A Palavra que não engana

Coube à Igreja acolher a Palavra de Deus, registrá-la, custodiá-la e divulga-la. É pela Igreja que a Palavra de Deus chegou até nós, hoje. Pela Igreja e a seu critério foram estabelecidos quais são os livros verdadeiramente inspirados que iriam compor a Bíblia. Por ela foram feitas as marcações de capítulos e versículos. Também pela ação bimilenar da Igreja é que as novas designações cristãs têm acesso à Bíblia. A Palavra de Deus é ricamente proclamada em nossas celebrações. Nas missas, tanto nos dias feriais como aos sábados e domingos os mesmos textos da Palavra de Deus são proclamados, refletidos e rezados desde as mais simples capelas rurais até as mais importantes catedrais do mundo. Nas celebrações eucarísticas semanais são proclamados três textos bíblicos e nas dominicais quatro, sendo a primeira leitura do Antigo Testamento, a resposta do livro dos Salmos, a segunda leitura de alguma carta dos Apóstolos e o Evangelho, que é palavra do próprio Jesus. Pedagogicamente, pode-se perceber a relação temática entre as leituras escolhidas, sobretudo entre a primeira, o salmo responsorial e o Evangelho. A segunda leitura é tomada das cartas dos Apóstolos que têm por objetivo instruir, corrigir, animar, dar orientações muito concretas para as comunidades cristãs, por eles iniciadas. Assim, a Igreja orienta seus filhos, formando-os com a riqueza e a sabedoria da Palavra de Deus.

No Brasil, há cinquenta anos, a Igreja tem promovido, em setembro, o chamado Mês da Bíblia. Esse mês foi escolhido porque no dia 30 é celebrada a memória de São Jerônimo, escritor de grande erudição, que no século IV, traduziu a Escritura para o latim, língua do Império Romano, facilitando assim sua divulgação pois, na época, o imperador Teodósio, acolheu a fé cristã e a favoreceu. É, pois, com intenção de divulgar a Palavra de Deus, motivar e orientar a leitura de um livro específico que a Igreja promove o Mês da Bíblia. Neste ano o livro proposto para reflexão e aprofundamento é a carta aos Gálatas. Esta carta, foi escrita pelo apóstolo Paulo por volta do ano 55, dirigida à comunidade da Galácia, situada ao norte da Turquia. Em sua primeira viagem missionária, o Apóstolo anunciou ali o evangelho e constituiu essa comunidade cristã. Antes de sua segunda visita, por meio desta carta, Paulo corrige e orienta a comunidade, originária do paganismo, e que estava sendo influenciada por judeus convertidos ao cristianismo. Estes insistiam que para ser cristão seria necessário, antes, observar os preceitos da lei de Moisés e, portanto, assumir os compromissos da religião judaica. Paulo argumenta que não somos salvos pela observância da lei judaica, mas pela graça de Cristo. A carta é uma defesa que Paulo faz mostrando que assumir os preceitos do judaísmo é desprezar a graça da salvação realizada por Cristo.

O tema do mês da Bíblia deste ano é um versículo da carta aos Gálatas: “Todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl.3,28). Muito oportuno e necessário recordar isso frente à nossa realidade tão marcada por discursos de ódio que geram divisão e conflito de uns contra outros, contrapondo gente de direita e de esquerda, progressistas e conservadores, entre outras tantas polarizações. Para agravar ainda mais, há aqueles que, insanamente, incentivam a população ao acesso às armas. Onde poderemos chegar conjugando intolerância e armas na mão? Inúmeros cristãos fracos no que é essencial à fé, abraçam ideologias enganadoras e oportunistas, deixam-se iludir por falso discurso que usa o nome de Deus e instrumentaliza a religião, distorce a verdade e propõe o mal como bem. Tal como a comunidade dos Gálatas que vinha sendo enganada é necessário que vozes, como a do Apóstolo, se levantem para desmascarar o engano. Muito oportuno repercutir o ensinamento bíblico de que todos somos um só em Cristo e buscar as consequências concretas desta palavra para nos orientar. O mesmo autor da carta aos Gálatas escreve a Timóteo, recomendando: “Proclama a Palavra, insiste oportuna ou inoportunamente, convence, repreende, exorta, com toda a paciência e com a preocupação de ensinar. Pois vai chegar um tempo em que muitos não suportarão a sã doutrina, mas conforme seu gosto e pela comichão de ouvir, se cercarão de outros mestres. Assim, deixando de ouvir a verdade, eles se desviarão para os mitos” (2 Tm.4, 2-4).

Com o intuito de sermos instruídos pela Palavra de Deus, proponho e peço que, especialmente, neste mês da Bíblia, as famílias cristãs, diária ou ao menos semanalmente, reflitam a Palavra de Deus da carta aos Gálatas. Os membros de uma mesma família se reúnam, tomem, sequencialmente, um pequeno trecho da carta, leiam com atenção, partilhem o que o texto lhes inspirou e rezem a partir dessas inspirações. Tomando um trecho a cada encontro, leiam a carta toda, que é de apenas seis breves capítulos. Bebamos nas fontes puras da Palavra de Deus e, em família, instruamo-nos mutuamente por esta Palavra que não engana e é garantia de verdade, vida e salvação.

Dom Wilson Angotti
Bispo Diocesano de Taubaté

 

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