Entrevista do mês: Cônego Luiz Carlos, 25 anos a serviço do Reino de Deus

Um são-bendista chamado para ser pastor da Igreja

Cônego Luiz Carlos de Souza nasceu, no dia 03 de novembro de 1964, em São Bento do Sapucaí, SP. É filho de José Luiz de Souza (in memorian) e de Inêz Maria de Souza. No dia 26 de maio ele celebrará Jubileu de Prata de vida sacerdotal, com missa na Igreja Matriz da Paróquia Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Pindamonhangaba, onde é pároco desde 2001. Em entrevista dada a O Lábaro, Côn. Luiz Carlos fala de sua infância, do surgimento de sua vocação, de sua vida e ministério como padre.

O LÁBARO: O Senhor vem de uma família numerosa. Hoje, como é seu relacionamento com seus familiares?

Côn. Luiz Carlos: Sou o quinto filho entre 11 irmãos. Tenho 8 irmãos e 3 irmãs. Graças a educação que recebemos, somos uma família muito unida. Posso dizer que um não consegue ficar muito tempo longe do outro, procuramos nos encontrar sempre. Há uma grande preocupação com o bem estar de todos, quando um adoece então, a preocupação aumenta mais. Tenho o privilégio de ter minha mãe morando comigo desde 2001. Com isso, as possibilidades de nos encontrarmos são maiores, principalmente nas datas mais significativas como o dia das mães e o Natal. Infelizmente perdi o meu pai muito cedo, ele faleceu com 58 anos, em 1996, quando eu estava na Paróquia de Nossa senhora da Esperança, em Caçapava. Ele foi um grande exemplo para todos nós, principalmente com sua simplicidade e bondade.

O LÁBARO: Conte um pouco sobre a sua descoberta vocacional. Poderia falar de suas referências vocacionais?

Côn. Luiz Carlos: Desde criança pensava em ser padre. Minha história vocacional se identifica muito com a vocação do profeta Jeremias. Antes mesmo de ser formado no ventre de minha mãe, o Senhor já me escolhera para ser padre. Eu morava na roça, as coisas eram muito difíceis. Meu sonho era ser coroinha, mas nunca tive a oportunidade, porque dificilmente ia à missa na cidade, que era longe. Mas sempre me chamou a atenção os paramentos que o padre usava, gestos que fazia na hora da celebração, acima de tudo o ato de elevar as mãos na hora das orações, da consagração. Sabia que queria ser padre, mas não falava por vergonha. Frequentava as “rezas”, assim chamávamos os encontros na comunidade para celebrar a fé. Enfrentando estradas esburacadas e cheias de lama, andando, muitas vezes na escuridão da noite para chegar à capela mais próxima.
Lembro, em minha infância, do Monsenhor Pedro do Vale Monteiro. Tenho uma vaga lembrança dele, andando pelas estradas de batina preta oferecendo balas para a criançada. Mas, foi Monsenhor Teófilo de Almeida Crestani o referencial maior para minha vocação. Ele celebrou minha primeira comunhão. Lembro-me com saudades, das vezes que ia à comunidade para celebrar, principalmente nas festas do padroeiro, sempre de batina preta. Era como se uma grande autoridade tivesse chegado, havia grande respeito, toda a criançada ficava atônita, olhando o padre passar.

O LÁBARO: Como foi sua formação para o sacerdócio, que marcas esse tempo deixou em sua vida?

