A criação ainda geme em dores de parto

O início de um novo ano é sempre causa de vigor. A sensação de renovação que a mudança de calendário proporciona, com novas metas sendo colocadas na lista de ‘coisas a serem realizadas’, pode fazer crer que, definitivamente, o que era velho ficou no passado e que o novo será realmente novo. Entretanto, alguns problemas que já se delongam no tempo e que se tornaram chagas dolorosas em nossa história recente perduram para além do contexto do réveillon. Nem sequer estamos falando dos problemas sociais, políticos e econômicos causados pela pandemia do Covid-19, mas da urgência de um debate consistente e que produza seus efeitos acerca do cuidado com a Casa Comum.

Esse tema não é exatamente novo, mas já faz parte da pauta de discussão de várias esferas da sociedade durante algumas dezenas de anos. O que causa estranheza, sobretudo no Brasil, é o fato de que na mesma proporção em que cresce a consciência ecológica, permeada pelo espírito de preservação do ambiente, crescem também os índices de desmatamento e de crimes ambientais, o que faz com que cheguemos a níveis verdadeiramente alarmantes.

O Magistério da Igreja, não alheio às vicissitudes da história, também busca dar sua contribuição para o debate mundial a respeito da preservação do ambiente. Com seu típico olhar de pastor, o Papa Francisco, por meio da Encíclica Laudato Si – a segunda do seu pontificado e sua primeira de cunho social – convoca toda a humanidade para que, à luz do evangelho, repense seu modo de se relacionar com a natureza e estabeleça critérios éticos e morais verdadeiramente sólidos no que diz respeito aos bens de consumo. Nas palavras do Santo Padre: “Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós”.

Mas, afinal, porque o magistério da Igreja se propõe a tratar de um assunto que aparentemente foge do seu campo específico? Não deveria a Igreja, com seus pastores e leigos, cuidar apenas da cura das almas e da administração dos Santos Sacramentos? A resposta a tais questões nasce exatamente da índole própria da Igreja de ser sacramento universal de salvação. Uma vez chamada a ser luz entre os povos, a Igreja deve anunciar a salvação que nos foi alcançada por Cristo a todos os povos, estruturas e realidades. Nada fica alheio ao mistério pascal de Cristo, nem mesmo a criação, que “ainda geme em dores de parto” (Rm 8,22).

Que imbuídos dessa certeza nossos fiéis colaborem, por meio da obra de suas mãos, com a obra das mãos do Criador e levem a bom termo o anúncio da salvação de Cristo, que ilumina toda criação.

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