egoísmo, de autopromoção e de descompromisso com o mundo. Discernir uma vocação é achar o meu “adeus à disponibilidade”, como escreveu o jornalista católico Alceu Amoroso Lima, quando de sua conversão. É engajar-se, tornar-se responsável, amadurecer, e não apenas viver disponível para tudo, como quem não encontrou nada a que dar o seu coração e, por isso, precisa viver na feira das vaidades que a vida oferece.

Sugiro algumas indicações para discernir a própria vocação.

  1. Considerar os anseios mais profundos do próprio coração: é claro que nosso coração é ferido pelo pecado, que ele também deseja coisas que não são boas, não são de Deus, mas a capacidade de desejar é santa, pois foi criada por Deus. Por isso, é preciso conhecer-se, acessar os próprios desejos e olhar para onde apontam esses desejos, o que eles anseiam de mais profundo e intenso. A partir daí, é perguntar para Jesus: “Senhor, o que pedes aos meus desejos?”. Em outras palavras, os desejos não são para serem extirpados, mas para serem vocacionados.
  2. Conviver na comunidade de fé: o discernimento não é um diálogo interior solitário, mas uma reflexão que se faz junto com os irmãos na fé. Cada vez mais as nossas paróquias sentem o esfriar da vida comunitária, mas é na comunidade que a vocação se percebe. É ali, vendo e ouvindo pessoas, interagindo com elas, tentando ajudá-las e amá-las como irmãos em Cristo é que vai ficando mais claro qual a forma de serviço vocacional pode ser a mais fecunda para cada pessoa.
  • Conversar com alguém com experiência de vida e maturidade de fé: nem tudo é claro no discernimento e ninguém enxerga todos os elementos envolvidos em uma decisão vocacional. Por isso, é bom abrir-se com uma pessoa madura, que não dirá o que deve ser feito ou escolhido, mas que ajudará cada caso na sua peculiaridade, iluminando as dúvidas com suas perspectivas experimentadas e refletidas.

Eu até gostaria de pontuar outras indicações, mas a questão do espaço me limita. Ficará para um próximo texto. Só gostaria de terminar lembrando uma diferença importante. Na filosofia clássica, falou-se muito de “potência”, que nós poderíamos chamar, em linguagem mais recente e psicológica, de “potencialidades”. Só que para Aristóteles, por exemplo, a potência é já pré-definida. Uma semente de laranja só poderá arborecer em laranjeira. No entanto, a filosofia contemporânea ajuda a pensar sob novas perspectivas. Todo ser possui um “devir”, uma capacidade de “vir a ser” que não é pré-determinada. Uma vocação, a meu ver, não é predominantemente potência, mas é essencialmente devir. Pedro, Tiago, João e companhia limitada não tinham sinais de potência para o Reino, a julgar pelas suas gafes nos evangelhos, mas Jesus deve ter visto neles um devir potente e por isso os quis junto de si. Discernir a própria vocação não é saber para o que eu nasci, isso é muito fixista para nossa capacidade tão elástica de existir. Vocação é a escolha por um devir inédito, por causa do amor e da fé que Jesus desperta.

“Passamos a noite toda pescando e não pegamos nada (não há mais potência)… mas por causa da Tua Palavra (pelo devir que mostras), lançaremos as redes”.

Pe. Marcelo Henrique – reitor do Seminário Diocesano

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