Côn. Luiz Carlos: Entrei para o seminário no dia 10 de fevereiro de 1979. Lembro-me como se fosse ontem. Ainda ressoa em meus ouvidos a música do Pe. Zezinho, “Se ouvires a voz do vento, chamando sem cessar”, que estava sendo cantada na entrada da Capela do seminário, quando foi celebrada a missa de acolhida dos novos seminaristas daquele saudoso ano. Éramos uma turma de dezenove seminaristas, no final só quatro se tornaram padres, “muitos são os chamados e poucos os escolhidos”. Monsenhor Irineu Batista da Silva era o reitor na época e o saudoso Pe. Hugo Bertonazzi era o vice-reitor. Foram cinco anos de seminário menor. Fase mais importante da minha formação, a base. Foi quando aprendi o que significa viver em comunidade, a conviver e a relacionar-me com os outros e, acima de tudo, a ser amigo e fraterno. Bons tempos! Tenho muita saudade! Muito aprendi, louvo e agradeço a Deus por esse período da formação. Ainda tive como formadores na filosofia, o saudoso Pe. Roberto Hidalgo de Araujo, o Pe. Beto, e o Pe. Antonio Donizete Sgarbi.
Cursei filosofia no próprio seminário Santo Antonio e teologia na Faculdade Dehoniana, o Conventinho. Concluí a teologia no ano de 1989. Ainda cursava o quarto ano de teologia quando, no dia 21 de maio de 1989, fui ordenado diácono, na Paróquia de Santa Luzia, em Taubaté. Meu lema diaconal foi “Estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22, 27). Meu desejo era ordenar padre no mês de maio, Mês de Maria, modelo de vocação, modelo dos servidores. Então, marquei minha ordenação sacerdotal para o dia 26 de maio do ano seguinte, 1990. A ordenação aconteceu lá na minha terra natal, São Bento do Sapucaí, na Igreja Matriz de São Bento.

O LÁBARO: Depois de sua ordenação sacerdotal, quais foram seus trabalhos no exercício do ministério?

Côn. Luiz Carlos: Em julho do mesmo ano fui designado por Dom Antonio para a função de vigário paroquial da Paróquia Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Pindamonhangaba. Fui auxiliar o então pároco, Côn. Benedito Gil Claro. Passei a residir com ele na casa paroquial.
A população da cidade crescia cada vez mais e as urgências pastorais também aumentavam. Com isso, veio a necessidade de se criar mais uma nova paróquia. A comunidade de Nossa Senhora de Fátima, no bairro do Crispim, já estava sendo preparada. Em outubro desse mesmo ano passei a residir na comunidade, preparando junto com o povo, a instalação da nova paróquia tão esperada por todos. No dia 05 de outubro do de 1991, fui nomeado como o primeiro pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, aí permanecendo até dezembro 1993. Em obediência ao bispo diocesano, fui transferido para a Paróquia de Santa Terezinha, em campos do Jordão, como vigário paroquial para auxiliar o então pároco, Pe. Roberto Hidalgo, que se encontrava com problemas de saúde. No dia 26 de Fevereiro de 1995, fui transferido para Caçapava com a missão de ser o primeiro pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Esperança. Foi grande o desafio, tudo por construir e organizar, mas com a graça de Deus e a participação dos fiéis deu tudo certo.

Em outubro do ano de 1996, lembro-me muito bem, era uma quinta feira, quando me preparava para celebrar a Missa do Santíssimo, recebi, inesperadamente, a visita de Dom Carmo. Como ele estava no inicio de seu ministério episcopal em nossa diocese pensei que fosse uma visita pastoral. No entanto, ele vinha me convidar para ser o Reitor do Seminário Diocesano. Outro grande desafio. Mas, mesmo reconhecendo minha incapacidade, coloquei-me a disposição para continuar servindo a Igreja, na obediência que assumi no dia da minha ordenação. Em dezembro daquele ano mudei para o Seminário Santo Antonio, em Taubaté.

Foram três anos trabalhando na formação. Missão árdua, mas recompensadora, dei a minha contribuição, mas muito mais aprendi. No final de 1999, fui novamente designado para ser o vigário paroquial da Paróquia Nossa Senhora do Bom Sucesso, agora, com a possibilidade de ser o pároco, pois o Côn. Benedito Gil já estava para se aposentar. No dia 16 de Janeiro de 2000, assumi como vigário paroquial e no dia 18 de março de 2001, tornei-me pároco, cargo que estou exercendo até os dias de hoje em meu ministério sacerdotal.

O LÁBARO: Quais recordações que o senhor traz do dia de sua ordenação sacerdotal?

Côn. Luiz Carlos: São muitas. Fiquei impressionado com o grande número de pessoas presentes. Uma multidão entre sacerdotes, religiosas, seminaristas e fiéis. A matriz estava repleta. Toda a celebração foi muito bonita, mas com certeza, o momento da prostração (quando se canta a Ladainha de Todos os Santos) e da imposição das mãos (gesto de consagração) marcaram mais, porque é nesses dois momentos que você entrega totalmente sua vida a Deus para o serviço do seu Reino. É impossível esquecer, fica gravado para sempre na memória e no coração.
Outro momento marcante do dia da minha ordenação foi celebrar minha primeira missa na capela de São José, lá no bairro rural onde frequentava as “rezas” e tinha meus encontros de catequese. Aqui um detalhe muito significativo: tive como catequista minha mãe, mulher de forte personalidade, de fé, de fibra, me ensinou e me ensina até hoje. Foi um momento ímpar celebrar pela primeira vez ali com toda a comunidade reunida, o lugar onde fiz minha primeira comunhão, onde foi brotando o desejo de me consagrar a Deus. Com certeza foi um momento sagrado, único, de muita emoção, poder pela primeira vez tornar presente o Corpo e o Sangue de Cristo através da consagração, alimento maior da nossa alma. Enfim, tudo ficou e ficará marcado para sempre na mente e no coração.

O LÁBARO: São 25 anos de sacerdócio exercido na diocese de Taubaté. Como o senhor vê as transformações pelas quais passaram a Igreja, a Diocese e a sociedade de modo geral?

Côn. Luiz Carlos: Esse tema é muito complexo, no entanto, muitos passos foram dados, muitas foram as transformações, as mudanças. A Igreja cada vez mais vem crescendo na sua atuação e no cumprimento da sua missão, missão de ser cada vez mais uma Igreja atuante, viva, fraterna e missionária, colocando-se do lado dos menos favorecidos, buscando sempre uma vida mais justa e mais humana para todos.

O LÁBARO: Em 2007 o senhor foi agraciado com o título de cônego. O que isso representou em seu ministério sacerdotal?

Côn. Luiz Carlos: Recebi com muita alegria e satisfação, na certeza de que o Senhor precisa de mim como verdadeiro pastor e pai. O título só veio reforçar a minha responsabilidade, de procurar com a minha vida, levar cada vez mais alegria e esperança ao coração de todos, servindo sempre com muita humildade e amor. Sei que é um título apenas, que não posso jamais deixar de ser o pastor que deve sempre cuidar, proteger e amar as suas ovelhas, principalmente em dias de nuvens e escuridão.

O LÁBARO: Desses anos todos de ministério sacerdotal, qual foi o momento mais marcante para sua vida como padre e para sua espiritualidade cristã?

Côn. Luiz Carlos: Muitos foram os momentos marcantes. Fui o primeiro pároco em duas paróquias, a de Nossa Senhora de Fátima, em Pindamonhangaba, e a de Nossa senhora da Esperança, em Caçapava. Sabemos dos grandes desafios ao iniciar os trabalhos numa nova paróquia, mas sempre contamos com a participação de leigos engajados no trabalho pastoral, pessoas dispostas a construir a comunidade, isso ajudou muito. Penso que foram experiências que marcaram muito o meu ministério.

Mas sem dúvida, o momento mais marcante foi o tempo em que fui reitor do Seminário Diocesano Santo Antonio, onde eram formados os seminaristas de filosofia e os de teologia. Todos sabem que o desafio de ser formador é muito grande, ainda mais se você não foi preparado. Mas, por obediência, assumi com humildade e responsabilidade essa tão importante tarefa. Foram três anos como reitor, muitos foram os desafios, as dificuldades, mas também muitas foram as alegrias. Às vezes, era incompreendido, mas ciente de que exercia com amor essa tarefa. Foi um tempo muito importante para o meu ministério, na minha limitação procurei com a graça de Deus colaborar na formação de novos sacerdotes e foram muitos. Participemos todos do processo formativo do futuro padre, rezemos pelas vocações.

O LÁBARO: Lemos na Gaudium Spes do Concílio Vaticano II, “as alegrias e as esperanças dos homens” são também as da Igreja. Acompanhando um pouco o cenário político, social e econômico do Brasil, especialmente aqui em nossa diocese, conforme apresentado na Pré-Assembléia Diocesana, o que o senhor tem a dizer sobre isso, pensando particularmente o seu ministério como pároco?

Côn. Luiz Carlos: Nosso país passa por um momento muito difícil, por uma crise econômica muito grande; crescem, cada vez mais, o desemprego e as desigualdades, com isso o nosso povo sofre muito. Devemos, enquanto Igreja, ser cada vez mais uma presença que leva esperança, nos colocando do lado dos sofredores, conforme a proposta da Campanha da Fraternidade de 2015, Fraternidade: Igreja e Sociedade. A Igreja deve buscar uma verdadeira conversão para fortalecer em sua missão. O texto base da Campanha leva-nos a nos perguntarmos: qual a sociedade que temos e qual a Igreja que queremos? Com toda certeza, a Igreja tem papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e solidária. Precisa-se de uma Igreja mais próxima das pessoas, de seus problemas, angústias e dores. A partir da fé, é preciso buscar uma ação pastoral que favoreça o diálogo com a sociedade como um todo, que se faça presente com sua mensagem de libertação, solidariedade e defesa dos excluídos da nossa sociedade. Portanto, como sacerdote, quero ter a missão de cuidar para que todos tenham vida e a tenham em abundância.

O LÁBARO: A diocese de Taubaté está recebendo um novo bispo. Quais são suas expectativas para o futuro da nossa diocese sob o pastoreio de Dom Wilson Angotti?

Côn. Luiz Carlos: As expectativas são as melhores possíveis. Acolhemos Dom Wilson, nosso novo bispo, com muita alegria e esperança no coração, na certeza de que ele virá para servir, para dar continuidade aos trabalhos realizados até aqui, como ele mesmo disse em sua mensagem dirigida a todos nós. Rogamos à Virgem Mãe de Deus que interceda por ele e pela sua nova missão. O aguardamos com muita ansiedade e nos colocando a disposição para servir, colaborando no pastoreio de nossa diocese.
Quero aproveitar a oportunidade para deixar o meu eterno agradecimento a Dom Carmo, que nesses quase dezenove anos, sempre exerceu com muita dedicação e amor o seu ministério episcopal em nossa Igreja particular, buscando sempre o melhor para todos, inclusive para nós sacerdotes. Um verdadeiro Pastor, Pai e amigo. Obrigado Dom Carmo por tudo. Que o bom Deus continue abençoando-o com muitas graças do céu.

O LÁBARO: O senhor gostaria de deixar uma mensagem para os seus colegas padres e também para os fiéis, especialmente para os seus paroquianos?

Côn. Luiz Carlos: Meu lema sacerdotal é “Cuidarei das minhas ovelhas em dias de nuvens e escuridão”(Ez 34, 12). Profundo e cheio de responsabilidade. Tenho procurado, no exercício de meu ministério, esforçar-me para ser um verdadeiro pastor, segundo o coração de Deus. Amados irmãos no Ministério Sacerdotal, esforcemo-nos para ser verdadeiros pastores segundo o coração de Jesus. Vivamos a fraternidade presbiteral, buscando juntos crescer cada vez mais em nossa comunhão fraterna. Amado povo de Deus, de um modo especial meus queridos paroquianos, rezem sempre por nós, pela nossa santificação. Rezem pelas vocações, pedindo ao Pai que não deixe faltar operários à sua messe. Obrigado pelas orações e que Deus os recompense. Louvo e agradeço a Deus, pelos meus 25 anos de ministério sacerdotal e que Maria, minha Mãe, interceda por mim junto ao seu filho Jesus.

Fonte: Jornal O Lábaro edição de abril e maio/2015

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